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Ninguém é dono da Lua, mas há empresas tentando lucrar com ela

Módulo lunar Apollo 12 em 19 de novembro de 1969 - Nasa/The New York Times
Módulo lunar Apollo 12 em 19 de novembro de 1969 Imagem: Nasa/The New York Times

Kenneth Chang

Em Cabo Canaveral (Flórida)

05/12/2017 04h00

Do Complexo de Lançamento 17 aqui na Estação da Força Aérea de Cabo Canaveral são lançadas muitas das missões planetárias robóticas da Nasa --agência espacial norte-americana. Em pouco tempo, as duas torres maciças que apoiaram os foguetes Delta 2 serão derrubadas. Um novo inquilino --a Moon Express, uma pequena empresa com grandes ambições-- está chegando.

No ano que vem, a empresa, com apenas 30 funcionários, pretende ser a primeira entidade privada a pousar uma pequena aeronave robótica na Lua e talvez ganhe US$ 20 milhões (cerca de R$ 64 milhões) no concurso Google Lunar X Prize. E estão investindo pelo menos US$ 1,85 milhão (R$ 6,01 milhões) para reformar os edifícios de décadas de idade daqui. A empresa está transformando um estacionamento em uma miniatura da paisagem lunar, e também irá criar um laboratório de engenharia, uma sala de operações de missão e um estande de teste para ligar motores espaciais.

A Moon Express não precisaria de todas essas instalações se seu único objetivo fosse ganhar o Prêmio Lunar X.

Sua segunda nave espacial pretende pousar perto do polo sul da Lua em 2019. Em 2020, uma terceira nave espacial maior deve coletar amostras e trazê-las de volta à Terra, o primeiro transporte de rochas lunares desde o retorno de uma sonda robótica soviética em 1976.

Mas esses planos quase foram destruídos há alguns anos --não por desafios tecnológicos ou déficits financeiros, mas por causa de um acordo internacional conhecido como Tratado do Espaço Exterior, que está marcando seu 50º aniversário neste ano.

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Robert Richards, co-fundador e executivo-chefe da Moon Express
Imagem: Sarah Beth Glicksteen / The New York Times
O tratado especifica o que os países têm, ou não, permissão para fazer no espaço. Sua grande conquista foi evitar que a corrida de armamento nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética se expandisse para o espaço.

Mas o acordo agora pode estar entrando no caminho dos empresários com planos de avançar mais e mais rápido no espaço do que agências nacionais como a Nasa.

"Antes era algo bastante hipotético", disse Fabio Tronchetti, professor de direito no Instituto de Tecnologia Harbin na China. "Mas agora há grupos realmente sérios. E isso muda tudo."

Robert D. Richards, o chefe executivo da Moon Express --cujo plano de negócios é "expandir a esfera econômica da Terra para a lua e além"-- está longe de ser o único empreendedor à procurar oportunidades de negócios além do nosso planeta.

Elon Musk, fundador multimilionário da SpaceX, proclama corajosamente que sua empresa começará a enviar colonos para Marte em uma década. Jeffrey Bezos, fundador da Amazon, está usando parte de sua fortuna para financiar sua empresa de foguete Blue Origin, e prevê que milhões de pessoas viverão e trabalharão no espaço.

À medida que essas empresas chegam aonde nenhuma outra empresa chegou, levantam questões abordadas apenas pelo Tratado do Espaço Exterior: o que as empresas privadas podem fazer no espaço? Uma empresa pode perfurar uma mina na lua ou asteroide e depois vender o que tirou? Como os países irão regulá-las?

Internacionalmente, há discussões sobre como responder a essas perguntas. Nos Estados Unidos, o Congresso começou a abordar questões de regulamentação. Alguns alertam que, se os EUA não estabelecerem políticas favoráveis às empresas, as startups poderiam se mudar para outros lugares --incluindo alguns aparentemente improváveis, como Luxemburgo.

Uma solução rápida antes do lançamento 

O Tratado do Espaço Exterior --oficialmente Tratado sobre os Princípios Que Regem as Atividades dos Estados na Exploração e Utilização do Espaço Exterior, Incluindo a Lua e Outros Corpos Celestes-- declara que "a Lua e outros corpos celestes serão utilizados por todos os Estados Partes no tratado exclusivamente para fins pacíficos".

O tratado também proibiu as nações de fazer qualquer reivindicação de soberania sobre qualquer parte do resto do sistema solar.

A Moon Express encontrou uma parede burocrática porque o tratado declara que atividades de entidades não governamentais --classificação que inclui empresas comerciais-- "requer autorização e supervisão contínua" do governo. (Os Estados Unidos insistiram na cláusula, rejeitando a visão soviética de que a exploração espacial deveria ser limitada aos governos).

"Tínhamos uma missão planejada, envolvemos investidores, mas não tínhamos um caminho a seguir no final de 2015. Não havia ninguém que não quisesse dizer sim. Só que não havia mecanismo para fazê-lo", afirmou Richards durante uma audiência do comitê do Senado em maio.

