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Chico Alves

Porchat, sobre especial: "Jesus impede apedrejamento, não joga bomba"

O comediante Fabio Porchat no especial do Porta dos Fundos deste ano: no meio de muita pedrada e críticas, piadas - Divulgação / Daniel Chiacos
O comediante Fabio Porchat no especial do Porta dos Fundos deste ano: no meio de muita pedrada e críticas, piadas Imagem: Divulgação / Daniel Chiacos

Colunista do UOL

09/12/2020 16h07

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Depois do especial de Natal de 2019, que recebeu muitas críticas de pessoas que se identificaram como religiosos por retratar Jesus como gay, e que serviu de pretexto para um ataque com coquetéis molotov à produtora do Porta dos Fundos, no Rio, o grupo lança amanhã o programa de 2020. A crítica de costumes continua sendo um dos ingredientes, mas as tiradas do novo especial seguem outro caminho. "Esse ano está mais político", admite Fabio Porchat.

As piadas têm como alvos políticos da esquerda e da direita. Porchat não tem medo de ser atacado por ambos. "Se formos criticados pelos dois lados é bom sinal", diz ele, nessa entrevista exclusiva à coluna.

O artista ressalta que o objetivo principal é fazer rir, mas acredita que o programa tenha se transformado em marco da liberdade de expressão depois do atentado e das críticas inflamadas feitas por religiosos fundamentalistas.

Porchat fala também da importância da defesa da liberdade de opinião e questiona a atitude dos chamados "cidadãos de bem", que reagem com agressão a qualquer manifestação de que discordem.

"O ponto mais importante levantado esse ano é o olhar antes de agredir, de atacar, de gritar", destaca o humorista.

Apesar da demora, ele diz ter esperança de que a polícia prenda os criminosos que, junto com Eduardo Fauzi, que fugiu para a Rússia, fizeram o atentado à produtora:

UOL - Depois de tantos ataques por causa do especial do ano passado e do atentado à produtora, foi difícil tomar a decisão de fazer o especial deste ano?

Fabio Porchat - Nós lançamos o especial de Natal todo ano, desde 2013. Eu já comecei a ter as ideias para este no comecinho desse ano, então foi zero difícil pra gente, e não abalou em absolutamente nada. Em nenhum momento a gente titubeou ou pensou em não lançar.

Vocês sentiram a necessidade de fazer o especial como uma espécie de marco na defesa da liberdade de expressão?

O especial de Natal é pra fazer rir, para o pessoal assistir e dar risada, como um vídeo do Porta dos Fundos. É claro que ele foi alçado a esse patamar de um marco da liberdade de expressão por conta de tudo que fizeram.

Essa é a coisa mais louca: quanto mais nos atacam e nos agridem, mais atenção o especial de Natal tem e mais ele vira um manifesto — mais por eles do que por nós.

Por nós é um especial engraçado, em que as pessoas vão conseguir dar muita risada e se divertir durante esse mês de dezembro.

O programa desse ano tem um viés político mais forte?

Esse ano o especial está mais político, realmente. No final das contas, só se fala em política no Brasil, então por que não falar também de política no especial de Natal? Afinal de contas, será que Jesus foi um preso político? Quando houve o julgamento com Pôncio Pilatos, tudo aquilo ali é política.

Pelo trailer, parece que o especial traz críticas bem-humoradas a Bolsonaro e também aos petistas. Está preparado para ser criticado pelos dois lados?

O especial desse ano bate em todos os lados, bate em todo mundo. O Porta sempre foi assim, sempre fez piada com PT, com Bolsonaro, com centrão, com todas as religiões, tem piada com muçulmano, com ateu, com católico, com evangélico, com umbanda... o Porta nunca poupou nada. Nossa única diretriz é nunca perpetuar preconceitos, então olhamos por esse viés. Esse ano, se formos criticados pelos dois lados, é bom sinal.

Qual o ponto levantado no programa desse ano que você acha mais importante?

Acho que o ponto mais importante levantado esse ano é o olhar antes de agredir, de atacar, de gritar. As pessoas têm que começar a olhar mais para si. Antes de as pessoas virarem guardiões paladinos da religião, deviam prestar um pouco mais de atenção nas palavras de Jesus.

Jesus é o deus do amor, ele prega oferecer a outra face, ele impede o apedrejamento. Jesus não é aquele que joga bomba, que mata, não é aquele que agride ninguém. Então, nosso ponto deste ano é quem é esse cidadão de bem, que acha por bem matar os outros, atacar os outros, agredir os outros. Isso é que é um bom ponto a ser levantado.

Ficou decepcionado com a Netflix por excluir o especial de 2019 da programação?

A Netflix foi muito parceira do Porta dos Fundos durante todo esse caso do especial de Natal do ano passado. Disponibilizou advogados, sempre lutando em prol do conteúdo, da liberdade de expressão. Foi ao STF. Então, a Netflix foi muito parceira, não houve quebra de contrato, nada disso. Foi só que ela não quis mais continuar. Assim é, nenhum problema.

Lógico que se ela quisesse a gente teria feito. Ela não quis, a gente fez no YouTube, fez no nosso canal, ótimo. Nós temos mais de 16 milhões de inscritos no canal, o especial sempre foi no canal.

Como avalia o trabalho de investigação sobre o atentado à produtora? Somente um dos criminosos, Eduardo Fauzi, foi identificado. Isso é suficiente?

A gente se esquece que no Brasil só 10% dos homicídios são resolvidos, solucionados. O Brasil é um país que não soluciona os seus problemas, os seus crimes, é o país da impunidade e a gente tem inúmeros casos.

Lógico que a gente queria que todos tivessem sido identificados, que todos estivessem presos e respondendo na Justiça pelos seus crimes. O Fauzi foi preso, estava foragido, foi preso na Rússia, está lá e já houve um mandado de extradição.

Então, a gente tem pelo menos que achar que a Justiça tarda mas não falha. É nisso que eu acredito. Mas, lógico, a gente queria que isso tivesse sido resolvido no dia seguinte. Mas pelo menos já prenderam um. E ele me parecia o cabeça da coisa. Vamos torcer para que isso se resolva o quanto antes.

O importante de prender é mostrar para as pessoas que elas não podem sair impunes de crime nenhum, inclusive como esse.

Nessa luta dos fundamentalistas contra a liberdade de expressão, quem você avalia que está levando a melhor?

Quem está levando a pior é a democracia, é a liberdade de expressão, é o livre pensamento, é a possibilidade de a gente poder falar aquilo que pensa e fazer aquilo que quer fazer sem ferir a Constituição, logicamente, sem fazer nada que seja crime.

No fim das contas é uma luta que não é da comédia, não é do Fabio, do Porta dos Fundos. É uma luta que é da sociedade, é uma luta de todos nós. Porque hoje não deixam fazer piada, amanhã não deixam dar opinião, depois de amanhã não deixam mais dar opinião.

E não sou eu. Eu agora estou rindo fazendo isso, mas amanhã é você que não pode, é a população. No fim das contas as pessoas se esquecem que o comediante não está em outro lugar, nem acima e nem abaixo, ele está igual a todo mundo.

É uma luta de todos nós: poder dar opinião. O que o brasileiro está começando a entender, porque é uma democracia muito jovem, muito recente, é que a gente tem que lutar para que todos possam dar opinião, inclusive aquele com quem a gente não concorda, inclusive quem a gente discorda veementemente.

As pessoas têm que ter o direito de discordar e de ter opinião completamente contrária, inclusive de me achar uma besta. A pessoa tem que poder falar "Esse Fabio é um imbecil". Eu não vou achar graça, mas se ele acha isso é a opinião dele.