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Democracia e Diplomacia

Análise: Existe eleição em SP com pandemia. E como vai a desinformação?

Celular traz na tela a expressão "fake news" - Reprodução
Celular traz na tela a expressão "fake news" Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

11/01/2021 04h00

Por Tathiana Senne Chicarino e Rosemary Segurado

Nos últimos anos, o termo fake news vem ocupando lugar privilegiado no debate público. Reconhecendo sua importância, o Programa Renascença apresenta, logo na abertura de suas metas, a necessidade de "trabalhar para o estabelecimento de regimes internacionais inclusivos e justos em questões digitais, inclusive em matéria de governança de redes, privacidade da informação, segurança cibernética, democratização do acesso, combate à desinformação e ao discurso do ódio e defesa da liberdade de expressão".

Para entendermos um pouco mais esse fenômeno sociopolítico, destacamos dois eventos ocorridos em 2016: o plebiscito pela saída da União Europeia por parte do Reino Unido (Brexit), quando houve a construção de opinião pública contrária à imigração — como nos alertou Manuel Castells — a partir de um intenso processo de desinformação nas mídias digitais; e a eleição estadunidense de Donald Trump, quando o então candidato e posteriormente presidente passou a utilizar o termo fake news para acusar opositores políticos e a imprensa profissional de mentirem, de inventar narrativas apenas para atingi-lo.

O fenômeno não tardou a migrar do norte global para o Brasil. As eleições presidenciais de 2018 não foram marcadas apenas por mentiras e boatos, mas sobretudo pelo emprego sistemático de desinformação com o uso de técnicas sociopolíticas de ativação de sentimentos como raiva, indignação e medo, sedimentando um discurso de ódio capaz de fomentar ainda mais o maniqueísmo na política, em uma disputa entre bem e mal.

Embora parte dos políticos e da imprensa profissional diga que as fake news sempre existiram, é preciso fazer algumas importantes diferenciações nas disputas eleitorais, quando se busca influenciar e/ou construir certa opinião pública.

Sem pretender esgotar esse complexo assunto, de início destacamos a centralidade das mídias digitais no fluxo informacional contemporâneo, o que possibilita uma escala de propagação intensa com alcance não apenas local, mas também global. Por ser difícil delimitar o que é intencionalmente falso ou duvidoso e quais os níveis de construção desse falseamento, trocamos o termo fake news por desinformação.

Há também o aspecto econômico-político. Esse fluxo se faz via mídias digitais, que têm em suas plataformas um modelo de negócios baseado na mediação algorítmica. Há, portanto, uma curadoria, um controle sobre o que vemos, sem que saibamos os critérios além do uso de nossos dados.

Finalmente trazemos a discussão sobre a lógica de produção da desinformação. Sim, não é tudo espontâneo, trata-se de estratégia política que se inicia com a criação profissional de conteúdos (textos, memes, imagens, testemunhos); é retroalimentada por disseminadores, que podem ser apoiadores orgânicos, trolls, social bots e bots, e em menor medida os indignados; e reforçada pelos motivadores, tais como políticos e influenciadores digitais, capazes de causar um efeito-demonstração no comportamento de uma base apoiadora ou mesmo simpatizante.

Essa lógica de produção de desinformação preocupa e mobiliza a comunidade científica. Buscando compreender a dieta informacional dos brasileiros e os possíveis impactos de sua recepção, ou nos possíveis disseminadores, pesquisadores do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC-SP realizaram, entre o primeiro e o segundo turno das eleições municipais, estudo ouvindo eleitores entre 16 e 55 anos do município de São Paulo Estavam divididos em dois perfis: conservadores e progressistas.

Foram realizados grupos de discussão e entrevistas em profundidade e os resultados preliminares trazem notícias boas, outras não muito boas e algumas muito preocupantes. É importante destacar que a pesquisa teve como foco específico a realidade paulistana. Observamos sim uma tendência, mas as informações não podem ser generalizadas para todo o país.

Começando pelas boas notícias, verificamos que as pessoas estão com postura mais atenta frente às informações que recebem, adotando formas mais cuidadosas de consumo de notícias. Vários entrevistados externaram uma espécie de saturação em relação ao pleito de 2018, quando declararam ter havido brigas com familiares, amigos, colegas de trabalho, e que não queriam viver novamente as mesmas situações.

A conduta da checagem de informações foi mencionada por parte dos entrevistados que demonstraram estar mais preocupados com as fontes das notícias - e aqui notamos uma diferença entre progressistas e conservadores. Enquanto o primeiro grupo diz buscar informações na imprensa profissional, o grupo de conservadores expressou desconfiança em relação aos grandes meios, acessando informações em portais de notícias, ou sites hiperpartidários, sendo que alguns dos mencionados são conhecidos por divulgarem notícias falsas.

A pandemia apareceu em vários depoimentos e o grande volume de notícias duvidosas, fraudulentas e falsas estava entre as principais preocupações. Essa apreensão pode ser confirmada com o trabalho que as agências de checagem vêm desenvolvendo desde o início da crise sanitária, que mostra grande circulação de informações sem base factual.

Os entrevistados associaram notícia falsa à mentira e se mostraram preocupados com o aumento de sua circulação por potencialmente resultar em prejuízo à vida das pessoas. Nós, pesquisadoras e pesquisadores, vamos além e levantamos o alerta em relação à nossa tão jovem democracia. Além de ser caracterizada pela existência de instituições que buscam organizar a política (a distribuição de poder) é também uma concepção de organização da vida social, ou sobre como vivemos juntos! E para isso é preciso que sejam estabelecidos pactos de confiança nas informações, nas instituições e mediações.

*Tathiana Senne Chicarino é Cientista Política. Doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP. Professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo; Rosemary Segurado é Cientista Política. Pós-doutorado em Comunicação Política pela Universidade Rey Juan Carlos de Madrid. Doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP. Professora do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo; Além das autoras, integram a equipe do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política da PUC-SP: Carlos Raices, Cláudia Ferraz, Desirèe Luíse Lopes Conceição, Fabrício Amorim, Flávia Ayres Loschi, João Paulo Rodrigues Conde da Silva, Kátia Marchena, Laura Frare.