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Amaury Ribeiro Jr

Adélio diz que cogitou filiar-se à direita e protestou contra o mensalão

Adélio Bispo de Oliveira é transferido pela Polícia Federal para prisão. Homem que tentou matar Bolsonaro revela detalhes de sua psique em depoimentos à Polícia Federal e psiquiatras. UOL teve acesso aos documentos - RICARDO MORAES
Adélio Bispo de Oliveira é transferido pela Polícia Federal para prisão. Homem que tentou matar Bolsonaro revela detalhes de sua psique em depoimentos à Polícia Federal e psiquiatras. UOL teve acesso aos documentos Imagem: RICARDO MORAES

12/11/2020 04h02

Embora tenha se declarado, em vários posts no Facebook e em depoimentos prestados à PF (Polícia Federal), como uma ativista de esquerda, Adélio Bispo de Oliveira, o homem que esfaqueou o então candidato à presidência Jair Bolsonaro, afirma que já cogitou aliar-se à direita e que participou de protestos contra o PT.

É o que revelam os cinco depoimentos que ele prestou ao delegado Rodrigo Morais, da PF, e as duas declarações que deu aos psiquiatras forenses no presídio federal de Campo Grande. Os documentos foram obtidos na íntegra pelo UOL.

Um dia após o atentado contra Bolsonaro, em depoimento à PF no dia 7 de setembro de 2018, Adélio disse que a partir de 2005 participou de manifestações em Curitiba contra a corrupção ocorrida durante o governo de Lula. "Principalmente em relação aos fatos conhecidos como 'mensalão'", explicou Adélio à PF.

Ele voltou a citar o episódio ao ser ouvido por psiquiatras em 7 de fevereiro de 2019 no presídio federal de Mato Grosso do Sul. O laudo psiquiátrico forense em questão levou a Justiça a considerar o crime praticado por ele como inimputável (que não pode ser punido em razão de o réu sofrer de doença mental).

Adélio revelou que, ao se juntar aos manifestantes contra o mensalão, "carregava um caixão funerário, pintado de preto que ele mesmo mandou confeccionar, uma vez que não queriam lhe vender". No mesmo depoimento, ele elogiou a postura do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa, relator do caso, no combate à corrupção.

"Tinha o sonho de fazer Justiça, cumprir a ler, mas acabou aposentado", disse Adélio. Após a saída voluntária de Joaquim Barbosa do STF, Adélio disse que tirou um passaporte e pensou em deixar o país. "Vi que tudo era uma farsa e tirei o passaporte."

Candidatura a deputado federal

Adélio afirmou ter procurado em 2014 o diretório do PSD em Uberaba (MG), uma agremiação de direita, em busca de informações para se filiar. Mas a filiação acabou não se concretizando. Ele disse que resolveu procurar o PSD depois de pedir a desfiliação do PSOL da mesma cidade, que, segundo ele, não teria aceitado homologar a sua candidatura a deputado federal.

O laudo psiquiátrico forense encaminhado ao juiz da 3ª Vara Federal Criminal de Campo Grande diz que Adélio é portador de transtornos delirantes permanentes. "A raiz da doença é genética, reforçada por vivências traumáticas na infância", dizem os psiquiatras que assinaram o laudo.

Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, a doença é uma espécie de paranoia acentuada em que o paciente não só cria na sua mente situações irreais, por exemplo, de que está sendo perseguido, como acredita que o fato esteja realmente acontecendo.

Esse tipo de paranoia fica evidente nos depoimentos. Adélio diz, por exemplo, que, após participar das manifestações contra o 'mensalão' do PT, passou a ser perseguido por um grupo de maçons e pelo ex-prefeito de Uberaba Anderson Adauto (PRB), ministro dos Transportes no governo Lula. "Os meus perseguidores grampearam meu telefone e me perseguiram por vários locais", disse Adélio.

Complexo de inferioridade

Os psiquiatras apontam um traço em comum nas manifestações contra o 'mensalão' e na tentativa de assassinato contra Bolsonaro. Nos dois casos, Adélio, órfão e isolado dos irmãos, tenta assumir um ar protagonista, de superioridade, na tentativa de combater um complexo de inferioridade.

Esse transtorno teria começado ainda na infância quando foi obrigado a trabalhar aos oito anos de idade e a presenciar os maus-tratos que o pai, alcoólatra, praticava contra a mãe.

Por essa ótica, teria levado o caixão de preto "para se destacar em meio à multidão". Do mesmo modo, matar Bolsonaro, na visão de Adélio, o transformaria em herói que teria evitado que "as riquezas do Brasil fossem entregues à maçonaria".

Nos depoimentos, Adélio diz ter resolvido matar Bolsonaro ao ouvir a "voz de Deus" que lhe dizia que o candidato seria o "Anticristo". Ele disse ainda que a tentativa de assassinato teve motivação política.

Versões diferentes sobre razão para atacar Bolsonaro

No entanto, as divergências que ele teria com o candidato mudam a cada depoimento prestado. "Me considero um defensor de esquerda moderada, ao passo que Bolsonaro defende ideologia oposta, que defende o extermínio de homossexuais, pobres e índios", disse no depoimento prestado do dia 7 de setembro de 2018 à PF. Ele critica ainda, nesse depoimento, a política de privatização de estatais defendida pelo então candidato do PSL.

Dez dias depois de ser interrogado novamente pelo delegado na Penitenciária Federal de Campo Grande, Adélio disse que as divergências contra Bolsonaro se "devem sobretudo ao discurso racista e antissemita do candidato, que é contra o povo árabe".

Em depoimento aos psiquiatras, Adélio dá outra versão do principal motivo que o teria levado a tentar cometer o crime: o candidato estaria ligado "às maçonarias". A obsessão pela maçonaria é demonstrada frequentemente pelo detento.

O laudo psiquiátrico forense conta com detalhes as alucinações que Adélio passa a ter antes da tentativa de assassinato. "Decidi matá-lo em Juiz de Fora, que é a terra mais infiltrada que conheci de maçons."

Segundo o laudo, em seus delírios Adélio passar ver símbolos da maçonaria em vários prédios e na calçada onde ocorria a passeata do candidato. "Até a calçada de paralelepípedo continha desenhos semelhantes ao Palácio de Pôncio Pilatos (ex-governador da Judeia que não teria impedido os fariseus de matar Jesus Cristo)".

Os peritos forenses acreditam que Adélio nunca aceitou ser enquadrado como doente mental por acreditar que o diagnóstico ajudaria a acabar como a notoriedade que acredita ter conseguido. "Vamos acabar logo com isso e me leva para o presídio de Montes Claros", disse em um dos depoimentos, demonstrando irritação.