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Chico Alves

Comediante vence processo movido por bolsonarista: "Liberdade de expressão"

Gustavo Mendes - Reprodução YouTube
Gustavo Mendes Imagem: Reprodução YouTube

Colunista do UOL

05/08/2020 04h00

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No fim de agosto do ano passado, o humorista Gustavo Mendes foi vítima do clima polarizado que tomou conta do país. Em uma apresentação de stand up feita em teatro da cidade mineira de Teófilo Otoni, ele foi interrompido por parte da plateia que se mostrou insatisfeita com piadas em que criticava o presidente Jair Bolsonaro. Depois de ser provocado e xingado, Gustavo expulsou o grupo, sob o compromisso de que devolveria o valor do ingresso.

Acabou processado por um dos espectadores que foi obrigado a sair. O homem pediu indenização por danos morais e materiais, alegando que se sentiu ofendido e humilhado.

O humorista conheceu no domingo o resultado da ação: foi absolvido e o processo arquivado.

O juiz Renzo Giacomo Ronchi considerou que Gustavo reagiu a provocações. "Resta incontroverso (...) que o artista foi hostilizado e insistentemente interrompido enquanto tentava realizar a sua performance, no desempenho do seu trabalho", diz o magistrado em sua decisão. "A sátira, portanto, ainda que ácida, deve ser protegida porque, no fundo, é a liberdade de expressão de que se está cuidando".

"Me senti aliviado não só por mim, mas pela causa artística da liberdade de expressão", disse Gustavo à coluna.

Ele acredita que a onda de ataques sofridos por artistas em alguns momentos do ano passado está diminuindo. "Vi esse ódio, mas vi também o amor de gente que está reavaliando a postura em relação aos que têm posições diferentes. Isso me deixa aliviado", afirma.

UOL - Ficou surpreso em ser processado, mesmo depois de xingado e provocado pelo grupo que estava na plateia?

Gustavo Mendes - Nunca fui processado na vida, me deu muito susto. Achei ridículo, porque não tinha fundamento nenhum a pessoa se sentir lesada porque eu falei mal do presidente em quem ela votou. Não tenho como saber em quem a pessoa votou e eu não faço show pensando nisso.

Ele disse que estava entrando com processo em nome da cidade de Teófilo Otoni, entendi que estava querendo fazer fama em cima da história. Desde o início não quis nenhum tipo de acordo, porque achei aquilo uma violência contra a liberdade de expressão. Deixei que corresse o processo. Soube da sentença no domingo agora.

A vitória nessa causa é a vitória da liberdade de expressão. O juiz deu a sentença com exemplos da Justiça americana, de cortes europeias, de sentenças do STF, explicitando essa liberdade.

Esse clima de provocação por motivação política continua?

As pessoas estão entendendo a irracionalidade desse governo sob vários aspectos. Então, aquela irracionalidade toda que a gente via no início, de censura, de gente indo a show para atrapalhar, aquela coisa horrorosa, reduziu. A sentença foi uma grande garantia para os artistas e para o público.

Acha que o grupo que reagiu às suas críticas políticas foi ao teatro com a intenção de atacá-lo?

Era orquestrado, com certeza. Eram 600 pessoas na platéia. Assim que eu soltei a primeira piadinha política, aquele grupo de uns 30 achou que era o momento de atacar. Imediatamente todos, em uníssono, passaram a me agredir verbalmente e a atrapalhar o show. Eu botei pra fora. Quando eu olhei para um e disse "pode sair", saem 30 pessoas.

Eles gritavam: "Não tá satisfeito, vai pra Paris!" ou vai "Vai fazer show na África!".

Você diz que esses ataques irracionais reduziram, mas ainda há muitas ações de ódio orquestradas. Por qual motivo acha que amenizou?

Como não estou fazendo show, por causa da pandemia, posso responder isso baseado no que eu vejo nas redes sociais. Senti que o clima de hostilidade diminuiu muito, drasticamente. É o que eu tenho sentido na minha bolha.

