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Chico Alves

Rui Costa: "Não tem equipamentos para os leitos que montamos"

Colunista do UOL

01/04/2020 04h03

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Assim como os seus colegas de outros estados, o governador da Bahia, Rui Costa, está correndo contra o tempo para tentar minimizar os estragos resultantes da pandemia do coronavírus. Presidente do Consórcio Nordeste, que reúne nove chefes de Executivo da região, ele fala nessa entrevista à coluna sobre as dificuldades que enfrenta para dar conta da tarefa.

Para começar, reclama da falta de coordenação nacional e do comportamento errático do presidente Jair Bolsonaro, que considera o maior entrave. "Ele parece que anda com a garrafa de gasolina na mão e o isqueiro na outra, tocando fogo onde ele passa", observa o governador.

Depois da mobilização para aumentar o número de leitos, Costa e seus congêneres nordestinos esbarram em uma grande dificuldade. "Os governadores se mobilizaram, montaram estruturas para abrir leitos adicionais, mas não estamos conseguindo comprar respiradores. O ministério também não consegue entregar", lamenta.

Apesar das críticas duras a Bolsonaro, o governador baiano defende que é hora de união para enfrentar a pandemia e se coloca a disposição para sentar à mesa com todos os que quiserem contribuir para o combate à pandemia. "Se ele ligar hoje para uma reunião, estamos disponíveis para conversar", garante.

UOL - O Comitê Científico do Consórcio Nordeste foi criado para suprir a falta de diálogo na área de ciência com o governo federal nessa crise do coronavírus?

Rui Costa - Evidente que com a ausência de uma coordenação nacional, nesse momento triste que o Brasil vive, nós temos que buscar soluções. Não dá para ficar chorando o leite derramado. É preciso buscar alternativas e soluções. Por isso, os nove governadores do Nordeste decidiram formar esse conselho científico, para ajudar a tomada de decisões, para sintonizar rapidamente com o que estiver acontecendo no mundo.

Vários desses cientistas que participam do fórum já estão em grupos internacionais, de cientistas, médicos e pesquisadores. Portanto, estão acompanhando o que está ocorrendo de mais novo no debate sobre o coronavírus. A expectativa nossa é ter avanços nos protocolos de assistência à saúde, como o que está sendo testado, com os procedimentos, com os medicamentos. O que tiver de ponta sendo utilizado nos protocolos de saúde, para que a gente possa rápido alinhar nossas equipes com os protocolos internacionais.

A expectativa dos governadores é buscar alternativa à ausência de muitos insumos para assistência. Faltam respiradores, temos grandes dificuldades. Os governadores se mobilizaram, montaram estruturas para abrir leitos adicionais. Mas não estamos conseguindo comprar respiradores. O Ministério da Saúde também não consegue entregar.

Compras que os estados tinham feito, a exemplo da Bahia, estão sendo adiadas. O prazo de entrega de algumas está para maio. Já tem fornecedor adiando para julho. A situação vai tomando um contorno assustador e muito preocupante.

Por isso é importante esse comitê estar acenando com alternativas que possamos lançar mão. Até máscara de proteção para os profissionais de saúde estão escassas. A gente não consegue comprar na quantidade necessária, então os governadores já estão incentivando a produção nos seus estados, com cooperativas de costureiras, nos presídios...

Qual a maior dificuldade no enfrentamento da pandemia? É a falta de insumos, a dificuldade de interlocução com o governo federal ou a falta de recursos?

Evidente que o maior entrave que nós vivemos no Brasil é a ausência de uma coordenação nacional e do governo federal, com sinais trocados, onde o ministro diz uma coisa e o presidente, à tarde, diz outra.

Mas o maior problema é de fato a ausência de insumos. Esse é o maior drama, já que virou uma crise planetária e o mundo todo está comprando. Basicamente, nós estamos com um grande e único fornecedor, que é a China. Os Estados Unidos estão comprando da China, a Alemanha fechou as fronteiras e não consegue produzir para outros países. Os grandes produtores internacionais estão voltados para si mesmos ou estão com a produção já toda comprometida. O maior drama hoje é conseguir insumos, equipamentos para estruturar as áreas de assistência suplementar que nós montamos.

O sr. fez críticas ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro por ele ter ido à rua no domingo e provocado aglomerações. De lá para cá mudou alguma coisa?

Não só eu fiz (críticas), mas o planeta inteiro acompanha estarrecido o comportamento do presidente da República. Isso é um verdadeiro crime contra a vida humana que está sendo cometido. Era preciso que houvesse serenidade, um intenso diálogo do governo federal com os governadores e prefeitos.

Já é uma crise de dimensão planetária, difícil de buscar soluções, sem coordenação, pior ainda. Difícil arriscar um palpite se nesses dias melhorou, se a ficha caiu, porque na segunda-feira passada, quando foi feita a reunião com os governadores do Nordeste, nós acreditávamos. Eu cheguei a dar uma declaração de que a ficha do governo federal finalmente tinha caído e que dali para a frente nós iríamos construir um diálogo permanente. Isso não durou 24 horas. Nós tivemos as declarações da semana passada, a briga com o governador de São Paulo, isso parece não ter fim.

Eu não me arrisco mais a dar palpite, por mais boa vontade que a gente tenha. Saímos da reunião com o presidente na semana passada acreditando que as coisas iam mudar e não durou 24 horas para tudo desmoronar rapidamente.

O general Villas Boas, que foi fiador da candidatura do presidente Bolsonaro, e há muito tempo não se manifestava, disse que a postura dele "revela coragem e perseverança nas próprias convicções" e que "um líder deve agir em função do que as pessoas necessitam, acima do que elas querem". O que acha dessa declaração?

