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De quantas estações espaciais este planeta precisa?

A estação espacial de Mir - Nasa/NYT
A estação espacial de Mir Imagem: Nasa/NYT

Do The New York Times

Em Las Vegas (EUA)

31/10/2018 04h01

Em uma extremidade da fábrica da Bigelow Aerospace fica uma maquete de uma casa gigantesca para futuros astronautas. Com um design único – que poderia ser embalada em um foguete e, em seguida, desembrulhada no espaço – ela comporta confortavelmente doze pessoas; ou pode servir como um bloco de construção para uma base lunar.

"Vai ser uma espaçonave monstruosa para o padrão atual", disse em uma coletiva de imprensa em fevereiro Robert T. Bigelow, o fundador da empresa.

Ela é Olympus, batizada em homenagem à morada mitológica dos deuses gregos e uma demonstração das ambições de Bigelow para a construção de assentamentos no espaço.

Um modelo da estação espacial Olympus em Bigelow Aerospace, em Las Vegas - Joe Buglewicz/NYT - Joe Buglewicz/NYT
Um modelo da estação espacial Olympus em Bigelow Aerospace, em Las Vegas
Imagem: Joe Buglewicz/NYT

Em um nível abaixo do chão da fábrica está uma estrutura longa e fina de metal. Ela é um protótipo da espinha de um módulo B330 mais modesto, que a empresa realmente planeja construir. Em uma escala menor, se comparada à Olympus, ainda seria muito menos apertada do que as latas de metal que compõem a Estação Espacial Internacional.

Bigelow diz que está empenhado em ter duas B330s prontas para lançamento em 2021, uma etapa que pode ser um prenúncio da mudança de meio século de exploração espacial humana pelo monopólio de agências governamentais, como a NASA, para um modelo capitalista, “livre para todos”. A administração de Trump quer acelerar essa transição e chegar ao fim do financiamento federal direto de estações espaciais depois de 2024.

"Nós também queremos inúmeros fornecedores que possam competir em custo e inovação. Gostaríamos de ver a NASA se tornar uma das agências do ramo dentre tantas outras", disse na semana passada Jim Bridenstine, o administrador da NASA.

Se as estações comerciais tiverem operações mais baratas, a NASA terá mais dinheiro para se dedicar a outros objetivos, como enviar astronautas para a Lua e para Marte, disse Bridenstine.

Mas apostar centenas de milhões de dólares em negócios que ainda não existem poderia ser uma maneira rápida de perder uma fortuna. E a viagem espacial continua sendo uma ocupação perigosa, que pode matar seus viajantes.

Bigelow, que fez sua fortuna ao fundar a Budget Suites of America, admitiu no início deste ano que não tem certeza se será capaz de encontrar clientes para sua B330s.

Se não houver mercado, "então faremos uma pausa. Se o negócio simplesmente não existisse, os funcionários estariam sentados no chão à espera do desemprego", disse.

Home Office em órbita

Hoje, a Estação Espacial Internacional é o único lugar onde as pessoas – não mais de seis por vez – vivem longe da terra. É uma proeza tecnológica e a coisa mais cara que a humanidade já construiu. As 15 nações envolvidas, lideradas pelos Estados Unidos e pela Rússia, gastaram bem mais de US$ 100 bilhões ao longo de mais de duas décadas. Os Estados Unidos gastam entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões a cada ano.

Continuamente ocupada por quase 18 anos, a estação serve como teste para estudar os efeitos em longo prazo da radiação e da falta de gravidade sobre os astronautas. A NASA se especializou na manutenção da estação, em grande parte eliminando avarias como banheiros entupidos, sistemas de resfriamento travados e falhas computacionais.

Talvez o fato mais notável é que a vida na Estação Espacial Internacional tornou-se normal: é um home office, mesmo estando a mais de 320 quilômetros acima da Terra e viajando a 27 mil km/h, onde os astronautas trabalham, comem, dormem, se exercitam, fazem experiências, executam tarefas.

Apenas ocasionalmente a tripulação realiza atividades, como uma caminhada espacial, que realmente parece algo que não é deste mundo.

A possibilidade de aposentar a Estação Espacial Internacional, parte do pedido de orçamento da administração, assustou a muitos. Falta alguns anos para empresas como a Bigelow lançarem estações espaciais, e estes projetos caros e paradigmáticos normalmente escorregam no cronograma.

Os críticos se preocupam que a Estação Espacial Internacional possa ser descartada antes que suas sucessoras estejam prontas. Um espaço de tempo sem estações espaciais perturbaria os estudos da NASA, bem como empreendimentos comerciais emergentes. As novas companhias de estações espaciais poderiam parar se os clientes que são esperados demorarem a aparecer.

