Topo

Jamil Chade

OMS agradece Mandetta e pede que Brasil tome decisões com base em evidência

Luiz Henrique Mandetta joga álcool gel na mão de Jair Bolsonaro durante entrevista coletiva - Foto: Adriano Machado
Luiz Henrique Mandetta joga álcool gel na mão de Jair Bolsonaro durante entrevista coletiva Imagem: Foto: Adriano Machado

17/04/2020 14h24Atualizada em 20/04/2020 12h15

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Num gesto que foi interpretado como um recado ao presidente Jair Bolsonaro, a OMS agradeceu ao ex-chefe da Pasta de Saúde, Luiz Henrique Mandetta, pelo seu serviço ao povo brasileiro e apelou para que o governo tome suas decisões com base em evidências. "Gostaríamos de agradecer ao ministro pelo serviço à população", disse Michael Ryan, chefe das operações da OMS. "Sabemos que o presidente do Brasil trocou de ministro", disse.

Em uma declaração nesta sexta-feira, Ryan insistiu que uma resposta à pandemia deve ser realizada por todo o governo e toda a sociedade. "É essencial, entretanto, que não só o Brasil, mas todos os governos, tomem decisões baseadas em evidências e tenham uma resposta do governo inteiro e da sociedade inteira ao responder à pandemia de Covid-19", continuou Ryan. "Todos temos o dever de proteger nossas populações mais vulneráveis", declarou.

A referência ao ex-ministro e o alerta sobre tomar medidas sem base científica foram consideradas por funcionários internos na agência e diplomatas como um recado claro ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro.

Segundo Ryan, por meio de seu escritório nas Américas, a OMS ajudou o Brasil a comprar testes e diagnósticos. Os primeiros carregamentos, segundo ele, chegariam na semana que vem. Ele também indicou que vai continuar a fornecer apoio científico ao Brasil.

"A Opas, nosso escritório regional nas Américas, tem apoiado o Brasil, em preparação e resposta à Covid-19, desde janeiro. E tem ajudado o Brasil a comprar milhões de testes para expandir a capacidade de diagnóstico. A primeira leva deve chegar na semana que vem", disse Ryan.

"Nós queremos focar em fornecer apoio técnico, operacional e científico ao Brasil. E fazer isso consistentemente, sem falhas, em apoio ao Brasil e em todos os países da América do Sul e Central, e das Américas como um todo", completou.

Nesta semana, Bolsonaro demitiu Luiz Henrique Mandetta da chefia da pasta da Saúde, e um dos motivos foi a insistência do ex-ministro de seguir as recomendações da OMS. Ele foi substituído por Nelson Teich.

No ano passado, o então chefe da pasta tinha causado uma boa impressão durante os encontros da agência mundial, em Genebra. Diante da imagem do governo brasileiro no exterior e de posições polêmicas do chanceler Ernesto Araújo, da ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, e do próprio presidente Jair Bolsonaro, Mandetta conseguiu impôr uma agenda "moderada" em sua passagem pela OMS.

Mas, desde o início da crise mundial, vozes dentro da agência temiam que uma postura do Brasil de negação da gravidade do vírus acabasse afetando os esforços internacionais. Mandetta era, porém, uma espécie de garantia de que havia uma pressão interna para que as recomendações da OMS fossem seguidas. Agora, o temor é de que a versão ideológica do governo ganhe força, minando a resposta ao vírus.

Ao longo das últimas semanas, o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreysus, vem apelando para que políticos estabeleçam alianças até mesmo com seus adversários e que não politizem a luta contra o vírus. "Coloquem a politização em quarentena", pediu.

Para ele, esse não é um assunto que deva ser usado para ganhar ou perder áreas de influência e solicitou que partidos ignorem suas diferenças para salvar vidas.

Seu alerta ainda é de que divisões políticas contribuem para abrir brechas para que o vírus possa ganhar força e insiste que, num momento de crise, políticos precisam trabalhar de mãos dadas com aqueles com os quais jamais pensou em cooperar.

Vírus pode ser controlado

Nesta sexta-feira, durante a coletiva de imprensa em Genebra, a OMS ainda insistiu que, apesar de mais de 2 milhões de casos registrados, o vírus ainda tem como ser controlado. "Conter é possível", disse a diretora técnica da OMS, Maria Van Kerkhove. "Tivemos casos de países que controlaram a doença e não apenas na Ásia", afirmou.

"Vai ser uma luta dura. Mas é possível. Precisamos fazer mais. E testar mais e dar recursos para isso", defendeu. "Esse vírus é controlável", garantiu. Apesar do tom de esperança, a OMS insistiu que cabe aos governos relatar o mais rapidamente possível seus números para que a entidade saiba a "dimensão e escala do problema". Nesta sexta-feira, a China apresentou os novos números de mortes no país, revendo o total de forma importante para cima.

Sem criticar a China, Ryan insistiu que governo acelerem sua contabilização de casos. Mas a entidade estima que, assim como ocorreu na China, tal revisão no números de mortos para cima também vai ocorrer em outros países.

Tedros ainda deixou claro que está preocupado com um salto de 51% nos casos registrados na África e um aumento de 60% nas mortes, em apenas uma semana. Segundo ele, um dos desafios é conseguir testar as pessoas e indicou que um milhão de kits serão distribuídos.

Mas o etíope admitiu que, diante da falta de recursos, tudo indica que o número real de pessoas infectadas na África seja bem maior.

Outro desafio é a existência de mercados livres, com animais sendo vendidos em péssimas condições sanitárias. Segundo Tedros, 70% dos vírus tem origem animal e, portanto, tais locais apenas podem ser reabertos se contarem com rigoroso controle sanitário.

Show e dinheiro

Na semana em que o governo americano de Donald Trump anunciou a suspensão de pagamentos para a OMS, Lady Gaga assumiu a responsabilidade de arrecadar recursos e, neste sábado, realiza um show virtual com nomes como Rolling Stones, Paul McCartney e Billy Joel.

Segundo ela, US$ 15 milhões já foram coletados no esforço de arrecadação, com grandes multinacionais anunciando doações.

"A luta é uma que o mundo inteiro vai ter de fazer junto", disse a cantora, que revelou que escreveu uma "carta de amor" para profissionais de saúde e todos aqueles que estão trabalhando, enquanto o mundo está em quarentena. "Sou uma ítalo-americana patriota. Mas também sou uma cidadã do mundo", completou.

Sob fortes ataques por sua gestão da crise, Tedros Ghebreyesus foi chamado pela cantora como "um verdadeiro super star". "O que o mundo precisa é de amor e solidariedade para derrotar esse inimigo perigoso", respondeu o diretor.

Ao longo de sua conferência de imprensa, ele ainda tentou dar uma demonstração de que não está isolado e relatou como falou nos últimos dias com os presidentes da França, África do Sul, da Comissão Europeia e Bill Gates sobre como garantir acesso a tratamentos para todos.