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Chico Alves

Raul Velloso: R$ 600 por 3 meses é pouco, deveria ser R$ 1.000 por um ano

Colunista do UOL

31/03/2020 04h00

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O economista Raul Velloso, um dos maiores especialistas em contas públicas do país, não tem dúvida em apontar a receita para o governo ajudar trabalhadores e empresários a superar a crise da pandemia do coronavírus: abrir os cofres. "Para mim, a máxima é: não pode faltar dinheiro, porque todo mundo está atônito", diz ele, em entrevista à coluna.

Coerente com essa linha de raciocínio, Velloso achou tímida a ajuda aprovada no Congresso, com o apoio do governo, para pagamento de R$ 600 aos trabalhadores informais por três meses. "Eu tinha imaginado R$ 1 mil. Já que é para fazer, faz algo que se saiba com mais segurança que vai servir para manter aquelas pessoas com o mínimo de liquidez no bolso", defende o economista. Na opinião dele, o prazo também deveria ser estendido para um ano.

Diz que o governo tem recursos suficientes para essa e muitas outras providências. "Pode emitir moeda e jogar, jogar, jogar... e nada vai acontecer de ruim. Pelo contrário. Vai permitir que o tamanho do problema não seja tão grande quanto poderia ser", acredita.

A briga do governo federal com os estados, que estão em situação crítica, é considerada por ele um absurdo. Velloso diz que a União não pode ficar prendendo dinheiro nessa hora. Deve fazer o contrário: "Tem que soltar o mais rápido possível."

UOL - O sr. acha que o governo fez até o momento o suficiente para ajudar empresários e trabalhadores nessa crise?

Raul Velloso - Acho que não, mas isso não é de surpreender, porque normalmente o governo no começo sempre faz menos do que precisa. Há uma tendência natural a segurar o desembolso, a não soltar o dinheiro, porque a tradição é essa. O governo passa a vida se contendo, aí de uma hora para outra se diz: "solta tudo". É o que se está dizendo. O governo vai fazer algo e aos poucos a gente vai ter que alimentá-lo com informações sobre o que poderia ter sido feito e não foi.

Por exemplo: os R$ 600 eu tinha imaginado R$ 1 mil. Já que é para fazer, faz algo que se saiba com mais segurança que vai servir para manter aquelas pessoas com o mínimo de liquidez no bolso. O prazo, acho que tem que ser um ano, não dá pra gente errar nisso. Mas o prazo pode ser prorrogado. Depois virão mudanças que a realidade vai impor que sejam feitas.

O governo já fez bastante coisa, mas certamente vai ter que fazer mais. Para mim, a máxima é: não pode faltar dinheiro, porque todo mundo está atônito. Principalmente aqueles que não têm condições de se manter operando, especialmente nessa fase inicial, onde há uma disputa no país se deve parar tudo ou não. Aí todo mundo se sente na posição de que no seu setor vai parar tudo e que, portanto, vai haver um corte violento de entrada de recursos.

Esse passa a ser o maior problema. Não pode faltar dinheiro nos bancos, nos órgãos do dinheiro, em todos os lugares.

O governo tem recursos suficientes para dar toda essa ajuda?

O governo não tem esse problema. Os governos, em geral, têm uma capacidade que eu diria quase ilimitada de prover recursos por meio da emissão de moeda. Isso a gente não pode dizer e nem fazer em épocas normais. Mas, sim, em épocas de guerra - e essa é a situação em que nós estamos.

Olhamos para uma depressão gigantesca, um precipício à nossa frente, e nós deveríamos querer evitar que todos caíssem nesse buraco gigante. Não tem como pensar que injetar dinheiro vai criar algum problema, como, por exemplo, inflação, que é o que as pessoas em geral temem. Não. Pode emitir moeda e jogar, jogar, jogar... e nada vai acontecer de ruim. Pelo contrário. Vai permitir que o tamanho do problema não seja tão grande quanto poderia ser.

E o timing? O sr. acha que o governo está demorando muito a soltar os recursos?

Tem que soltar o mais rápido possível. É uma pena que a burocracia seja lenta, e ela sempre é lenta. Todo mundo ficou com medo, quando Paulo Guedes sumiu, que ele estivesse demissionário ou coisa assim. Depois, acho que todos nós vimos que o que ele estava fazendo era se organizando e trabalhando para ter tempo de fazer as coisas. Pois se ele ficasse falando no telefone o tempo inteiro, óbvio que não ia fazer nada.

Quando ele deu as declarações ontem e anteontem, se viu de fato que ele está envolvido com as medidas. Eu só temo que uma briga atrapalhe um lado importante que é justamente o dos estados.

Os estados estavam, por sua vez, na sua crise, com um outro vírus: o vírus da quebradeira. Estavam quebrados. Quando vem o corona os encontra na pior situação financeira imaginável. Principalmente os estados de maior porte, tipo Rio, Minas, Rio Grande do Sul. Eu vi hoje a menção em uma manchete que a situação de Minas é desesperadora. E eu sei que é, há muito tempo.

Se há uma briga com a União e não conseguem chegar a um acordo para soltar dinheiro rapidamente, aí é um problema muito grande. Porque eles não vão ter condições de atuar em várias áreas. Eu acabei de receber um pedido para ajudar na compra de respiradores aqui no DF. Ou seja, vai ter uma pressão muito grande.

Imagina em todas essas administrações de estados e municípios como vai vir uma primeira carga de demanda. Estando eles quebrados, vão resistir a fazer as coisas, e a União deveria entrar e fazer exatamente o que eu disse: abrir as burras. Se é que essa expressão ainda existe e as pessoas entendem. Tem que despejar dinheiro, abrir os cofres.

O ministro Paulo Guedes disse que em caso de o isolamento se estender, a economia aguentaria no máximo três meses. O sr. concorda?

Os recursos vão obviamente ajudar. Mas o problema não são unicamente os recursos. Porque muitas vezes eles não chegam e dão suporte a demandas em determinados segmentos. Aí é que há a quebra.

É preciso monitorar com muita atenção. Não sei se o governo terá capacidade de fazer esse monitoramento. Reavaliar praticamente todos os dias para ver onde o excesso de atenção ao problema sanitário está causando perdas muito expressivas na economia real. Vamos ter que encontrar um equilíbrio entre os dois lugares. Se ele falou em três meses, estou vendo que ele está até otimista, em um certo sentido. Porque antes dos três meses, boa parte do problema viral já estará resolvido.

A gente sabe que tem um tempo inicial e as estimativas de pessoa que eu confio, como Osmar Terra, o deputado que cuidou da gripe H1N1 no Rio Grande do Sul, faz a previsão de que entre maio e junho teremos já passado todo o ciclo complicado do vírus e muitas das medidas restritivas poderão estar em processo de relaxamento.

Acho que o ministro tem que olhar mais cedo. Os problemas vão começar a pipocar já já, agora. Estamos no início de um processo de isolamento horizontal. Isso pode ter consequências drásticas em certos segmentos que não vão ser alimentados com recursos vindos das demandas que estão aí e de repente a paralisação impede que as transações aconteçam. Tem que ser monitorado todo dia para socorrer onde for preciso

Podemos dizer, então, que tem recursos, a hora é agora, só falta agora a política empurrar a economia?

Isso. Boa parte das coisas que estão travando decorre de disputas políticas e coisas do tipo. Isso é um absurdo. Nós tínhamos que estar fortemente unidos em torno de um objetivo, procurando entender o que está em jogo, quando uma opção é melhor que outra, acompanhar diariamente o acontecimento das coisas e procurar resolver onde está pegando mais.