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Em uma imagem sem data, a renderização do veículo de retorno da Lua Express MX-9 que sai da superfície do astro com amostras de rocha e solo
Imagem: Moon Express/The New York Times
A Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês) autoriza lançamentos de foguetes e reentrada de naves espaciais comerciais em órbita para garantir a segurança das pessoas no solo. A Comissão Federal de Comunicações regula os satélites de comunicações e o Departamento de Comércio regula os satélites comerciais de sensoriamento remoto. 

Mas os Estados Unidos ainda não têm um processo padrão para autorizar ou supervisionar novos empreendimentos como uma empresa privada que chegue à lua.

A Moon Express passou cerca de um ano trabalhando com a FAA, o Departamento de Estado e outras agências para avaliar o que Richards chamou de "curativo temporário", usando a autoridade da FAA para analisar a carga do foguete e obter a aprovação que a Moon Express estava precisando.

Entretanto, ao anunciar a decisão, a FAA disse que a aprovação foi dada apenas a esse lançamento da Moon Express e que nem mesmo a empresa poderia dar como certos resultados favoráveis no futuro.

A Moon Express iniciou discussões com a FAA para a segunda viagem ao polo sul lunar, e Richards está confiante de que a empresa conseguirá decolar seus três primeiros voos através do regulamento atual.

Mas, se o Congresso e o presidente não encontrarem uma solução melhor, Moon Express, SpaceX, Blue Origin e o resto da indústria emergente podem encontrar mais obstáculos burocráticos, e as empresas podem começar a procurar outros lugares para fazer acordos.

Richards disse que ficou otimista.

"Cada empresa está avançando assumindo algum risco, mas presumindo que o governo dos EUA crie estruturas para permitir que o avanço aconteça", disse Richards em outubro, durante uma visita na sede da companhia da Flórida.

Suavizando o caminho para as rochas do espaço 
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Harrison Schmitt trabalha ao lado de uma rocha lunar durante a missão Apollo 17, em 13 de dezembro de 1972
Imagem: Nasa/The New York Times

Outra starup espacial é a Planetary Resources, uma pequena empresa localizada em um aglomerado de escritórios nada especial nos arredores de Seattle. Seus primeiros investidores incluíram Larry Page, cofundador do Google, e Charles Simonyi, um ex-chefe de arquitetura de software da Microsoft. A empresa também está aproveitando um investimento do Grão-Ducado do Luxemburgo.

O objetivo da Planetary Resources é minar os asteroides do sistema solar. Luxemburgo, uma nação menor que o Rhode Island com uma longa história na mineração, investiu 200 milhões de euros – mais de US$ 225 milhões (R$ 731 mi) --neste setor que não existe. Isso inclui US$ 28 milhões (R$ 90 mi) investidos na Planetary Resources. Em contrapartida, o país possui uma participação de 10% da empresa, disse Etienne Schneider, vice-primeiro-ministro do país.

Em abril, o príncipe herdeiro de Luxemburgo, sua mulher e funcionários do governo fizeram uma visita à Planetary Resources, colocando vestidos brancos, luvas, capacetes finos e botas azul-bebê --uma roupa muito distinta de um traje real, às vezes chamada de "terno de coelho"-- para olhar de perto o local onde a empresa está montando pequenos satélites.

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A missão Apollo 17 pronta para ser lançada em 1972
Imagem: Nasa/The New York Times
Em junho, Schneider retornou aos Estados Unidos como anfitrião de um simpósio com uma sala de banqueiros e capitalistas de risco, uma demonstração nítida de que o investimento privado no espaço atingiu um ponto de credibilidade.

Um relatório da Goldman Sachs sobre empresas espaciais inovadoras que surgiram na primavera parece concordar. "A mineração espacial pode ser mais realista do que é percebida atualmente", afirmou o relatório. "Embora a barreira psicológica à mineração de asteroides seja alta, as barreiras financeiras e tecnológicas reais são muito menores."

Na apresentação em Manhattan, Schneider reconheceu que a noção de mineração de asteroides parece uma ficção científica e que, muitas vezes, ele recebe perguntas sobre o porquê Luxemburgo está gastando dinheiro nisso.

Schneider lembrou que durante uma visita ao Vale do Silício em 2012, conheceu S. Pete Worden, então diretor do Centro de Pesquisa Ames da Nasa em Mountain View, na Califórnia, que sugeriu que Luxemburgo olhasse para a mineração de asteroides.

"Na hora, eu o ouvi e me perguntei o que esse cara poderia ter fumado", disse Schneider.

Mas mais conversas e pesquisas convenceram Schneider de que a possibilidade era promissora.

Para a Planetary Resources, a primeira onda de desenvolvimento culminará em uma nave espacial de forma de donut que encabeçará a uma missão de prospecção a um asteroide próximo da Terra em 2020.