Algumas empresas já estão pagando para realizar experimentos modestos na estação espacial, mas são fortemente subsidiadas pelo governo. A NASA, por exemplo, atualmente arrecada o custo de envio e retorno de experimentos espaciais.

O astronauta Valeri Polyakov a bordo da estação espacial de Mir - NASA/NYT - NASA/NYT
O astronauta Valeri Polyakov a bordo da estação espacial de Mir
Imagem: NASA/NYT

O fracasso de um foguete russo Soyuz este mês, que levava dois astronautas para a estação espacial, ilustra como os empreendimentos espaciais podem ser minados por eventos fora de seu controle, tornando os investimentos de longo prazo de tais empresas arriscados.

Os astronautas foram levados para um lugar seguro, mas agora a estação espacial está com falta de pessoal e muitos experimentos talvez precisem ser negligenciados. Se os russos não resolverem rapidamente o problema, a estação pode ficar sem astronautas a partir de janeiro.

O lixo espacial de hoje é o habitat do espaço de amanhã

Há quase duas décadas, existiu uma estação espacial comercial por um breve período de tempo. Era russa e um americano chamado Jeffrey Manber a operava. Talvez pudesse ter sido bem-sucedida, mas a NASA a matou.

"Se você queria trabalhar com os capitalistas no espaço na década de 1990, você trabalhava com os russos. Se você queria trabalhar com os socialistas, você trabalhava para a NASA", disse Manber.

Após o fim da União Soviética, o programa espacial russo foi pego pela necessidade de dinheiro, o que deu disposição para considerar ideias que poderiam ter soado como malucas para um país que deixava de ser comunista. A Mir, a estação espacial russa, foi vista como tosca e datada, prestes a ser substituída pela melhor e maior Estação Espacial Internacional.

Mas Manber e outros empresários nos Estados Unidos viram a Mir, condenada à destruição, mais como uma casa em ruínas à venda. A Energia, fabricante da Mir, concordou em fazer parceria com os americanos para criar a MirCorp, uma empresa comercial que arrendou a estação do governo russo.

O passo inicial da Energia foi a utilização da estação de pesquisa especialmente para produtos farmacêuticos. Manber sabia que a possibilidade era uma das melhores em anos.

"Rapidamente, fui para o lado do mercado que existia, que era entretenimento e mídia, e podíamos fazer isso, porque estávamos no controle".

A MirCorp conseguiu o primeiro turista espacial, Dennis Tito, que iria para a Mir. Ele vendeu a ideia de um reality show para a NBC. Mark Burnett, o produtor que criou "Survivor", "O Aprendiz" e "Shark Tank", foi escolhido para realizá-lo. (Tito foi de fato o primeiro turista espacial, em 2001, mas acabou indo para a Estação Espacial Internacional.)

Mas os russos se renderam à insistência da NASA em encerrar Mir, que foi retirada de órbita e caiu no Pacífico em 2001.

Hoje, Manber esculpiu um nicho de sucesso no ecossistema da estação espacial como chefe executivo da NanoRacks, uma pequena startup com sede em Houston. A NanoRacks simplificou o processo de envio de experimentos para a estação espacial e também lança pequenos satélites conhecidos como CubeSats da estação.

Jeffrey Manber, chefe da NanoRacks em Washington - Alex Wroblewski/NYT - Alex Wroblewski/NYT
Jeffrey Manber, chefe da NanoRacks em Washington
Imagem: Alex Wroblewski/NYT

Há dois anos, Manber pediu aos seus engenheiros que investigassem uma ideia peculiar que a NASA tinha descartado anteriormente: as partes dos foguetes deixados em órbita depois do lançamento poderiam ser convertidas em uma estação espacial de baixo custo?

Com os avanços na robótica, as perspectivas de fazer isso pareciam mais promissoras.

A Nanoracks, em colaboração com a United Launch Alliance, uma fusão entre a Boeing e a Lockheed Martin, ganhou um contrato da NASA para explorar a ideia, concentrando-se na segunda etapa do foguete Atlas 5 da ULA.

A ideia é adicionar um pequeno módulo robótico entre o segundo estágio, conhecido como Centaur, e o satélite.

Tipicamente, quando o Centaur lança o satélite para a órbita desejada, ele é queimado na atmosfera. Com o plano da NanoRacks, uma vez que o Centaur realize sua missão principal, a peça robótica corta buracos, sela compartimentos e converte os tanques de combustível em alojamentos vivos.

Eles chamaram o conceito de um foguete estágio-habitat Ixion, em homenagem ao avô dos Centaurs.

Com um pouco mais de pesquisa da mitologia grega, perceberam que não era o melhor nome. Ixion era um personagem desagradável – assassinou seu sogro e mais tarde tentou seduzir a esposa de Zeus.

Agora, o conceito é chamado de NanoRacks Space Outpost Program e a empresa espera anexar um dos postos para a Estação Espacial Internacional.

