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Diogo Schelp

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Bolsonaro só tinha a ganhar na crise envolvendo Pazuello

Pazuello no ato de apoio a Bolsonaro - Reuters
Pazuello no ato de apoio a Bolsonaro Imagem: Reuters

Colunista do UOL

04/06/2021 15h55

Descartada a punição ao general Eduardo Pazuello por descumprir o regramento que proíbe a atuação política dos militares, Jair Bolsonaro fica ainda mais à vontade para chamar o Exército Brasileiro de "meu exército".

Antes, o uso do pronome possessivo e a ameaça de colocar as tropas na rua contra governadores que impusessem medidas de restrição na pandemia podiam até parecer não mais do que piadas de mau gosto do ex-capitão indisciplinado. Agora, porém, a coisa ficou séria.

Com a crise provocada pela participação de Pazuello em uma passeata de motoqueiros e de um comício em favor de Bolsonaro no último dia 23, no Rio de Janeiro, a neutralidade política das Forças Armadas foi colocada em dúvida.

Nas duas conclusões possíveis, o episódio só tinha como resultar em ganhos para Bolsonaro, que está seguindo os passos do venezuelano Hugo Chávez na estratégia de cooptação das Forças Armadas para o seu projeto político.

Se o comandante do Exército, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, decidisse punir Pazuello, como vinha defendendo a maioria do Alto Comando, ele tornaria insustentável sua própria permanência no posto.

Afinal, Bolsonaro já havia deixado claro que não considerava que Pazuello havia cometido uma infração e, segundo a Folha de S.Paulo, disse explicitamente ao comandante do Exército que não aceitaria uma punição.

O presidente, na qualidade de comandante supremo das Forças Armadas, trataria de reverter a punição — e o general Paulo Sérgio se veria na obrigação de apresentar sua renúncia.

Vitória de Bolsonaro, que teve que nomear o general a contragosto para o comando do Exército na última crise com os militares, em março, quando exigiu a demissão do então ministro da Defesa, Fernando Azevedo, por sua insistência em tratar as Forças Armadas como uma instituição de Estado, subordinada à Constituição, não a um projeto político.

O nome preferido de Bolsonaro para o Exército era o general Marco Freire Gomes, amigo de Luiz Eduardo Ramos, ministro da Casal Civil.

Mas, pelo critério de antiguidade, teve que escolher entre Paulo Sérgio e outros dois nomes, um dos quais estava prestes a ir para a reserva e o outro havia trabalhado com a ex-presidente petista Dilma Rousseff.

Bolsonaro acabou acatando o nome de Paulo Sérgio, apesar de antes mesmo da sua nomeação ter se irritado com uma entrevista em que o general afirmou ter controlado a contaminação por covid-19 no Exército por meio de isolamento social.

A renúncia de Paulo Sérgio abriria a possibilidade de Bolsonaro indicar para o posto o seu preferido, o general Gomes.

No outro desfecho possível para o episódio, que acabou se confirmando, o general Paulo Sérgio dobrou-se à vontade de Bolsonaro, calculando que com isso está contornando uma crise de menor gravidade para garantir as rédeas do Exército em uma eventual circunstância mais grave, mais para frente.

Mas, com isso, Bolsonaro se saiu vitorioso, pois a falta de punição a Pazuello abre precedente para que militares em todos os níveis descumpram a regra de manter-se longe de atos políticos.

A indisciplina e a quebra de hierarquia servem aos propósitos políticos de Bolsonaro, que conta com a simpatia de militares, especialmente no baixo oficialato.

Na crise envolvendo Pazuello, Bolsonaro só tinha a ganhar.