Não acho que o comportamento e as declarações do presidente são as de quem tem coragem. Acho que é de quem tem falta de compromisso com a vida humana e com o país. Essa é a minha opinião.

De novo: é preciso coordenação, serenidade, é preciso ser cirúrgico no que nós vamos fazer, o que manter funcionando, o que vai parar. Para isso nós precisávamos ter uma concertação, diálogo entre os governadores e o governo federal, deixando a política de lado. Não é possível ficar fazendo política, troca de acusações num momento como esse. Diversas pessoas, o Brasil inteiro compreendeu isso.

Aqui, por exemplo, na Bahia, nós temos um caso que merece registro: o prefeito de Salvador é do DEM, eu sou do PT. Nem ele está fazendo política até aqui e nem eu. Nós resolvemos conversar e estamos conversando. Todos os dias com medidas conjuntas, alinhadas sobre o que fazer para conter o avanço do vírus e salvar vidas humanas. Esse não é o momento de discutir partido político, quem vai ser candidato.

O presidente está preocupado se o governador do Rio, de São Paulo, se um outro governador, se alguém vai ser candidato. Pelo amor de Deus. É preciso pensar nas pessoas, pensar na vida das pessoas. Pensar em como compatibilizar a economia com a vida. Para isso é preciso ser seletivo, é preciso ser profissional, é preciso ter serenidade, responsabilidade, para fazer essa coordenação.

Vamos manter indústrias funcionando, vamos manter esse setor aqui funcionando, os funcionários vão distribuir EPIs para seus funcionários, vamos manter essas vias aqui abertas, aquele lugar está com um número maior... Para tudo precisava ter serenidade, tranquilidade para conduzir isso. Infelizmente, como eu disse ontem, ele parece que anda com a garrafa de gasolina na mão e o isqueiro na outra, tocando fogo onde ele passa.

O presidente oficializa a ajuda de R$ 600 por três meses. O sr. é economista, que outras medidas o governo pode tomar para alavancar a economia?

Eu quero parabenizar a Câmara dos Deputados e o Senado pela rápida resposta que deram. Uma vez sancionado, espero que esse recurso chegue o mais rápido possível, ainda essa semana na conta das pessoas, na mesa das pessoas. A maior dificuldade que vai se ter para salvar vidas humanas é a fome. Ou seja, a necessidade básica que cada família começa a ter e precisa ser suprido rapidamente para que a gente não tenha milhares de mortes no Brasil inteiro. Isso é muito grave, é muito sério.

Os governadores, prefeitos, foram rápidos para montar as estruturas. Estamos com estruturas prontas, mas estamos com um dilema: não tem insumo, não tem equipamento para abrir os leitos que nós montamos. Ou seja, não adianta o comportamento do presidente, porque isso aí vai ser uma verdadeira carnificina se for feito no ritmo e na forma que ele está pregando.

A primeira providência que ele tinha que tomar é atuar como presidente de uma nação, como outros presidentes estão fazendo, para buscar suprir de equipamentos e insumos elementares que os estados e municípios vão precisar para dar assistência aos pacientes que estão chegando e que chegarão mais intensamente a partir dos próximos dias.

As medidas de isolamento estão surtindo efeito na Bahia, o sr. tem esses resultados?

Analisando os números, até agora eu diria que sim. Porque a Bahia representa pouco mais de 7% da população do Brasil e até ontem nós estávamos com 3,5% de todos os casos nacionais. Ou seja, nós estamos abaixo da média nacional. Temos conseguido manter controle no volume de pessoas que estão precisando de assistência médica, o ritmo, a curva muito abaixo do que os matemáticos e cientistas tinham previsto no caso da Bahia.

Então acho que tem dado resultado e espero continuar assim nos próximos dias para a gente concluir e receber, espero, seja de fornecedores, seja do Ministério da Saúde, os equipamentos e insumos necessários para garantir a assistência médica das pessoas.

Apesar das críticas, o sr. e os governadores do Nordeste continuam abertos ao diálogo com o governo federal? Participariam de uma reunião se forem convocados?

Com absoluta certeza. Nós temos que pensar na vida humana, nas pessoas, no Brasil. As críticas são para ver se o presidente desperta, acorda e vem exercer a sua função. Ele foi eleito pela maioria do povo brasileiro para ser o condutor dessa nação. O povo designou ele para essa tarefa. O que nós estamos cobrando dele é no sentido de que venha a exercer o cargo para o qual foi eleito, exercer de forma plena.

Isso não é hora de bater boca com governador, com o prefeito. Ele é que deveria estar pedindo serenidade à nação, ao povo brasileiro, buscando um diálogo intenso com o povo brasileiro, com os governadores e prefeitos para somar esforços e energias. Não interessa se o prefeito ou governador é do PT, do PMDB, do DEM, do PSDB. Não interessa partido político nesse momento. Deveria interessar ao presidente apenas cuidar da vida das pessoas A vida da forma mais ampla: da saúde e também de como as pessoas vão sobreviver, da produção do país. Isso tudo deveria ser conversado junto.

Se ele ligar hoje para uma reunião, estamos disponíveis para conversar, reunir, e faremos com a mesma tranquilidade, com o mesmo respeito que fizemos na segunda-feira passada. Porque a cadeira de presidente, o cargo de presidente exige respeito, independente da pessoa que ocupa. O que precisa é que a pessoa que ocupa o cargo de fato tome para si essas funções que são da presidência da República e não tenha comportamento como o que ele teve domingo. Aquilo é um atentado contra a vida humana, uma falta de respeito completa a todos os brasileiros.