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Coronavac: vacina do governo Doria vai acabar salvando o governo Bolsonaro

                                 Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello: o especialista em logística agora tem pressa e quer pegar armas no paiol do inimigo                               -                                 ANDERSON RIEDEL/PR
Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello: o especialista em logística agora tem pressa e quer pegar armas no paiol do inimigo Imagem: ANDERSON RIEDEL/PR

Colunista do UOL

08/01/2021 13h48

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Nas voltas que a vida dá, "a vacina chinesa do Doria" vai acabar sendo a salvação da lavoura do governo Jair Bolsonaro, à beira de um colapso sanitário sem precedentes, com mais de 200 mil mortos e, até a semana passada, sem nenhum plano para enfrentar a pandemia.

De um dia para outro, mudou tudo: agora, em vez de boicotar a aprovação da rejeitada Coronavac na Anvisa, Bolsonaro mudou de tática e mandou seu rotundo general da Saúde, que andava sumido desde o ano passado, ir à televisão para dar um esporro na imprensa e anunciar ao vivo a compra de todas as vacinas produzidas pelo Instituto Butantan, aquele antro de comunistas.

Queriam também "requisitar" todas as seringas e agulhas compradas pelo governo paulista, mas levaram um chega para lá do ministro Ricardo Lewandowski, do STF.

Num breve despacho na manhã desta sexta-feira, o ministro deferiu medida cautelar impedindo o sequestro, em que resume o enredo da "guerra das vacinas", que deixou Bolsonaro & Pazuello de calças na mão:

A incúria do Governo Federal não pode penalizar a diligência da Administração do Estado de São Paulo, a qual vem se preparando, de longa data, com o devido zelo para enfrentar a atual crise sanitária.

Com a água batendo no pescoço, a dupla de militares trapalhões, em que o general obedece cegamente ao capitão, agora corre atrás da vacina do Butantan, para a qual não contribuiu com nenhum centavo e nenhuma ideia.

Vai chegando a conta, após muita bravata

O resultado dessa incúria e irresponsabilidade federal, ao fazer campanha contra a vacinação, Bolsonaro encontrou hoje de manhã logo ao chegar ao Palácio do Planalto, onde uma enorme faixa de protesto tomava toda a entrada do prédio:

"200 mil mortes — a culpa é sua".

Ainda em novembro, como lembra Bruno Boghossian em sua coluna na Folha, Bolsonaro escreveu nas redes sociais que o imunizante desenvolvido em São Paulo produz "morte, invalidez, anomalia". Para completar, festejou a morte de um voluntário e atribuiu o óbito à vacina. Foi-se ver, era mais uma mentira.

Um mês antes, o presidente havia humilhado seu ministro ao mandá-lo cancelar a compra de 43 milhões de doses do Butantan, garantindo a um seguidor que não queria saber dessa vacina, "nem que ela seja aprovada pela Anvisa". E avisou para o general: "Quem manda aqui sou eu". Esse é o problema.

Correndo atrás do prejuízo

Em sua fala irada na quinta-feira, quando tentou ensinar jornalismo aos jornalistas, Pazuelllo agora queria tratar da vacinação "sem política nem ideologia", mas foi o seu chefe quem vetou a Coronavac por ter sido desenvolvida pelo Instituto Butantan do governo paulista em parceria com o laboratório Sinovac, da China.

São uns pândegos. Até a véspera, Bolsonaro só falava dos riscos da Coronavac, sem apresentar provas, como de costume, gerando insegurança na população.

Cada dia falam uma coisa diferente e depois querem que os jornalistas não interpretem os fatos e apenas divulguem as informações oficiais da tropa instalada no quartel do Ministério da Saúde. Em surto, falando aos trancos, como se estivesse lendo uma ordem do dia, Pazuello foi chutando números. Milhões e milhões de vacinas e seringas foram brotando no seu discurso

Ao se dar conta de que o inimigo João Doria vai mesmo iniciar a vacinação em São Paulo no dia 25, agora eles correm atrás do prejuízo tentando importar às pressas meia dúzia de vacinas, qualquer uma, até da Índia, com ou sem aprovação da Anvisa, para sair na frente e poder posar para a posteridade.

Pazuello em modo desespero

Ameaçado de ser ejetado do cargo pelos outros militares do governo bolsonarista, que estão passando vergonha, Pazuello até já montou uma operação de guerra com aviões comerciais e da Força Aérea para que os imunizantes cheguem em 24 horas a todas as capitais.

Só lhe interessa agora uma coisa: permitir que Bolsonaro vacine alguém antes que João Doria o faça. Sua permanência no cargo depende disso.

O detalhe é que, até o momento em que escrevo, o general ainda não tinha vacinas, nem seringas e agulhas para embarcar nos aviões.

Não deixa de ser uma ironia que o grande especialista em logística, já no modo desespero, agora queira buscar armas no paiol do inimigo, mas foi barrado pela Justiça.

Bom final de semana.

Vida que segue.