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Poeira estelar está em todos os lados, e sua casa pode ter sinais do nascimento do Universo

ESO/F. Ferraro
Imagem: ESO/F. Ferraro

William J. Broad

01/04/2017 04h00

Depois de décadas de fracassos e mal-entendidos, os cientistas resolveram um enigma cósmico: o que acontece com as toneladas de partículas de poeira que atingem a Terra todos os dias, mas que raramente são descobertas, se tanto, nos lugares que os seres humanos conhecem tão bem, como edifícios, estacionamentos, calçadas e bancos de praça.

A resposta? Nada. Procure melhor. As minúsculas partículas estão por toda parte.

Uma equipe internacional descobriu que telhados e outras paisagens urbanas rapidamente coletam a poeira extraterrestre de uma maneira que pode facilitar sua identificação, contrariando autoridades científicas que há muito tempo ignoram a ideia, vendo-a como pouco mais que uma lenda urbana estimulada por astrônomos amadores.

E o mais interessante é que o líder da equipe da descoberta – e coautor de um estudo recente publicado na revista mensal Geology, da Sociedade Geológica Americana – é um amador talentoso que se dedicou a desmentir os céticos.

Ele é um famoso músico de jazz na Noruega e organizou sua vida para incluir oito longos anos de investigações extraterrestres. Agora, sua busca produziu uma descoberta de peso, um livro colorido para leitores leigos que os cientistas chamam de uma galeria de imagens de visitantes alienígenas.

"Espero e acredito que ele seja o início de algo", disse o músico Jon Larsen em uma entrevista. Seu objetivo? "Facilitar as coisas."

O livro, "In Search of Stardust: Amazing Micro-Meteorites and Their Terrestrial Imposters" (Em busca da poeira estelar: os micrometeoritos surpreendentes e seus impostores terrestres), a ser lançado em agosto, detalha o segredo de sua caçada extraordinariamente bem-sucedida. Suas 150 páginas e 1.500 microfotografias, ou fotos tiradas com um microscópio, mostram como Larsen aprendeu a distinguir entre poeira cósmica e contaminantes minúsculos que se originam em estradas, fábricas, telhas, construções, material isolante doméstico e fogos de artifício.

Como diz o livro: "Destacar uma partícula extraterrestre entre bilhões de outras requer conhecimento tanto sobre o que procurar quanto sobre o que ignorar".

Há bilhões e bilhões de anos

As partículas diminutas às quais Larsen, de 58 anos, se dedica representam a menor parte de uma tempestade cósmica que cai na Terra há bilhões de anos.

Observadores cuidadosos do céu noturno estão familiarizados com estrelas cadentes – pedaços de rochas extraterrestres que cortam a atmosfera do nosso planeta em alta velocidade, muitas vezes se desintegrando completamente. Um pedaço maior pode atingir o chão, alguns com força suficiente para abrir crateras. Em 2013, uma rocha relativamente pequena caiu sobre a cidade russa de Chelyabinsk, liberando uma onda de choque que feriu centenas de pessoas, principalmente ao quebrar janelas, espalhando vidro estilhaçado.

Mas tudo isso representa uma pequena fração dessa tempestade. Os cientistas dizem que a maioria do material cósmico é impressionantemente pequena – mal chega à largura de um fio de cabelo humano. Conhecidos como micrometeoritos, eles caem sobre o planeta mais ou menos continuamente, mas se mostraram extremamente difíceis de encontrar. Alguns pedaços são tão pequenos e leves que pairam na superfície da Terra sem se desintegrar.

A poeira consiste de pequenos remanescentes do nascimento do sistema solar, incluindo restos de gelo sujo, conhecidos como cometas, e de colisões entre planetas e grandes pedras, chamadas de asteroides. A maioria das partículas tem natureza interplanetária, mas algumas contêm grãos de matéria vinda de fora do sistema solar, ou a verdadeira poeira estelar. Sua diversidade a torna uma janela excelente para o cosmos.

Cientistas encontraram micrometeoritos principalmente na Antártica, desertos remotos e outros lugares distantes da atmosfera da civilização. A partir dos anos 40 e 50, os pesquisadores tentaram encontrá-las em áreas urbanas, mas acabaram desistindo por causa do excesso de contaminantes humanos.

Os especialistas que tentam estabelecer as origens cósmicas das partículas tendem a examinar suas características químicas ao invés da sua aparência geral. Isso abriu uma grande brecha para Larsen.

Matthew J. Genge, um dos quatro autores do artigo da Geology e professor de Ciência Planetária do Imperial College, em Londres, usou uma microssonda de elétrons no Museu de História Natural em Londres para determinar a composição química dos achados de Larsen, visando confirmar sua origem cósmica.

