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Jamil Chade

OMS já considera que, sem vacina, sociedade terá de conviver com vírus

 Lucas Ninno/Getty Images
Imagem: Lucas Ninno/Getty Images

Colunista do UOL

24/04/2020 04h04

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Nos bastidores e sem fazer enormes anúncios, técnicos da OMS (Organização Mundial da Saúde) e mesmo de certos governos começam a trabalhar com a ideia de que o mundo terá de aprender a conviver com o coronavírus. Pelo menos até que uma vacina chegue ao mercado, o que só deve ocorrer a partir de meados de 2021 — daqui um ano.

Nesta semana, um sinal disso foi revelado por Michael Ryan, diretor de operações da agência, que defendeu um "novo normal na sociedade até termos soluções mais permanentes". Ou seja, uma vacina.

Ao longo dos últimos dias, líderes passaram a introduzir algumas dessas mensagens em suas declarações formais. O diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, por exemplo, foi claro em alertar que o vírus "vai estar conosco por um longo tempo".

Dias antes, ele alertou que, "em última instância, vamos precisar de uma vacina" para controlar a pandemia.

A chanceler alemã, Angela Merkel, foi a primeira a declarar abertamente que estamos apenas no "início" da pandemia.

Se inicialmente existia uma mensagem enfática de que o vírus poderia ser contido, dentro da OMS o discurso hoje começa a mudar depois do registro de mais de 2,5 milhões de casos. Por semanas, enquanto o número de casos no exterior não chegavam a mil, a organização insistia que ainda havia uma "janela de oportunidade" para que governos pudessem se preparar.

Mas a falta de preparação de muitos países, o negacionismo por parte de certos líderes, a velocidade de transmissão do vírus e o desafio de lidar com a pandemia em zonas pobres passaram a moldar uma nova resposta.

A agência não abandonou a meta do controle, mas ficou claro que a tarefa não será cumprida totalmente no curto prazo. Surpreendeu a OMS o fato de que países que controlaram a transmissão viram o ressurgimento do vírus. Isso por conta de uma parcela significativa da população não estar imunizada.

Só quarentena não vai acabar com o vírus

Internamente na entidade, a constatação é de que as quarentenas funcionaram. Mas, por si só, não vão acabar com vírus. Elas darão tempo para que governos se preparem para lidar com o fluxo, identificar cada caso e isolar todos, além de fortalecer seus sistemas de saúde. Só assim estaria garantido que grandes surtos sejam transformados em episódios limitados geograficamente.

Uma das percepções é de que, com a pressão econômica e social pesando, governos vão gradualmente retirando restrições e quarentenas. Mas medidas de distanciamento social continuarão, um dos elementos desse "novo normal".

Isso, em alguns países, já começa a ser implementado. Na França, classes de escolas terão menos alunos e locais de trabalho terão novas regras. Um número de máximo de pessoas dentro de lojas também foi estabelecido em outros países.

Aglomerações não devem ser a regra por meses, pelo menos na Europa. Na Alemanha, a Oktoberfest, com 6 milhões de turistas e receita de 1 bilhão de euros, foi anulada. Madri cancelou todos seus festivais até outubro. Na Suíça, o tradicional Festival de Jazz de Montreux no final de julho também foi anulado.

Futebol em setembro, sem público

Quanto ao futebol, a possibilidade de jogos sem torcida já deixou de ser apenas um dos cenários e passou a ser considerado uma alternativa realista. Na Holanda, o esporte deve voltar a ser disputado em setembro.

Para Ryan, da OMS, trazer de volta eventos esportivos ou qualquer grande evento vai exigir um planejamento cuidadoso. "Entidades e governos terão de avaliar sobre como devem se adaptar", alertou.

Ele admitiu, porém, que ainda que a ciência tenha de pautar as decisões, medidas terão de se adaptar à vida prática. "Temos de ter um novo contrato social para compartilhar os riscos", disse.

Protestos e distúrbios sociais

Outra preocupação se refere ao impacto profundo que as quarentenas estão tendo entre as camadas mais pobres. Na ONU, o grande temor é de que, sem um apoio sólido a essa população, as restrições gerem "distúrbios sociais" e desestabilizem governos.

Num documento interno das Nações Unidas sobre o impacto da pandemia nos direitos humanos, a entidade admite que falar em lavar as mãos é um desafio para 2,2 bilhões de pessoas que não têm água em casa.

No mundo, 1,8 bilhão ou não tem casa ou vivem em locais inadequados. Distância social, portanto, é apenas um sonho para tal camada da população. "A pobreza é um fator de risco", diz a ONU.

"Temos de encontrar um caminho para o futuro, que equilibre o risco do vírus com o risco para a renda das pessoas", disse Ryan.