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Chico Alves

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Abandono dos yanomamis reacende a discussão: Bolsonaro é genocida?

Crianças yanomamis, com desnutrição e malária - Reprodução Fantástico
Crianças yanomamis, com desnutrição e malária Imagem: Reprodução Fantástico

Colunista do UOL

16/11/2021 09h27

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Difícil esquecer as imagens dos corpos esquálidos de crianças yanomamis, vítimas da desnutrição e malária, exibidas no programa Fantástico do último domingo. O excelente trabalho dos repórteres Alexandre Hisayasu, Alexandro Pereira e Valéria Oliveira revelou ao Brasil a tragédia que acontece no meio da floresta amazônica, longe dos olhos da maior parte da população. A falta de assistência de saúde do governo federal e a atuação predatória de garimpeiros ilegais criaram um cenário desolador em aldeias localizadas em Roraima e Amazonas.

A assistência médica não chega nessas áreas há oito meses. Com isso, a malária, que pode ser facilmente tratada, se espalha livremente entre os indígenas. Os mais fragilizados são os pequenos indígenas, que, além da doença tropical, sofrem com verminose e desnutrição. Oito em cada dez crianças yanomamis tem desnutrição crônica.

As dificuldades de alimentação são causadas pela atuação de garimpeiros ilegais. Além de devastar a floresta, rasgando gigantescas feridas nas matas, contaminam as águas dos rios com mercúrio. A pesca, principal atividade de subsistência das aldeias, fica praticamente inviabilizada, por causa da contaminação dos peixes.

A proporção do problema é fácil de ser medida: a região tem cerca de 30 mil indígenas e o garimpo ilegal trabalha com um contingente de 20 mil homens.

Foram imediatos os efeitos da exposição do cenário trágico mostrado na reportagem, em que pais percorrem distâncias enormes carregando seus filhos de corpos esqueléticos e expressão sofrida em busca de atendimento médico que não existe. Como sempre, as redes sociais foram a primeira arena de discussão, com enxurrada de críticas contundentes ao governo federal. Em muitas postagens, foi usado com insistência o adjetivo endereçado ao presidente Jair Bolsonaro: genocida.

Alguns internautas revisitaram a dúvida que esteve em alta na semana de divulgação do relatório final da CPI da Covid. Afinal, levando-se em conta os pressupostos jurídicos, Bolsonaro é ou não genocida?

No relatório da CPI, especialistas em Direito opinaram que pela atuação na pandemia é possível acusar o presidente de crime contra a humanidade, mas não de genocídio.

A desembargadora Sylvia Steiner, que por 13 anos atuou no Tribunal Penal Internacional (TPI), foi uma das experts que emitiu essa opinião aos senadores da comissão. Ela faz, porém, uma ressalva importante para a qual poucos atentaram.

Quando se leva em conta apenas o combate à pandemia, o governo teve atuação ruim não só para os indígenas, mas para praticamente todo o país. O genocídio se caracteriza pela tentativa de extermínio contra grupos étnicos, raciais ou religiosos específicos.

Se a acusação de genocídio for feita por causa do conjunto da obra da gestão Bolsonaro em relação aos povos da floresta, a coisa muda de figura.

"Há uma série de políticas anti-indigenistas desse governo", disse Sylvia à coluna, em 20 de outubro. "Se observarmos a atuação do Executivo nessa área como um todo, não está afastada a possibilidade de identificarmos o crime de genocídio. Basta olhar a falta de demarcação de terras, as autorizações constantes para a exploração econômica dos territórios indígenas por garimpeiros e madeireiros, a destruição do habitat natural de muitas comunidades e, somado a isso, os problemas nas políticas de saúde pública voltadas para eles".

Para a desembargadora, esse conjunto de ações mostra que, se o governo pudesse, "acabaria com todas as comunidades indígenas do país". Essa é a causa das três denúncias contra Bolsonaro no TPI por genocídio dessa população. "Principalmente pelas questões ambientais, pelas autorizações de invasão de terra e pelo desmonte das instituições como a Funai", observou ela.

Ou seja: a desembargadora com larga experiência no TPI diz que há, sim, elementos fortes para que se possa acusar Bolsonaro de genocídio.

Se é assim, depois das cenas estarrecedoras mostradas no Fantástico há ainda mais motivos para essa acusação.

Espera-se que as tais "instituições", que tantos dizem que funcionam, finalmente se movam.