A NanoRacks enxerga o turismo espacial de novo como um mercado precoce. Manber acha que a NASA e os entusiastas do espaço costumam ter uma visão muito estreita do que as empresas podem desenvolver.

"Eu gostaria de organizar os primeiros casamentos no espaço. Acho que as estações espaciais são extraordinariamente interessantes e não acho que tenham sido exploradas", disse ele.

Para Manber, a chave é a flexibilidade.

"O mercado vai nos dizer qual o mercado. Então vamos com ele. Estamos surfando", finalizou.

Inúmeras razões para privatizar

O terceiro grande participante na corrida da estação espacial privada é a Axiom Space, também sediada em Houston. É liderada por Michael T. Suffredini, que coordenou a parte que cabia à NASA da Estação Espacial Internacional até sua aposentadoria, em 2015.

Suffredini disse que uma estação Axiom com tecnologias modernas custaria cerca de US$ 50 milhões por ano para ser operada, uma pequena fração dos custos da Estação Espacial Internacional.

"Há inúmeras razões para fazermos isso. Tivemos muito trabalho para validar esse número, que é chocante para nós, também", disse Suffredini.

Custos mais baixos abrem a possibilidade de lucro. "Acho que é um mercado de mais de US$ 1 bilhão", disse ele.

Suffredini não descreveu em detalhes todos os mercados possíveis que prevê, mas o negócio incluiria o envio dos ricos em viagens turísticas – Philippe Starck, o designer francês, está projetando o interior do módulo Axiom – e a oferta de espaço para fábricas para quem quiser produzir materiais que podem ser feitos somente no espaço.

"Estou absolutamente certo de que podemos realizar nosso plano de negócios", disse Suffredini.

Ele acha que tem uma vantagem significativa sobre as outras empresas: realmente operou uma estação espacial e manteve as pessoas vivas no espaço.

Enquanto Axiom, Bigelow e NanoRacks visam um dia substituir a Estação Espacial Internacional, em um curto prazo, as três empresas esperam se tornar uma parte maior da estação atual.

Bigelow atualmente tem um modesto puxadinho encaixado na estação espacial que serve como um armário e demonstra que a tecnologia funciona. A NASA está se preparando para lançar uma competição no início do próximo ano para um módulo comercial maior no porto de encaixe. Bigelow irá sugerir a adição de um B330. A NanoRacks quer um de seus Centaurs convertidos.

Um modelo da estação espacial B330 em Bigelow Aerospace, em Las Vegas - Joe Buglewicz/NYT - Joe Buglewicz/NYT
Um modelo da estação espacial B330 em Bigelow Aerospace, em Las Vegas
Imagem: Joe Buglewicz/NYT

E ainda, a NanoRacks está convencendo a NASA a adicionar uma central que acomodaria três módulos comerciais, permitindo que diferentes empresas ofereçam diferentes capacidades para diferentes clientes – hotéis espaciais, fábricas autônomas de fibra ótica, laboratórios para investigação farmacêutica. Com o tempo, poderiam se expandir para várias estações em órbitas diferentes.

"Você não pode bancar e apostar em apenas uma empresa e uma peça de hardware", disse ele.

Mas nem todos estão convencidos de que as contas fecham.

Paul K. Martin, inspetor geral da NASA, este ano emitiu um relatório enfatizando estas preocupações.

"Especificamente, questionamos se existe uma gama suficiente de negócios na qual as empresas privadas poderão desenvolver um negócio autossustentável e lucrativo independentemente do financiamento federal nos próximos seis anos”, disse ele.

O Congresso também se mantém cético – e às vezes até hostil – à ideia de aposentar a estação espacial.

Os líderes das três empresas também apontam para um perigo de concorrência – da NASA e da China. Se a NASA continuar a subsidiar a pesquisa na estação, então as empresas comerciais podem não ser capazes de competir, mesmo se forem mais baratas.

"Como podemos ter certeza de que seja um campo competitivo?", disse Manber.

A China planeja terminar sua própria estação espacial no início dos anos 2020, e autoridades garantiram que ficaria disponível aos pesquisadores ao redor do mundo. A Rússia também falou em reter sua metade da Estação Espacial Internacional se os americanos se retirarem.

Especialistas em política espacial, mesmo aqueles que esperam de forma entusiástica que a NASA tenha uma abordagem mais comercial, hesitam em prever quando será possível mandar pessoas para o espaço de forma economicamente viável para uma empresa privada.

"Há algo faltando para que os negócios comerciais funcionem", disse Charles Miller, ex-funcionário da NASA que agora é presidente da NexGen Space.

Em 2025, Miller espera que haja três estações espaciais em órbita: a Estação Espacial Internacional, a estação chinesa e o início de uma de caráter comercial.

"Ainda teremos debates violentos sobre o futuro da Estação Espacial Internacional", disse ele.