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Diogo Schelp

Ministros militares arriscam reputação na defesa de Bolsonaro

Os ministros Walter de Souza Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos - Marcos Corrêa/Presidência da República
Os ministros Walter de Souza Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos Imagem: Marcos Corrêa/Presidência da República

Colunista do UOL

13/05/2020 12h15

Os generais que compõem o governo de Jair Bolsonaro reagiram com indignada contundência às informações, veiculadas pela imprensa, de que alinharam o discurso para reforçar a versão do presidente sobre o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, que precipitou a saída do ex-ministro da Justiça Sergio Moro do cargo.

O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, um dos integrantes do governo que depuseram nesta terça-feira (12) aos delegados do inquérito que apura a suspeita de que Bolsonaro queria trocar o diretor da Polícia Federal para acobertar investigações sobre sua família, escreveu no Twitter: "Não alinhei minha versão com ninguém."

O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, colocou a reputação de seus companheiros de farda nos seguintes termos, também no Twitter: "Quem alinha discurso é bandido. Homens de honra, como Augusto Heleno, Braga Netto e Ramos, falam a verdade e cumprem a missão."

O general Walter Braga Netto é ministro da Casa Civil e o general Luiz Eduardo Ramos é ministro-chefe da Secretaria de Governo. Os dois, além de Heleno, também deram depoimentos sobre o caso nesta terça-feira. A declaração de Mourão coloca os três em uma situação de tudo ou nada. Se ficar comprovado, pela análise do vídeo da reunião ou de outras provas quem venham a surgir, que distorceram ou ocultaram a verdade dos fatos para dar veracidade à versão de Bolsonaro (de que sua preocupação era com a segurança da família, não com investigações contra seus filhos), terão a imagem de "homens de honra" abalada.

A estratégia do Palácio do Planalto, corroborada pelo que se sabe dos depoimentos dos ministros militares e pelas declarações públicas de Bolsonaro nos últimos dias, é a de alegar que Moro entendeu mal a cobrança feita pelo presidente na tal reunião ministerial. A reclamação do presidente seria geral e, na questão específica que foi interpretada como uma cobrança à PF, se dirigia na verdade ao GSI do general Heleno.

O problema dessa versão é que ela não se encaixa em outros fatos conhecidos. Um deles é a troca de mensagens de celular entre Bolsonaro e Moro, em que o presidente envia ao então ministro uma reportagem sobre as investigações da PF sobre fake news, que estariam chegando a deputados de sua base aliada (entre os quais o filho e deputado federal Eduardo Bolsonaro), e comenta em seguida: "Mais um motivo para a troca." As mensagens foram enviadas na manhã do mesmo dia da fatídica reunião ministerial.

Outro fato complicador é o de que Bolsonaro foi explícito, em outras ocasiões, em sua intenção de trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, sem apresentar para isso uma justificativa plausível. Bolsonaro diz que queria mais eficiência daquela superintendência, mas o delegado Saadi demonstrou em seu depoimento, nesta segunda-feira (11), que o índice de produtividade melhorou sob sua gestão.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alertou, nesta terça-feira, para o risco de os militares passarem "a ter gosto pelo poder". Na Venezuela, como já descrevi aqui e aqui, esse gosto pelo poder levou à corrosão dos valores das Forças Armadas daquele país e acabou dando sustentação à ditadura chavista.

Esse risco pode ser exemplificado pela história do general venezuelano Raúl Baduel, a quem entrevistei em 2008, em Caracas. Baduel foi o responsável por reverter o golpe de estado que tirou brevemente Hugo Chávez do poder, em abril de 2002. Posteriormente, ocupou o cargo de ministro da Defesa e compôs o núcleo mais próximo do presidente venezuelano até que, em 2007, rompeu com o chefe por discordar de seus planos de concentrar poder, em desrespeito à constituição do país.

O legalismo de Baduel lhe custou caro. Ele foi preso em 2009, libertado em 2015, e novamente encarcerado em 2017. Permanece até hoje em presídio de segurança máxima, o que faz dele um dos presos políticos mais longevos do regime chavista.

A lição do caso Baduel é a seguinte: quanto mais comprometidos com os meandros e conchavos dos bastidores do poder os militares se tornam, mais eles se afastam de suas responsabilidades constitucionais — e se transformam em alvos fáceis quando tentam recuperar sua reputação.