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Constança Rezende

Cúpula da PGR nomeia amigos para cargos sem concurso no órgão

1º.out.2019 - O procurador-geral da República, Augusto Aras, em seu gabinete na PGR - Gabriela Biló - 1º.out.2019/Estadão Conteúdo
1º.out.2019 - O procurador-geral da República, Augusto Aras, em seu gabinete na PGR Imagem: Gabriela Biló - 1º.out.2019/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

17/01/2020 04h00

Empossada em setembro, a nova gestão da PGR (Procuradoria-Geral da República) nomeou pessoas com vínculos com a sua cúpula para cargos comissionados no órgão. De outubro a dezembro, foram contratados, sem concurso público, pelo menos três pessoas ligadas ao procurador-geral da República, Augusto Aras, e ao novo secretário-geral do MPU (Ministério Público da União), Eitel Santiago.

Uma delas é Ana Laura Pires de Sá Espinola, que advogou em processos com o pai do procurador-geral, o advogado Roque Aras, na Bahia. Ana Laura estava morando no estado da Paraíba, até ser contratada como secretária executiva no gabinete de Aras para receber R$ 12.940.

O órgão também arcou com todas as despesas da mudança da advogada para Brasília como "de ajuda de custo" correspondente a uma remuneração de seu cargo, com base no mês de outubro, bem como indenização por transporte aéreo.

Já o secretário-geral do MPU nomeou o advogado Vinícius Salomão de Aquino, amigo de seu filho, Rodrigo Clemente Pereira, como consultor jurídico de seu setor. Em seu perfil no Facebook, há uma foto de Vinicius com Rodrigo, no time da Olimpíada Jurídica da faculdade. O advogado também apoiou a campanha do filho de Eitel a deputado estadual da Paraíba pelo PSL, em 2014.

Ele postou um material da campanha de Rodrigo, em seu Facebook, com a legenda: "conheço o candidato, pessoa íntegra que poderá ajudar todos os paraibanos na ALPB (Assembleia Legislativa da Paraíba)". Em seguida, o filho de Eitel agradece a publicação: "obrigado pela força, meu amigo". Vinicius foi contratado para um cargo na PGR, com salário de R$ 9.216,74.

O advogado Vinícius Aquino, contratado para a PGR, fez campanha para o filho de Eitel e seu amigo, Rodrigo Clemente - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
O advogado Vinícius Aquino, contratado para a PGR, fez campanha para o filho de Eitel e seu amigo, Rodrigo Clemente
Imagem: Reprodução/Facebook

Eitel também nomeou para a secretaria-geral a advogada Fernanda Monteiro Bronzeado como assessora técnica. Fernanda é filha do promotor aposentado do Ministério Público da Paraíba, Valério Costa Bronzeado, amigo de longa data de Eitel e seu confrade na Academia Paraibana de Letras Jurídicas.

Bronzeado tem uma foto junto de Eitel, em sua conta no Facebook, com a legenda: "com o estimado amigo e confrade Eitel Santiago, merecidamente convidado para ser secretário-geral do Ministério Público Federal, na gestão do futuro procurador Augusto Aras, no lançamento do livro extraordinário de Cleanto Gomes".

O secretário-geral da PGR, Eitel Santiago (esq.), ao lado do promotor aposentado Valério Costa Bronzeado, cuja filha foi nomeada para a Procuradoria - Reprodução/Facebook  - Reprodução/Facebook
O secretário-geral da PGR, Eitel Santiago (esq.), ao lado do promotor aposentado Valério Costa Bronzeado, cuja filha foi nomeada para a Procuradoria
Imagem: Reprodução/Facebook

A foto foi postada no dia 14 de setembro do ano passado, cerca de dois meses antes de Eitel nomear a filha do promotor aposentado para a sua secretaria, com o salário de R$ 3.461,96.

Ao UOL o jurista e ex-procurador de Justiça Lenio Luiz Streck explicou que a Constituição Federal estabeleceu o princípio da moralidade, o quer dizer que não pode haver interesse pessoal em nomeações. Segundo ele, apesar de não ser proibido nomear amigos, ou amigos dos amigos, há um problema ético.

"Quem lida com o interesse e patrimônio público deve, também, seguir padrões éticos esperados em determinada comunidade. A fronteira interpretativa é tênue. O princípio da moralidade veio para estabelecer os bons costumes como regra da administração pública", afirmou.

Para o jurista, se for comprovado algum interesse pessoal nas nomeações por parte do MP, os atos devem ser anulados, pois é o órgão do qual "mais se espera em termos de cuidado com a moralidade".

"O ato atende ao interesse público mais do que o interesse de quem nomeou? O ato de nomeação é moralmente aceitável? Resposta negativa a qualquer dessas perguntas dá ensejo à anulação do ato. Não conheço os casos. Falo em tese. O MP é o guardião da legalidade e do princípio da moralidade. E moralidade é também legalidade", disse.

Questionada sobre as nomeações, a assessoria da PGR respondeu que "nos termos da Constituição, das Leis e do Estatuto dos Servidores Públicos, os cargos em comissão são de livre nomeação e exoneração em todas as esferas da administração pública federal, estaduais, distrital e municipais, nos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, observados tão somente os requisitos do ordenamento jurídico vigente".

Além disso, afirmou que todos os ex-procuradores-gerais da República, secretários gerais, coordenadores de câmaras e as unidades do MP brasileiro têm cargos providos por critérios técnicos e de confiança do gestor, submetidos à fiscalização do TCU (Tribunal de Contas da União).

Também disse que os funcionários contratados citados da reportagem "têm qualificação para o desempenho das atribuições a eles conferidas" e que estão em exercício na PGR cumprindo jornada regular.

A assessoria não comentou os vínculos dos funcionários com os procuradores citados. Questionada se os nomeados gostariam de falar sobre as suas contratações, o órgão respondeu que as indicações seguiram critérios técnicos e profissionais, não havendo relação pessoal, "portanto, não haverá posicionamento em relação à sua abordagem".