Claro que esse gabinete do ódio é articulado, se falam por WhatsApp , é uma rede que se forma para atacar um artista, uma organização. Isso continua.

A gente vê isso com a desinformação em relação à pandemia. Só sabemos da importância do uso da máscara e das noções de higiene para evitar pegar o vírus pelas informações da imprensa livre. O governo não investiu um real para ensinar isso. Pelo contrário. O governo queria pagar propaganda para as pessoas saírem de casa e voltarem às ruas. Isso foi barrado no Supremo.

Desde o início do governo algumas pessoas têm-se valido da pós-verdade, da desinformação e das fake news. Vi esse ódio, mas vi também o amor de gente que está reavaliando a postura em relação aos que têm posições diferentes. Isso me deixa aliviado. Eles estavam vencendo no grito.

Por qual motivo estaria ocorrendo essa mudança?

Acho que as pessoas estão acordando, porque quando começou a pandemia a previsão do presidente era de que ia haver 800 mortes. Agora estamos nos aproximando das 100 mil mortes. Nessa altura todo mundo, inclusive eu e você, conhecemos alguém que pegou covid, ou pior, conhecemos alguém que morreu.

Ainda por cima, tem a grande cagada de estarmos no meio da pandemia sem ministro da Saúde, estamos sem ministro da Educação. Quando aparece um, diz que criança tem que apanhar.

O pensamento crítico infelizmente está batendo à porta das pessoas por causa das mortes.

Na sua sátira à ex-presidente Dilma Rousseff você foi criticado por petistas. Hoje é atacado por bolsonaristas. Como é apanhar dos dois lados?

Os petistas eram agressivos nas redes, mas não tinha um movimento orquestrado. Era aquele fanático pelo PT e pela Dilma, mas era ele sozinho em seu fanatismo. Brigavam comigo, mas não tinha esse cancelamento orquestrado nas redes sociais. Não era uma coisa organizada como esse grupo que foi ao teatro de Teófilo Otoni.

Quando comecei a reclamar do golpe contra a Dilma, eu, que apanhava antes dos petistas, acabei apanhando dos dois lados. Quem era contra Dilma achava que eu era a favor e quem era a favor achava que eu era contra.

O que o fez tomar posição tão forte contra o impeachment?

Quando a questão do golpe ficou evidente, aquilo me indignou. Quis passar pontos de vista, não defender a presidenta. Pensei: tem uma coisa muito errada aí. A gente viu votando pelo impeachment senador que teve helicóptero apreendido com 500 quilos de pasta-base de cocaína. Ver esse senador chamando Dilma de corrupta, de ladra... me causou certa indignação.

Vi o Aécio liderando aquela revolta... Enquanto isso, ela foi julgada e manteve os direitos políticos intactos. E o que ela fez, que dizem que foi crime, para todos os que fizeram antes não foi crime. E depois deixou de ser crime.

Qual a diferença entre as críticas que fazia a Dilma e as que faz a Bolsonaro?

Humor pra mim é oposição. Fiz a Dilma como caricatura que ressalta o que está errado, digo isso sobre qualquer um que esteja no poder. Bolsonaro me ajuda muito porque ele já traz a piada pronta, ele é uma grande piada e me ajuda bastante.

Diante de tanto baixo astral no país, qual a saída para fazer o público rir?

Bolsonaro é uma piada de mau gosto, uma piada ruim, homofóbica, racista. É uma piada que traz desconforto à sala. Estamos mesmo vivendo num país baixo astral. Não à toa, a venda que mais cresceu durante a pandemia foi a de bebida alcoólica, o primeiro antidepressivo do mundo.

Em uma live avisei que em algum momento ia voltar a somente contar piada, mas agora não dá. Eu luto com todas as minhas forças para fazer graça no canal, mas não dá para deixar de falar do que está acontecendo. Acho ridículo os comediantes que não se posicionam e agem como se estivesse tudo bem. Vimos um fenômeno no Brasil, que é comediante de direita. Algo nunca visto no mundo: comediante concordando com o governo. Agora estão voltando atrás.