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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com homicídios em alta, Bahia tenta criminalizar paredões por violência

Mesmo após proibição de paredões, violência continua a assustar cidades da Bahia. A capital, Salvador, registrou mais um fim de semana violento. - PM da Bahia/Divulgação
Mesmo após proibição de paredões, violência continua a assustar cidades da Bahia. A capital, Salvador, registrou mais um fim de semana violento. Imagem: PM da Bahia/Divulgação

Colunista do UOL

25/10/2021 04h00Atualizada em 25/10/2021 16h30

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Sem conseguir controlar o crescente número de homicídios no estado, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), parece ter encontrado onde colocar a responsabilidade pela violência: os paredões, festas animadas por som automotivo, que ocorrem nas periferias da capital e cidades do interior.

No dia 13 deste mês, ele decidiu proibir a realização de paredões em todo o estado. O anúncio ocorreu após um tiroteio que resultou em seis mortes e 18 feridos durante uma festa de rua no bairro do Uruguai, em Salvador.

A justificativa do governo é a violência, o uso de armas e o tráfico de drogas, que seriam facilitados nessas aglomerações, além dos incômodos causados pelas festas nas comunidades por conta do excesso de pessoas, ruas fechadas e som nas alturas durante a madrugada dos finais de semana.

Após a publicação da coluna, o governo da Bahia negou que tenha proibido a realização de paredões. "As festas são possíveis, desde que autorizadas previamente pelas prefeituras de cada cidade e comunicadas previamente à Polícia Militar, para que o policiamento ocorra de forma planejada, garantindo a segurança de todos", disse o governo, por meio de nota.

Em dezembro, o UOL publicou um vídeo de um morador de Salvador registrando aglomeração em um paredão, que descumpria medidas de restrição na pandemia.

O nome faz referência às paredes formadas por caixas de som muito difundidas pela cultura sound system jamaicana, que se espalhou por várias partes do mundo. Na Bahia, as festas reúnem multidões, especialmente de jovens, que dançam ao som do pagodão e outros ritmos como o arrocha e o reggae.

Festas continuam atraindo jovens

A Polícia Militar e as prefeituras estão tendo muito trabalho para coibir as festas, que continuam sendo promovidas. Circulou inclusive nas redes sociais um vídeo em que jovens em um paredão mandam uma mensagem desafiadora ao governador.

O certo é que, com o aumento do desemprego e da miséria, o governo da Bahia tem pouco ou nada a oferecer às comunidades pobres, além da ação truculenta e repressora das forças de segurança, marcando a rara presença do poder público nos bairros pobres.

Não há o mínimo interesse das autoridades em entender a dinâmica dessas festas que funcionam muitas vezes como única oportunidade de diversão da juventude que reside em bairros sem opções de lazer ou equipamentos culturais. Nem mesmo as escolas públicas estaduais têm funcionado plenamente na Bahia desde o início da pandemia.

Há quem defenda os paredões pela movimentação da economia local, proporcionada pela contração dos equipamentos de som e da venda de comidas e bebidas —em uma situação de informalidade reinante, faz diferença para quem precisa garantir um sustento mínimo.

Não se pode aceitar aglomerações descontroladas que tirem a paz de moradores e proporcionem oportunidade para que se cometam ilícitos. Mas é possível acreditar em uma ação de fiscalização e ordenamento promovido pelo poder público em diálogo com os realizadores desses eventos.

Bahia tem 2ª maior taxa de mortes violentas

Por outro lado, o discurso de que a proibição dos paredões busca levar segurança a moradores não encontra respaldo quando o governo não consegue impedir que essas mesmas comunidades vivam em permanente estado de tensão, com disputas de facções criminosas e operações policiais que, sem inteligência, muitas vezes resultam em vítimas inocentes.

Deveria ser motivo de preocupação do governo os assassinatos que ocorrem bem longe das caixas de som dos paredões. Nos seis primeiros meses do ano, foram registradas 2.931 mortes violentas na Bahia, um aumento de 7% em relação ao mesmo período de 2020.

No ano passado, o estado teve a segunda maior taxa de mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes do Brasil (44,9), de acordo com o 15º e mais recente anuário do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

Neste último sábado (23), seis pessoas foram baleadas em um bar no bairro de Fazenda Grande do Retiro, em Salvador. Ainda não há informações sobre o estado de saúde das vítimas, nem sobre a motivação e autoria dos disparos.

Também esta semana, um ataque armado deixou duas pessoas mortas e outras nove baleadas depois de horas de desespero no bairro de Capelinha de São Caetano, em Salvador. O clima de terror aconteceu na terça-feira (19), por volta das 19h, horário em que moradores retornavam do trabalho e crianças ainda brincavam nas ruas.

Um jovem de 24 anos, que seria o alvo dos disparos, morreu ainda no local. Na noite de sábado (23), uma jovem de 19 anos, baleada durante o ataque, não resistiu e morreu.

BA não oferece segurança às comunidades

Apesar de muitos criticarem os excessos dos paredões nos finais de semana, quem mora na periferia de cidades como Salvador, convive com a insegurança diariamente, seja pela ação dos criminosos, seja na entrada de viaturas e policiais em busca de suspeitos.

A comunidade fica sob fogo cruzado.

Conforme noticiou UOL, na última quarta-feira (20), uma operação da PM (Polícia Militar) da Bahia na região do Calafate, no bairro San Martin em Salvador, resultou em duas pessoas mortas.

Imagens gravadas por um morador mostram que PM atira pelas costas e mata homem que já estava rendido e com as mãos para cima. A polícia alegou ter sido alvo de disparos por um grupo de criminosos.

Em junho, duas mulheres morreram após serem baleadas na porta de casa no bairro do Curuzu, em Salvador. Os vizinhos e familiares denunciaram que os tiros foram disparados por policiais militares durante perseguição a um suspeito de roubo de carro.

A violência desmedida das operações polícias nas periferias, justificada pela desastrosa "guerra às drogas", tem gerado um estado permanente de insegurança e de total descrédito do poder público junto aos moradores.

Proibir paredões é parte de uma ineficaz política de segurança pública que, criminalizando as manifestações culturais da periferia e mantendo-se alheia às dinâmicas comunitárias, não consegue entender as reais necessidades para proporcionar condições de bem-estar e cidadania aos moradores.