Em uma entrevista, ele disse que, em geral, os grãos que sobrevivem ao mergulho atmosférico e chegam à superfície da Terra somam mais de quatro mil toneladas por ano, ou mais de 10 toneladas por dia. "Seu trabalho de classificação de contaminantes é valioso, tem implicações de grande alcance", disse Genge sobre o trabalho de Larsen.

Donald E. Brownlee, astrônomo da Universidade de Washington que ajudou a estabelecer o campo, chamou Larsen de verdadeiro cidadão cientista, cujo trabalho ajudará na busca global pelas pequenas partículas.

"Seu carro está coberto de poeira cósmica. Nós a inalamos, nós a comemos na alface, mas, normalmente, ela é incrivelmente difícil de encontrar", disse Brownlee.

Larsen veio para o que chama de Projeto Stardust como guitarrista de jazz da Noruega, talvez mais conhecido como o fundador do Hot Club de Norvège, um quarteto de cordas. Seu grupo ajudou a impulsionar o renascimento global do jazz cigano.

Ele conta que foi um colecionador entusiasmado de pedras na infância, mas estava indo tão bem como músico que deixou de lado suas ambições científicas precoces. Então, em 2009, em uma casa de campo próxima a Oslo, enquanto limpava uma mesa ao ar livre, um ponto brilhante chamou sua atenção.

"Ele piscava na luz do sol", lembrou-se ele. Larsen tocou o ponto. "Era meio angular, meio metálico, mas muito pequeno. Um pontinho".

Intrigado, suspeitou que fosse um visitante cósmico e começou a procurar outros. Coletou amostras de poeira de Oslo e de cidades de todo o mundo, clandestinamente como cientista, enquanto estava de férias ou em turnê com sua banda de jazz. Colheu amostras de estradas, telhados, estacionamentos e áreas industriais.

Coletou também centenas de quilos de coisas nojentas – lodo de esgotos, sarjetas e bueiros, o lado feio da civilização que a maioria das pessoas tenta evitar.

"Mesmo assim, não encontrei um único micrometeorito. Foi bem frustrante", lembrou.

Larsen então mudou de tática. Em vez de procurar exclusivamente a poeira cósmica, aprendeu sozinho a classificar as dezenas de diferentes tipos de contaminantes do nosso planeta, iniciando um processo de eliminação que lentamente estreitou os candidatos e aumentou a chance de que uma pequena fração dos detritos urbanos pudesse pertencer ao cosmos.

A descoberta ocorreu há dois anos. Em Londres, Genge estudou uma das partículas recolhidas – na Noruega, não em Tombuctu – e confirmou que de fato era uma viajante do espaço sideral. Larsen rapidamente identificou centenas de outras.

"Quando descobri o que procurar, encontrei a poeira em todos os lugares", disse ele.

No artigo da revista Geology, a equipe científica relatou a descoberta de cerca de 500 micrometeoritos, coletados principalmente nas calhas dos telhados na Noruega, e descreveu a análise pormenorizada das 48 partículas extraterrestres. A equipe incluiu dois dos alunos de Genge, Martin D. Suttle, do Imperial College, e Matthias Van Ginneken, da Université Libre, em Bruxelas.

A equipe descreveu a poeira cósmica como a mais nova já coletada até hoje, porque as calhas tendem a ser lavadas com bastante regularidade. Além disso, superfícies urbanas são pontos de chegada recentes na paisagem global, em comparação com o gelo polar e os desertos antigos.

Em suas viagens, Larsen e Michael E. Zolensky visitaram recentemente um cientista de materiais extraterrestres em Houston, no Centro Espacial Johnson, da NASA, que não só falaram sobre seus respectivos trabalhos, mas também subiram ao telhado do grande edifício que abriga as pedras das missões lunares Apolo.

"Foi muito legal. O prédio é agora um coletor de poeira cósmica", disse Zolensky.

Em uma entrevista, Larsen descreveu seu método – triagem de contaminantes em um processo de eliminação – como algo que "qualquer um pode fazer". Ele poderia e deveria se tornar parte das aulas escolares, um aspecto da ciência cidadã.

Brownlee, da Universidade de Washington, concordou. Disse que, embora muitas escolas tentem encontrar partículas de poeira cósmica, em programas que visam transformar as aulas de Ciências em algo mais convidativo e acessível, poucas obtêm sucesso. "Pode ajudar muito. Para a educação, é muito legal", disse ele sobre o método de Larsen.

Genge, do Imperial College, afirmou que as técnicas de Larsen, caso sejam amplamente adotadas, podem também ser uma nova lente para o cosmos.

Segundo ele, a força gravitacional dos planetas parece puxar as nuvens de poeira do sistema solar e lentamente muda suas órbitas. Disse também que uma onda de novas descobertas terrestres poderia ajudar os cientistas a melhorar o mapeamento das nuvens, levantando mais questões sobre a estrutura do universo.

"Vejo meu microscópio como um telescópio. Ele pode nos dar uma ideia bem abrangente das coisas."