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Diogo Schelp

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro politiza remédio israelense como fez com a hidroxicloroquina

Bolsonaro exibe caixa de cloroquina: começou de novo - Reuters
Bolsonaro exibe caixa de cloroquina: começou de novo Imagem: Reuters

Colunista do UOL

12/02/2021 11h33

Dito e feito. Bastaram as notícias de que pesquisadores israelenses descobriram, em testes preliminares, que um remédio contra o câncer mostrou-se capaz de ajudar na recuperação de pacientes em estado moderado ou grave de covid-19 para o presidente Jair Bolsonaro anunciar que já se prepara para negociar com o governo de Israel uma maneira de importar o medicamento.

O filme a que estamos assistindo é "Hidroxicloroquina: A Missão". O governo brasileiro começou a mudar sua narrativa em relação ao remédio para malária e artrite, que vinha indicando e promovendo ativamente para o chamado "tratamento precoce" da covid-19, apenas no mês passado, com muito atraso em relação aos diversos estudos que há meses vêm sendo divulgados sobre a ausência de eficácia comprovada contra o coronavírus.

O que Bolsonaro e o Ministério da Saúde dizem agora é que a hidroxicloroquina e outros medicamentos sem comprovação científica de eficácia eram distribuídos normalmente e que não forçaram a barra para que fossem prescritos para a covid-19.

Mentira. Há inúmeros registros dessa promoção irresponsável desses medicamentos.

O governo Bolsonaro passou também a dizer que sempre se preocupou com medidas que disponibilizassem vacinas contra o novo coronavírus o mais rápido possível para a população. Essa história também não colou. Bolsonarou atuou contra a vacina, e isso está comprovado não apenas em declarações suas, mas também em inúmeros atos de seu governo.

Agora o presidente repete o enredo com o EXO-CD24, um remédio experimental contra o câncer que, segundo pesquisadores do centro médico Ichilov, em Israel, evita uma resposta exacerbada do sistema imunológico à covid-19.

O medicamento aparentemente evita, segundo os israelenses, a chamada "tempestade de citocina", a liberação em excesso, pelo organismo, de moléculas que provocam um processo inflamatório, especialmente nos pulmões.

Trata-se de um dado promissor, assim como há em relação a outros medicamentos que estão sendo testados.

O problema é que o estudo foi feito com um número muito reduzido de pacientes, apenas 30, e sem grupo de controle. Ou seja, os resultados não foram comparados com um grupo de pacientes em condições semelhantes que não recebeu o medicamento.

Para se ter uma ideia, um ensaio clínico feito no Brasil em alguns dos melhores hospitais do país que não encontrou eficácia da hidroxicloroquina em pacientes com covid-19 contou com a participação de 667 pacientes, divididos entre os que receberam o medicamento e os que não receberam. É esse tipo de estudo que consegue melhor confirmar a eficácia ou não de um tratamento.

Ao afirmar que já quer importar o EXO-CD24 para uso imediato, antes que estudos mais robustos sejam feitos, Bolsonaro está mais uma vez politizando um remédio, pois coloca médicos e cientistas contra a parede: quem questionar a promoção de um remédio sem eficácia comprovada vai ser taxado de opositor, de estar contra o presidente ou de estar torcendo para o vírus.

Cientistas sérios, no Brasil e no exterior, continuam buscando uma cura para a covid-19. Espera-se que encontrem o mais rápido possível.

Mas colocar o carro na frente dos bois, a suposição da cura na frente da confirmação da cura, serve apenas de cortina de fumaça para fins eleitoreiros ou políticos.