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Jamil Chade

Inquérito sobre desvios entre Brasil e Venezuela esbarra em decisão do STF

Getty Images
Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

29/10/2019 04h00

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Documentos e extratos bancários de contas na Suíça apontam para a existência de um esquema que poderia estar desviando milhões de dólares a partir de exportações brasileiras para a Venezuela.

As informações, segundo a coluna apurou, foram enviadas ao Brasil de forma confidencial pelo Ministério Público de Berna, em julho. Mas, por ter inicialmente contado com dados da Receita Federal, o inquérito foi suspenso. Por precaução, a Justiça brasileira interrompeu o caso depois que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, mandou suspender processos que usavam informações da Receita Federal ou do Coaf.

A decisão de Toffoli, ainda em julho, foi tomada depois de um pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Ele é alvo de uma apuração que teve origem nas suspeitas levantadas por conta de movimentações atípicas nas contas de seu ex-assessor, Fabrício Queiroz.

Uma decisão no STF será tomada apenas no final de novembro, o que poderia reiniciar o andamento de processos pelo país.

Mas, por enquanto, o que sua ação causa é a impossibilidade de ir adiante com investigações sobre a corrupção venezuelana no fluxo de exportações do Brasil.

No centro do esquema está a suspeita de superfaturamento nas exportação de máquinas agrícolas produzidas no Brasil e vendidas para a Venezuela. Oficialmente, quem importava esses bens era a PDVSA Agrícola, um braço da gigante do setor de petróleo. Foi sob o governo do presidente Hugo Chavez que a estatal se expandiu para outros setores da economia.

Mas a suspeita é de que o comércio entre Brasil e Venezuela também enriqueceu funcionários do regime chavista. Por meio de cobrança de propinas, os documentos suíços apontam como apenas um dos líderes do esquema embolsou US$ 26 milhões em contas secretas em três anos, mais de R$ 104 milhões. Mas o esquema envolveria ainda outros suspeitos.

Em troca de dar contratos a exportadores brasileiros, a elite de Caracas recebia sua parte, em contas em Genebra. Sobre o valor da exportação, incidiam comissões de até 40%. Desses 40%, a suspeita é de que boa parte era destinada ao pagamento de propinas.

De acordo com os documentos, um grupo ligado ao presidente da PDVSA era quem recebia os valores entre 2011 e 2013. Quando a presidência muda, os pagamentos continuaram. Mas, desta vez, para contas nos EUA.

Fontes ligadas ao processo confirmam que, diante das investigações, o principal banco envolvido na Suíça agiu de forma exemplar. Numa análise de compliance, o banco identificou a suspeita de que o dinheiro tinha origem em um esquema criminoso e determinou o encerramento das contas.

Os suspeitos, então, transferiram o dinheiro a outro banco para continuar a operar. Por enquanto, nem os suíços e nem o MP no Brasil revelam os nomes dos venezuelanos envolvidos para preservar a investigação.


Receita

No caso venezuelano, o processo começou em 2014, com a Receita Federal suspeitando de um súbito aumento de receita de uma empresa de Passo Fundo (RS). Entre 2010 e 2011, a receita da empresa no Brasil - a América Trading - aumentou de R$ 13 milhões para R$ 251 milhões por conta de exportações de produtos agrícolas para a Venezuela.

Mas a apuração também identificou um salto importante em pagamentos de comissões por serviços de consultoria, jamais realizados.

Segundo a Polícia Federal, a empresa América Trading havia conseguido um contrato para fornecer insumos agrícolas para a estatal venezuelana no valor de US$ 320 milhões. Cabia à empresa brasileira comprar máquinas no mercado doméstico, exportar para a Venezuela e, la, eram repassados para a PDVSA.

Em Caracas, quem recebia as máquinas e as repassava para a estatal era a Tracto América. As investigações, porém, mostraram que o mesmo dono da América Trading no Brasil era sócio oculto da Tracto América, em Caracas.

Com os detalhes de pagamentos, a cooperação entre Brasil e Suíça começou em setembro de 2017, quando a Procuradoria da República no Rio Grande do Sul solicitou a ajuda das autoridades em Berna para desvendar o esquema.

Ainda em 2017, a Polícia Federal deflagrou uma operação de busca e apreensão. A suspeita era de que os contratos com a PDVSA eram superfaturados. A diferença entre o que era pago ao fornecedor no Brasil e o que de fato era desembolsado pela estatal venezuelana era enviada para fora do país, em contas secretas.

Com os novos documentos enviados ao Brasil, a suspeita principal é de que esse dinheiro alimentou contas de funcionários de alto escalão da PDVSA Agrícola.

Ainda no ano passado, no dia 13 de outubro, contas na Suíça foram bloqueadas com R$ 11,1 milhões.

Uma segunda conta, também identificada pelos suíços em nome de um operador, revelou novas transferências entre maio de 2013 e fevereiro e 2016, quando foi encerrada. No primeiro ano, ela recebeu US$ 3,7 milhões da primeira conta identificada, além de outros US$ 8 milhões de outras fontes. Outros dois depósitos de US$ 2,6 milhões e US$ 6,5 milhões também foram detectados.

Procurada, a PDVSA não respondeu aos emails da reportagem solicitando comentários.