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Moda histórica: Roupas e decoração já diferenciavam pessoas no Império Romano

Peças de roupas do Império Romano sobreviveram ao tempo - The Metropolitan Museum of Art/Art Resource, NY via The New York Times
Peças de roupas do Império Romano sobreviveram ao tempo Imagem: The Metropolitan Museum of Art/Art Resource, NY via The New York Times

John Noble Wilford

Do New York Times

18/03/2016 06h00

A arqueologia não se resume às ruínas de pedra de palácios e templos, múmias reais em tumbas remotas e escritos obscuros em tabuletas de argila. Restos menos duráveis, como tecidos e artigos de decoração de casa que de alguma maneira sobreviveram à decomposição do tempo, também podem ser artefatos reveladores de culturas ancestrais.

Uma de suas mensagens, ao que parece, é que se vestir para causar impacto e marcar presença não tem nada de novo na experiência humana.

Amostras raras dos motivos e dos materiais dos tecidos no mundo Mediterrâneo entre os séculos III e VI refletem a riqueza e a posição social da elite no momento de maior expansão do Império Romano e seu posterior declínio – período conhecido como Antiguidade Tardia. O cristianismo se espalhava pela região. "Bárbaros" do norte ameaçavam as fronteiras externas e Roma em si.

Objetos que sobreviveram ao fim do Império Romano estão em exposição nos Estados Unidos - Museum of Fine Arts, Boston via The New York Times - Museum of Fine Arts, Boston via The New York Times
Objetos que sobreviveram ao fim do Império Romano estão em exposição nos Estados Unidos
Imagem: Museum of Fine Arts, Boston via The New York Times

Com o tempo, a cultura árabe em expansão introduziu o islã pelo Oriente Médio.

Em estudos recentes, historiadores de arte e outros pesquisadores reconheceram mais claramente elementos de continuidade e somente uma mudança gradual na maneira pela qual a elite abastada dessas terras, e seus aspirantes, usavam as roupas para definir e celebrar seu lugar na sociedade.

Mesmo quando as cruzes cristãs começavam a enfeitar túnicas e mantos, as roupas predominantes para homens e mulheres, as pessoas não tinham esquecido inteiramente suas raízes mitológicas. Imagens relacionadas ao deus Dionísio, emblema do vinho e da vida boa, eram frequentes nos tecidos. Tapeçarias evocando banquetes dionisíacos eram penduradas nas paredes das casas, muitas vezes, apropriadamente, em espaços para jantares suntuosos e diversões.

Identidade construída

Uma exposição com mais de 50 desses artefatos, "Desenhando a Identidade: A força dos tecidos na Antiguidade Tardia", foi aberta no Instituto para o Estudo do Mundo Antigo, em Manhattan, e ficará aberta até 22 de maio. Thelma K. Thomas, curadora da mostra, disse que os exemplos de roupas, cortinas e tapeçarias "colocam as esperanças e desejos na exposição em seus motivos, desenhos e materiais, dando visibilidade à identidade social e ao eu interno imaginado".

Peça que representa duas figuras é um artefato claro de culturas antigas - Byzantine Collection, Dumbarton Oaks, Washington D.C. via The New York Times - Byzantine Collection, Dumbarton Oaks, Washington D.C. via The New York Times
Peça que representa duas figuras é um artefato claro de culturas antigas
Imagem: Byzantine Collection, Dumbarton Oaks, Washington D.C. via The New York Times

Thelma é professora adjunta de belas-artes da Universidade de Nova York e editora do catálogo da exibição, publicado pela Princeton University Press. Jennifer Y. Chi, diretora de exposições do instituto, ligada à Universidade de Nova York e uma autoridade em cultura romana, declarou que a mostra ilustrava "a disseminação e o longo alcance da força iconográfica dos trajes da Antiguidade Tardia".

Os tecidos foram cuidadosamente criados para transmitir imagens específicas do eu, da sociedade e da cultura, e oferece vislumbres de atividades da vida cotidiana e da prática de rituais religiosos

Jennifer Y. Chi, curadora

Clima ajudou na preservação

Começando no século XIX, uma grande quantidade de artefatos têxteis veio à luz em escavações arqueológicas longe de Roma, geralmente em cemitérios egípcios da época dos romanos. Muitas pessoas reciclavam suas melhores túnicas, as com padrões como motivos com pássaro e rede de trepadeira ou adornos mais artísticos, como mortalhas para enterro. O clima árido do deserto foi gentil com os tecidos ao longo dos séculos.

