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Chico Alves

A derrubada das redes de ódio bolsonaristas deve ser comemorada?

O blogueiro Allan dos Santos, um dos alvos do inquérito das fake news - Reprodução/YouTube
O blogueiro Allan dos Santos, um dos alvos do inquérito das fake news Imagem: Reprodução/YouTube

Colunista do UOL

25/07/2020 09h59

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Não é difícil achar motivos para abominar o conteúdo que os militantes bolsonaristas citados no inquérito das fake news do Supremo Tribunal Federal despejam nas redes sociais. Há desinformação, ofensas, mentiras e incitação à quebra da ordem institucional. A investigação indica que alguns deles fazem do ódio uma atividade profissional.

Feita essa observação, é preciso reconhecer que a suspensão de contas dos acusados nas redes sociais é uma iniciativa drástica demais para ser feita sem a necessária fundamentação. Infelizmente, foi isso que ocorreu.

Não é porque os integrantes desse grupo publicam ou financiam mensagens revoltantes que devemos deixar de perguntar: qual crime cada um deles praticou e quais os indícios? Sem conseguir dar essas respostas para cada caso, fica difícil justificar medida tão ampla, tão radical. Por isso, talvez os progressistas devessem pensar duas vezes antes de comemorar.

Um dos adversários mais assíduos da turma que dissemina ódio nas redes, o youtuber Felipe Neto foi ao Twitter para relacionar várias postagens absurdas feitas por esses bolsonaristas. "Quando se trata de derrubar uma conta numa plataforma, não interessa se fulano acredita em 'A' ou 'B'. O que interessa é se infringe as regras da plataforma", escreveu ele. "O banimento das contas, exigido pelo STF, já deveria ter sido feito pelo próprio Twitter há muito tempo".

A preocupação de Felipe em tornar as redes menos tóxicas é louvável, mas, como observa o doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito Horácio Neiva, a decisão do Supremo não tem a ver com a quebra de regras da plataforma e com quase nenhum dos tuites mostrados pelo youtuber.

"A decisão derrubou uma dezena de contas, e não apenas determinou a remoção de postagens específicas", escreveu Neiva, em uma esclarecedora sequência no Twitter. "Não há individualização das condutas de cada usuário, relação específica de quais tuítes geraram a decisão de cancelamento das contas. Nada".

Os críticos de Allan dos Santos, Sara Winter e cia deveriam encarar com mais cuidado a decisão do STF. A medida que pune adversários ideológicos coloca em dúvida, a partir de agora, os limites da liberdade na internet — e até mesmo fora dela. O que hoje vale para a extrema-direita, amanhã valerá para a esquerda ou para o centro.

"Pode criticar o STF? Se pedir pra fechar, exclui a postagem ou impede o uso da rede social? Quantas postagens são necessárias para uma suspensão? E uma proibição total de uso das redes? E que tipo de postagem?", questiona Horácio Neiva.

O ministro do STF e presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, desabafou na Folha de S. Paulo: "São milícias, gangues que precisam ser neutralizadas e estamos fazendo todo o possível para enfrentá-los dentro da lei".

Difícil discordar de que a prática desses ativistas do ódio deva ser punida. Mas há dúvida se a legislação em vigor permite ação tão extrema quanto a de ontem, por motivos não suficientemente demonstrados.

As leis existentes têm-se revelado eficientes para punir abusos. Talvez possamos reclamar da morosidade do Judiciário em dar as sentenças, mas há várias decisões para provar que a punição acaba chegando. O deputado Alexandre Frota está sendo obrigado a indenizar Gilberto Gil em R$ 90 mil por ofensas e o astrólogo Olavo de Carvalho tem que penhorar sua casa para pagar indenização a Caetano Veloso.

Mesmo a pena mais dura, que é a de prisão, pode ser aplicada sem problemas. Há no inquérito das fake news do STF indícios de um plano de ataque terrorista. Se ficar efetivamente comprovado, o xilindró é o caminho natural para os seus autores.

No apagão de contas que se viu ontem nas redes sociais bolsonaristas, no entanto, não ficou claro se punição tão genérica é realmente justa. Não se trata de deixá-los liberados para minar as relações institucionais, mas de dar a cada um a sanção adequada, com provas individualizadas

Não é tarefa fácil exercitar solidariedade com figuras tão deletérias. Mas torcer para que tenham punição ainda que sem base jurídica sólida é algo que abre a porteira para passar uma boiada bastante perigosa.

Mesmo que o outro lado defenda o extermínio dos adversários, é saudável ter sempre em mente que as sociedades civilizadas são baseadas na justiça, nunca no justiçamento. Esse argumento pode parecer ingênuo, mas no futuro pode servir de autodefesa àqueles que agora comemoram.