Depois de algum tempo, a empresa espera começar a mineração de verdade – buscando gelo de águas aparentemente terrestres. Mas a água, além de potencialmente fornecer algo para beber para os astronautas, pode ser dividida em hidrogênio e oxigênio. Ambos podem ser usados como propulsor de foguetes; o oxigênio, é claro, também pode fornecer ar para respirar.

Do ponto de vista de um negócio, a Planetary Resources está apostando que, no momento em que extraia água de um asteroide, haverá um cliente como a Nasa interessada em comprar água, hidrogênio e oxigênio.

Eventualmente, a empresa pretende extrair platina, que atualmente vale mais de US$ 900 por 30 gramas e outros metais preciosos.

Para tornar essas atividades mais fáceis, Luxemburgo aprovou uma lei espacial que entrou em vigor neste verão. A Planetary Resources criou o seu escritório europeu lá. Movimentos como esse estão, em parte, motivando os formuladores de políticas nos Estados Unidos a dedicar mais atenção às leis dos país que regem as atividades espaciais comerciais.

Revisando a lei do espaço 
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Harrison Schmitt trabalha durante a missão Apollo 17, em 12 de dezembro de 1972
Imagem: Nasa/The New York Times

As ambiguidades no Tratado do Espaço Exterior atualmente criam incertezas sobre se alguém pode lucrar com tais empreendimentos comerciais. O artigo 2, em particular, afirma: "O espaço exterior, incluindo a lua e outros corpos celestes, não está sujeito à apropriação nacional por reivindicação de soberania, por meio de uso ou ocupação, ou por qualquer outro meio".

Se os EUA estão proibidos de se apropriar de um corpo celestial, uma empresa privada pode se apropriar de um mineral extraído de um corpo celestial? O Tratado da Lua, finalizado em 1979, declarou que todos os recursos do espaço deveriam ser compartilhados entre todas as nações, mas a maioria dos países, inclusive os Estados Unidos, nunca o assinou ou ratificou.

Há dois anos, o Congresso aprovou e o presidente Barack Obama assinou uma lei que diz que as empresas privadas podem possuir e vender o que extraem, embora, respeitando o que diz o Tratado do Espaço Exterior, as empresas não podem reivindicar a propriedade do próprio corpo celestial.

Este ano, o Congresso está novamente revendo o Tratado do Espaço Exterior, com a esperança de impulsionar empresas espaciais que estão nascendo que buscam explorar o sistema solar.

Os republicanos no Congresso disseram que querem que os novos empreendimentos espaciais prosperem em "inovação sem permissão", semelhante ao ethos que alimentou novas empresas na internet. Nesta primavera, o comitê de ciência do Congresso colocou essas ideias em um projeto de lei que foi enviado para a Congresso e Senado.

Isso colocaria o poder regulatório nas mãos de um Escritório de Comércio Espacial, que teria 60 dias para decidir se deve aprovar ou negar o pedido de uma empresa. O Congresso ainda não aceitou o projeto de lei, e o Senado ainda está trabalhando em sua versão.

Funcionários da Moon Express e da Planetary Resources dizem que não querem liberdade irrestrita no espaço nem buscam derrubar o Tratado do Espaço Exterior.

"Nosso objetivo é ter um ambiente espacial que seja ocupado por pessoas agindo de forma responsável", disse Peter Marquez, vice-presidente de engajamento global da Planetary Resources. "Se não houver adultos na sala, isso me preocupa. Se se tornar um velho oeste onde cada um faz o que quer, então esse tipo de corrida vai contra os conceitos e preceitos do Tratado do Espaço Exterior."

Essas empresas querem que os regulamentos sejam "flexíveis" e esperam que a inclinação padrão do governo dos Estados Unidos seja dizer sim.

Uma vez que o preço do transporte diminua, mais oportunidades de negócios se abrirão, disse Richards.

A lua, salpicada com os impactos dos asteroides ao longo da eternidade, também deve ter torrões de platina e outros metais preciosos. O Helium-3, incorporado na crosta lunar pelo vento solar, poderia ser combustível para futuras usinas de fusão.

A família de naves espaciais da Moon Express poderia ser uma benção para os cientistas, enviando sondas de baixo custo não apenas para a lua, mas para outros planetas.

Sua segunda nave espacial deve transportar um telescópio experimental do tamanho de uma caixa de sapatos para a Associação Internacional de Observação Lunar. Alguns locais perto do polo sul lunar, que oferecem uma visão contínua do universo, podem ser ideais para um observatório astronômico.

Locais de sol eterno na lua poderiam ser recursos limitados e valiosos, e que as nações e as empresas algum dia irão disputar.

Richards comparou esse momento que ele vê chegando à Corrida do Ouro da Califórnia do século 21, quando os escavadores de ouro competiram pelos lugares mais lucrativos para peneirar o minério. Mas ele estava confiante de que os novos concorrentes fariam acordos.

"Eu não acho que haverá participantes ruins per se, mas pode haver discussões sobre as áreas de operação se sobrepõem", disse ele. "Mas esses são problemas para o futuro, e isso será um ótimo problema para se ter."