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Jamil Chade

Documentos detalham plano da JBS para empresa financeira em Luxemburgo

Organograma da JBS no Projeto Crystal - Reprodução
Organograma da JBS no Projeto Crystal Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

07/07/2020 04h00

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Documentos revelam um plano da JBS para abrir uma empresa financeira em Luxemburgo, considerado como um dos locais na Europa mais vantajosos para multinacionais.

Os irmãos Joesley e Wesley Batista, acionistas da gigante do setor de alimentos, chegaram a ser presos no Brasil e a empresa J&F ainda foi multada em um acordo com as autoridades brasileiras um total de R$ 10,3 bilhões.

De acordo com documentos preparados pela Deloitte e obtidos pela coluna, o projeto europeu é alvo de um detalhamento. No plano, chamado de Crystal e com a data de janeiro 2020 em sua capa, um dos objetivos seria o de "mitigar riscos fiscais" e "exposição". O objetivo: formar uma nova holding, com a transferência de "negócios selecionados".

Pelo projeto, partes da empresa em outros países do mundo seriam transferidas para a nova holding. Numa das transferências, a JBS Wisconsin venderia a JBS USA Leather para a unidade em Luxemburgo. No Canada, a JBS Food Canada venderia a Weddel Limited para a nova JBS Global Luxemburg.

Também haveria a venda da JBS USA Finance para a nova empresa. A transferência de ativos ainda seria de cerca de US$ 5 bilhões.

No cronograma montado pela empresa e seus consultores - e distribuído em 16 de dezembro de 2019 - a data de 13 de fevereiro de 2020 fazia parte de uma ampla agenda de implementação da transferência ao longo de 2020. Ela se referia à assembleia geral extraordinária da empresa.

De acordo com as indicações do documento, uma nova entidade já foi formada em 5 de novembro de 2019, com a JBS Investments Luxemburg Sarl. Num outro trecho de um rascunho de um acordo-padrão, a empresa aparece com um endereço: 8-10 Avenue de la Gare, L-1610, Luxemburgo.

A coluna também obteve informação de que a consultoria contratada pela JBS, a Deloitte, manteve reuniões com as autoridades fiscais de Luxemburgo no início de 2020 para tratar do caso da maior empresa de carnes do mundo. As referências ao encontro fazem parte de um troca de emails entre a consultoria e funcionários da empresa, que pedem em fevereiro uma atualização do andamento do processo.

No dia 15 de janeiro de 2020, por exemplo, um especialista da Deloitte encarregado de temas fiscais envia um email à diretoria jurídica da JBS para informar dos andamentos de encontros em Luxemburgo.

"Queremos informar a vocês que nos encontramos com as autoridades fiscais de Luxemburgo na semana passada e nesta semana para debater vários assuntos", escreveu. De acordo com a mensagem, a consultoria teria avisado às autoridades europeias a importância de se manter o cronograma.

Entre os dias 24 de janeiro e 29 de janeiro, outras trocas de emails entre a empresa e a Deloitte voltam a tocar na questão de Luxemburgo, inclusive sobre etapas do processo e sua conveniência no que se refere aos impostos no país europeu.

Outro trecho da movimentação passa pela Holanda, país que também se transformou em um centro para multinacionais na esperança de reduzir seus impostos. Documentos de consultores contratados pela JBS do final de janeiro revelam, por exemplo, conversas com os responsáveis fiscais do governo holandês, além do Ministério das Finanças.

A abertura de filiais em Luxemburgo está dentro da lei e é uma prática recorrente pelas grandes empresas mundiais. Mas, entre 2014 e 2015, revelações do Consórcio Internacional de Jornalistas apontaram como centenas de multinacionais transferiram seus escritórios financeiros para Luxemburgo, construindo uma complexa estratégia para reduzir de forma dramática seus impostos. O caso ganhou o nome de LuxLeaks, colocando forte pressão sobre o pequeno país europeu e com uma das rendas per capita mais elevadas do planeta. As revelações ainda lavaram o Parlamento Europeu a exigir mudanças nos regimes fiscais.

Em dezembro, uma reportagem da Folha de S. Paulo revelou que a JBS de fato avaliava um projeto em Luxemburgo ou na Holanda, como parte do processo de abertura de capital na Bolsa de Nova York. Naquele momento, o planejamento indicava uma reestruturação da companhia em Luxemburgo ou Holanda. De acordo com a matéria, o escritório de advocacia Lefosse indicou que a abertura de uma filial seria um caminho para o lançamento das ações da companhia na bolsa de Nova York.

Nos novos documentos, as referências às autoridades americanas também fazem parte do planejamento para 2020, ainda que a pandemia tenha transformado todo o cronograma. A programação previa ações na SEC, a Security Exchange Commission.

Empresa diz que não há mudança de sede

Procurada, a JBS afirmou que "não confirma a veracidade dos documentos obtidos pela reportagem". "Em resposta aos questionamentos feitos pela reportagem, a Companhia esclarece que mantém mais de 100 empresas em todo o mundo, incluindo na Europa - onde a JBS tem escritórios ou unidades produtivas em países como Reino Unido, Áustria, Holanda, França, Itália e Alemanha", disse.

"A abertura e o fechamento de escritórios e de empresas fazem parte da natureza dos negócios globais e do dia a dia das Companhias em todo o mundo, de acordo com as suas estratégias e necessidades de mercado, por exemplo", explicou.

Ao responder, a empresa indicou que não existe um plano de mudança de sede. "A JBS emprega diretamente 240 mil pessoas no mundo, sendo 130 mil delas no Brasil, distribuídas em 135 municípios no país. A listagem pretendida pela JBS não altera a sede do grupo ou a localização de suas operações, conforme já foi informado anteriormente", indicou.