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Diogo Schelp

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

A crítica ao ativismo judicial tornou-se desculpa para abusos de poder

Moradores protestam contra operação policial no Jacarezinho - Reprodução/Twitter
Moradores protestam contra operação policial no Jacarezinho Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista do UOL

07/05/2021 15h21

A crítica ao ativismo judicial está presente em todo o espectro político, da esquerda à direita. Quando Luiz Inácio Lula da Silva se tornou réu e depois foi condenado e preso por corrupção e lavagem de dinheiro, o Judiciário foi acusado de ser um "órgão ativista" por apoiadores do ex-presidente. Mais recentemente, a expressão tornou-se mais comum na boca de bolsonaristas. Jair Bolsonaro já reclamava de "ativismo judicial" durante a campanha eleitoral de 2018, quando foi eleito presidente. Em agosto daquele ano, ele afirmou que uma denúncia por apologia ao estupro contra ele era uma tentativa de tirá-lo da disputa "no tapetão, no ativismo judicial".

O papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na pandemia, assegurando a autonomia de estados e municípios na adoção de medidas sanitárias, e em episódios como o da prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSLRJ) tem rendido aos seus ministros o epíteto de "ativistas judiciais".

O incômodo das hostes bolsonaristas com a atuação da corte constitucional do país é tal que a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e ela própria alvo de um inquérito no STF por apoio a atos antidemocráticos, tenta colocar em votação dois projetos de lei para acabar com o ativismo judicial do tribunal.

"Não quero o STF interferindo nas minhas funções de parlamentar", disse Bia Kicis em fevereiro. Um dos projetos de lei que avança na CCJ, o PL 11.270/2018, impede os ministros da corte de conceder medidas cautelares monocráticas em ações diretas de inconstitucionalidade.

O problema no governo Bolsonaro é que é difícil saber onde começa o ativismo judicial e onde começa o abuso que obriga a Justiça a tomar providências extraordinárias. Quando o presidente tenta boicotar políticas de controle de uma doença que já matou quase meio milhão de cidadãos, como o Poder Judiciário, provocado pela sociedade, por partidos ou pelo Ministério Público, poderá se omitir?

Sem dúvida há excesso de voluntarismo em algumas decisões judiciais. Mas a crítica ao "ativismo judicial" — termo que assume geralmente conotações negativas, mas que possui defensores no meio jurídico — vem servindo de desculpa para atos abusivos das autoridades.

O mais recente deles foi a justificativa oferecida pela Polícia Civil do Rio de Janeiro para a morte de 24 suspeitos em operação policial realizada nesta quinta-feira (6) na favela do Jacarezinho, na capital do estado.

"O ativismo perpassa uma série de entidades e grupos ideológicos que jogam contra o que a Polícia Civil pensa", disse o delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil. Questionado pela reportagem do UOL, apesar de ter usado a expressão "ativismo judicial", ele negou que estivesse se referindo ao STF.

Em uma cidade como o Rio de Janeiro, em que organizações criminosas ocupam grandes espaços urbanos, não se pode impedir a polícia de combatê-las. Mas as forças de segurança devem tratar os indivíduos como suspeitos, não como culpados. Não lhes cabe julgar, estabelecer uma pena e executá-la sumariamente.

Quando isso ocorre, não é o ativismo judicial que está atrapalhando o trabalho policial. É a cultura do abuso de poder que está colocando a polícia do lado errado da lei.