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André Santana

Campanha cobra respostas após um ano do derramamento de óleo no litoral

Campanha Mar de Luta destaca a resistência dos pescadores artesanais - Roberta Guimarães/UOL
Campanha Mar de Luta destaca a resistência dos pescadores artesanais Imagem: Roberta Guimarães/UOL

Colunista do UOL

30/08/2020 08h57

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O dia de hoje, quando completa um ano do aparecimento da manchas de óleo no litoral brasileiro, será marcado pelo lançamento da campanha Mar de Luta - Justiça Social aos Povos das Águas Atingidos pelo Petróleo.

Um manifesto será lançado e uma live reunirá movimentos de pescadores artesanais, comunidades tradicionais e ambientalistas. Eles pretendem chamar atenção para a falta de respostas objetivas sobre a tragédia que ocorreu nas praias do Nordeste e Sudeste, com impactos na saúde e na economia dos moradores das localidades atingidas.

"Completando um ano, aguardamos respostas sobre o causador deste derramamento. Até hoje não temos pesquisas que indiquem o nível de comprometimento do pescado e das águas", diz Ormezita Barbosa, secretária-executiva do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP).

A intenção é cobrar dos governos, mas também do Congresso Nacional e da Justiça. "Queremos agilidade nas iniciativas que foram tomadas, como a comissão criada na Câmara dos Deputados e as ações cíveis nos ministérios públicos dos estados do Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe".

Ormezita informa que há uma indicação do Ministério Público Federal (MPF) para unificar e federalizar essas ações cíveis para a responsabilização do governo brasileiro, dada a dimensão do impacto ambiental.

No dia 30 de julho, o MPF protocolou pedido à Justiça Federal para que sejam ouvidas diversas testemunhas no processo judicial que questiona a omissão da União em implementar o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC).

Entre as testemunhas estão integrantes da Marinha do Brasil, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiental e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)

Gesto nobre mas desesperador

Dados da Pastoral dos Pescadores, ainda não consolidados, indicam que mais de 400 mil pessoas foram diretamente atingidas pelo derramamento. "O Ibama apontou que o óleo chegou a mil localidades, mas acreditamos que tenha sido um número ainda maior", defende Ormezita.

Mais de cinco mil toneladas de petróleo foram retiradas nos nove estados do Nordeste, além do Rio de Janeiro e Espirito Santos.

Com a demora de ações por parte do governo, as próprias comunidades atingidas tomaram a iniciativa de realizar a limpeza das praias.

"Consideramos um ato nobre, mas uma ação de desespero de pescadores, tentando proteger seus locais de trabalho e de moradia e se colocando expostos a riscos de saúde", ressalta Ormezita.

A campanha Mar de Luta também pede um processo rigoroso de avaliação e monitoramento das praias, mangues e oceanos atingidos e se opõe à abertura de novos poços de petróleo nos mares e oceanos.

Racismo Ambiental

Para a coordenadora da Colônia de Pescadores de Ilha de Maré, na Bahia, Eliete Paraguassu, o descaso das autoridades com os impactos do derramamento de petróleo escancara uma tragédia ainda maior: o racismo ambiental.

"É o que faz com que as principais vítimas dos crimes ambientais sejam populações negras de pescadores artesanais e comunidades tradicionais, em especial as mulheres".

Eliete Paraguassu, coordenadora da Colônia de Pescadores de Ilha de Maré, na Bahia  - Rita Freire/Arquivo Pessoal - Rita Freire/Arquivo Pessoal
Eliete Paraguassu é coordenadora da Colônia de Pescadores de Ilha de Maré, na Bahia
Imagem: Rita Freire/Arquivo Pessoal

A Ilha de Maré, onde moram cerca de 11 mil habitantes, pertence ao município de Salvador. Na Ilha há seis territórios reconhecidos como remanescentes de quilombo.

"Estamos no fundo da Baía de Todos os Santos, a menos de um quilometro do maior Complexo Industrial da Bahia que é o Porto de Aratu, próximo da Refinaria Landulpho Alves da Petrobras e da ligação com o Polo Petroquímico de Camaçari. Nessa região são lançados no mar e nos manguezais todos os esgotos sanitários e os produtos químicos dessas empresas", denuncia Eliete, que integra a Articulação Nacional de Pescadoras (MPP).

Eliete explica que desde a década de 1960 a comunidade da Ilha de Maré sofre os danos causados por essas industrias na principal atividade econômica dos moradores que é a pesca.

Eliete Paraguassu, da Ilha de Maré, Bahia - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A comunidade de Ilha de Maré, na Bahia, retira seu sustento do mar
Imagem: Arquivo Pessoal

A situação dos pescadores ficou ainda mais crítica com o derramamento ocorrido em 2019. "As manchas de óleo que chegaram até as praias de Salvador atingiram estoques pesqueiros e áreas de manquezais de onde os pescadores tiram seus sustentos".

A pescadora conta que mesmo não se alastrando para próximo da Ilha de Maré, o desastre ambiental gerou um pânico na população em geral que deixou de comprar o pescado.

"Uma quantidade enorme de peixes e mariscos foi rejeitada nas feiras livres, ninguém comprava, causando um imenso prejuízo econômico. Chegamos a solicitar a compra por parte do governo estadual, o que não ocorreu. Tivemos que realizar trocas entre as comunidades para o consumo próprio", explica.

Para Eliete a campanha Mar é Luta expressa a preocupação em saber o que de fato gerou o derramamento de petróleo e como a saúde dos moradores que vivem do mar pode ter sido ainda mais comprometida.

"Queremos a responsabilização dos culpados e a proteção das nossas vidas e do meio ambiente".