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Sherlock Holmes da caça ilegal usa DNA para desvendar tráfico de marfim

Ruth Fremson/NYT
Imagem: Ruth Fremson/NYT

Claudia Dreifus

26/06/2016 06h00

Samuel K. Wasser, de 62 anos, zoólogo da Universidade de Washington, é um Sherlock Holmes do comércio de vida selvagem. Com modernas ferramentas bioquímicas e sapatos de couro à moda antiga, ele investiga os comerciantes por trás do mercado de animais caçados ilegalmente. Seu trabalho é financiado pela Fundação Paul G. Allen, pelo Departamento de Estado e pelo Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes.

P: Qual é sua profissão verdadeira?

R: Sou biólogo conservacionista e professor, além de conduzir pesquisas científicas. Entre as coisas que meu laboratório faz está a análise forênsica de DNA para determinar a origem do marfim de um elefante apreendido por forças da lei internacional.

Se as autoridades alfandegárias de Cingapura ou do Vietnã interceptarem um grande carregamento de marfim – vamos dizer mais de meia tonelada – vindo de caça, serei chamado para ver o que podemos aprender a partir de sua análise. Recentemente, o pessoal do meu laboratório começou a aplicar o que aprendemos sobre o comércio de marfim aos pangolins.

P: Pangolins?

R: Eles são mamíferos africanos e asiáticos do tamanho de um cachorro cocker spaniel. Provavelmente estão entre os animais mais caçados do mundo. São mortos por sua carne e por suas escamas, que os asiáticos acreditam possuir valor medicinal. Eles estão severamente ameaçados.

P: Como você se tornou um detetive da vida selvagem?

R: É uma longa história. No final dos anos 1970 e por toda a década de 1980, estive no Parque Nacional Mikumi, na Tanzânia, estudando a competição entre as fêmeas de babuínos. Como parte dessa pesquisa, desenvolvi a tecnologia para extrair hormônios das fezes dos babuínos. Era útil para medir seu nível de estresse, fertilidade e nutrição sem ter necessariamente que mexer com os animais.

Enquanto fazia isso, a caça para a retirada de marfim estava explodindo na África. Durante esses anos, mais de 700 mil elefantes foram abatidos. Trabalhava em uma área protegida e, mesmo assim, em todos os lugares via carcaças de elefantes. Comecei a pensar: “Deus, se pudesse aplicar os testes dos babuínos na conservação dos elefantes seria maravilhoso”.

Descobrir como fazer isso levou muitos anos. No entanto, em 1997, meu laboratório e outros colegas publicaram artigos mostrando como extrair DNA das fezes. Como as fezes de elefantes são grandes e fáceis de achar, isso me permitiu mapear a genética dos animais por todo o continente.

Um ano depois, conseguimos obter DNA de marfim. Agora eu podia comparar o DNA das presas apreendidas com o mapa genético. Finalmente, foi possível usar a ciência para mostrar onde o contrabando havia se originado.

P: Quão preciso é o seu teste?

R: Eu posso pegar uma presa de qualquer lugar da África e rastrear suas origens em um perímetro de até 300 quilômetros de onde o elefante foi morto, frequentemente dá para saber até a reserva ou parque.

Isso nos deu uma nova compreensão de como o mercado de marfim funciona. A partir daí aprendemos que bandos organizados de caçadores aparecem para matar várias vezes nos mesmos lugares. Eles operam em regiões com vários elefantes, onde podem se mover facilmente sem ser pegos e onde é possível tirar as presas do país, o que implica, frequentemente, algum tipo de corrupção de alto nível.

Essa é um tipo de inteligência que você pode usar. Quando sabemos que o contrabando de marfim vem de um lugar específico, isso nos mostra onde a próxima caça será. Algumas vezes dá para fazer com que parem mandando guardas armados.

No entanto, os caçadores muitas vezes estão mais bem armados. Eles possuem AK-47s, óculos noturnos e de vez em quando até helicópteros.

É um grande crime organizado. A Interpol diz que o comércio de vida selvagem é o quarto maior tipo de crime transnacional, depois de armas, drogas e tráfico humano.

P: Quais são os lugares mais usados para a caça?

R: A caça ilegal acontece em toda a África. Na última década, todas as grandes apreensões de marfim que analisei mostraram que 22 por cento do total veio dos elefantes das florestas do Gabão e do Congo, e 78 por cento de uma área centralizada na Tanzânia. Entre 2002 e 2007, identificamos a Zâmbia como outro local procurado para a caça ilegal.

Saber disso pode ter impacto na política. Por exemplo, em 2007 e 2010, a Tanzânia e a Zâmbia pediram para ingressar na agência das Nações Unidas que regula o comércio de produtos da vida selvagem – chamada Cites – para conseguir permissão para vender o marfim que possuem estocado. Seus diplomatas afirmavam que os países estavam trabalhando rigorosamente para diminuir a caça ilegal.

Os relatórios forênsicos do nosso grupo e os de colegas mostraram que grandes quantidades de contrabando vinham da Tanzânia e, naquele momento, da Zâmbia. Assim, os dois pedidos foram negados.

P: Suas investigações ajudam na hora de acusar caçadores e contrabandistas?

R: Até agora, consegui uma condenação importante na África com o uso de evidência baseada em DNA. A pessoa foi acusada de ser o maior comerciante de marfim da África Ocidental. Ele foi preso no Togo. Invadiram seu armazém, e analisei as amostras.

Mostrei que as presas vieram de vários países, e um colega determinou que o marfim era de animais mortos havia pouco tempo. Ele pegou a sentença mais severa do Togo: dois anos de prisão e uma multa. Mas já está livre.

P: A venda de marfim é legal nos Estados Unidos?

R: Vários estados baniram a venda de marfim – Nova York, Califórnia, Washington. E apenas uma semana atrás o governo federal promulgou uma proibição quase total para a venda de marfim entre os estados. Isso significa que alguém que está no Kentucky não pode vender marfim legalmente para alguém que está na Virgínia.

No entanto, pode vender marfim permitido para um comprador no Kentucky. Além disso, existem algumas exceções para a proibição: instrumentos musicais, móveis e armas de fogo que usem menos de 200 gramas de marfim, peças antigas. Os caçadores com licenças podem trazer dois troféus de elefantes ao país todos os anos.

Eu sou da opinião de que precisamos de uma lei que diga: Não é permitido vender, ponto. Porque os buracos podem ser um problema. Se você vai para o Havaí, as lojas estão cheias de marfins brancos. Quando você pergunta se é legal, o vendedor diz: “É antigo”.

P: As situações que encontra no trabalho pesam para você?

R: Não faz muito tempo, eu havia acabado de voltar de Cingapura, onde tinha avaliado uma apreensão de 4,6 toneladas de marfim. Em três dias corridos, havia lavado, pesado, alinhado e testado amostras representativas das sobras de cerca de mil elefantes mortos.

Existem provavelmente apenas uns 400 mil animais ainda vivos na África. Algumas dessas presas eram tão pequenas que não pesavam nem meio quilo – bebês.

Quando cheguei a Seattle, havia uma comemoração porque o pessoal da Paul Allen tinha conseguido aprovar uma iniciativa para banir as vendas de marfim no estado de Washington. Eu olhei para todas aquelas pessoas bacanas naquele salão bebendo vinho e pensei: “Vocês não têm nem ideia do quão terrível é a situação”. E tive que ir embora.