O viés da mostra em torno de tecidos das classes superiores talvez fosse inevitável. Tais espécimes bem preservados compreensivelmente chamaram a atenção de arqueólogos, que os acharam irresistíveis. Muitos foram enviados às suas instituições nos Estados Unidos há mais de um século.

Outros entraram no mercado de antiguidades, terminando com colecionadores ricos que podem ter sentido algum tipo de ligação com essas elites antigas. Um colar de ouro com uma cruz de Chipre e objetos esculpidos em marfim representando cenas míticas de Dionísio, em exposição nas galerias da exposição, foram presenteados ao Museu Metropolitano de Arte em 1917 por J. Pierpont Morgan.

Túnica aparece entre os objetos disponibilizados ao público - The Metropolitan Museum of Art/Art Resource, NY via The New York Times - The Metropolitan Museum of Art/Art Resource, NY via The New York Times
Túnica aparece entre os objetos disponibilizados ao público
Imagem: The Metropolitan Museum of Art/Art Resource, NY via The New York Times

Outras coleções terminaram doadas a museus, mas muitas vezes definhavam na obscuridade dos bastidores até que o pó foi espanado e elas foram emprestadas para o instituto da Universidade de Nova York para a mostra Desenhando a Identidade. Agora, foram reavaliadas em termos do papel das roupas e da decoração doméstica na Antiguidade Tardia.

De acordo com Jennifer, os motivos mais populares estão ligados à "prosperidade e ao bem-estar" ou apareciam em amuletos para invocar a boa sorte e repelir o mal.

Antes da Revolução Industrial, a produção têxtil era especialmente difícil. Os muitos ornamentos decorativos em tecidos de lã tingidos e não tingidos de linho tornavam esses produtos ainda mais distantes das pessoas comuns. Somente imperadores ou os muito ricos poderiam comprar túnicas e mantos decorados com padrões coloridos com púrpura feita com os fluidos glandulares de caramujos marinhos do Mediterrâneo oriental.

Corantes eram artigo de luxo

Esses corantes estavam entre os produtos mais caros do mundo antigo. Igualmente, as sedas que começavam a surgir da China eram um luxo que poucos podiam bancar. Uma túnica em exposição combina os habituais linho e lã, mas com borda de seda. Ela foi encontrada na antiga Panópolis, um centro de produção têxtil antigo agora conhecido como Akhmim, no Egito central.

Escrevendo no catálogo da exposição, Thelma afirma que esses custos elevados significavam que os tecidos luxuosos passaram a representar riqueza e prestígio. Sua produção e aquisição, "eram os aspectos centrais das economias domésticas, na esfera das mulheres". Fusos, teares e outros instrumentos de tecelagem costumam ser encontrados em contextos domésticos nos sítios arqueológicos da região.

Da mesma forma, os tecidos da Antiguidade Tardia carregavam associações conceituais diferentes das de hoje em dia. "O tear ocupado evocava ideais santificados de mulheres virtuosas trabalhando para contribuir e para sustentar o lar", escreve Thelma, citando o exemplo duradouro de Homero e da fiel Penélope. Ela se mantinha respeitosamente tecendo e desmanchando uma mortalha para o sogro enquanto esperava a volta de seu marido errante.

Túnicas

As túnicas pareciam estar na moda durante toda a Antiguidade Tardia. Elas costumavam ser peças únicas de tecido enroladas sobre o corpo, geralmente folgadas e, às vezes, mais ajustadas. Para as mulheres, chegavam aos pés, para os homens, aos joelhos.

Até as crianças vestiam túnicas. Em exposição está uma veste com capuz ornamentado que era usado sobre a cabeça da criança. O primeiro moletom com capuz?

Especialistas não tinham certeza do que dizer acerca de uma tapeçaria de parede. Ela retrata um servo esperando a ordem. Seria este um tributo à equipe fiel da casa? Ou um lembrete para serem mais zelosos no serviço?