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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com Auxílio Centrão de R$ 1 bi, Bolsonaro e Lira afundam política na lama

Bolsonaro e Lira rindo - Reprodução
Bolsonaro e Lira rindo Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

05/11/2021 19h03

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Espírito público, planejamento estratégico do país, cumprimento de promessas de campanha. Para parte do Congresso, esses conceitos não valem nada. Uma fatia enorme dos parlamentares só pensa em cifras que ajudem na reeleição ou que sirvam a algo pior - as cenas de malas cheias de dinheiro apreendidas em diversas oportunidades, cujos donos eram deputados ou senadores, dão uma ideia das tramoias de que alguns são capazes.

Foram tipos assim que ajudaram a consolidar ao longo dos anos na cabeça do eleitor a falsa ideia de que "todo político é ladrão". O enunciado causa desespero nos deputados e senadores decentes que lutam contra a maioria fisiológica para honrar seus mandatos e defender o interesse público.

De todas as modalidades de fisiologismo, porém, uma parece ser a pior. É a negociata que usa como pretexto uma necessidade urgente da população para extrair verba do Executivo e encher as burras de dinheiro. Aconteceram casos abjetos assim durante a pandemia, quando governantes tiveram a indecência de desviar recursos destinados ao combate da covid-19. Está acontecendo novamente agora, na discussão do tal Auxílio Brasil de R$ 400.

Não há dúvida que milhões de brasileiros têm fome e precisam de um benefício que substitua o Bolsa Família, programa vitorioso que o governo Bolsonaro teve o descaramento de extinguir. Para custear o auxílio, no entanto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), seus blue caps do Centrão e o governo tiveram a brilhante ideia de sugerir calote em precatórios, flexibilizar o teto de gastos - o que se não fosse por casuísmo seria até compreensível - e aumentar a incerteza fiscal do país.

Poderiam fazer o mesmo de outras formas menos danosas (uma Medida Provisória, por exemplo), mas escolheram a PEC dos Precatórios porque essa fórmula permite sobra bilionária que o governo poderá destinar às chamadas emendas de relator. É aquela fortuna em recursos públicos que Lira decide quem vai receber e cuja execução é quase impossível fiscalizar.

Mesmo assim, a votação em primeiro turno que aprovou na Câmara a PEC teve resultado apertado - 312 votos a favor, quando eram necessários 308. O placar pode ser considerado ainda mais apertado quando se levam em conta as informações que agora vêm à tona: o governo liberou aos aliados cerca de R$ 1 bilhão antes da votação.

A farra chegou a tal ponto que em boa hora a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, decidiu suspender a execução das emendas do relator. Na decisão, exige que haja instrumentos para permitir a fiscalização do uso dos recursos.

Não custa lembrar mais uma vez que o então candidato Jair Bolsonaro e seus generais bradavam aos quatro ventos durante a campanha que iriam exterminar o 'toma lá, dá cá' quando ganhassem a eleição. No início do mandato, se recusaram a negociar politicamente com o Congresso para, depois de sucessivas derrotas, passarem a negociar acenando com dinheiro público na mão.

Chegamos então ao ponto atual, em que os fisiológicos do Parlamento cobram um Auxílio Centrão para instituir o Auxílio Brasil. Essa é a contrapartida para ajudar compatriotas desvalidos (e também turbinar a campanha de reeleição de Bolsonaro, já que R$ 100 suplementares só vão ser pagos até dezembro de 2022).

Todos sabem que não foi Bolsonaro quem inventou o 'toma lá, dá cá', mas quando se constata que tudo nesse vergonhoso orçamento secreto é medido em bilhões, pode-se dizer que o atual presidente enfiou o pé na lama em profundidade nunca vista.