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Jamil Chade

Vacina russa não foi incluída em pacote da OMS para distribuição global

Colunista do UOL

13/08/2020 13h57

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Bruce Aylward, chefe do mecanismo da OMS para garantir a distribuição de vacinas no mundo, revela que a nova vacina russa contra a covid-19 não faz parte do portfólio de produtos estabelecidos pelo projeto internacional.

A aliança foi criada em abril com o objetivo de acelerar o financiamento de uma vacina e garantir sua produção e distribuição. Hoje, nove produtos fazem parte do pacote de vacinas consideradas pela agência. Uma vez no mercado, essas vacinas formarão parte de um fundo global e, dali, estoques serão enviados de uma forma igualitária a diferentes partes do mundo.

O representante da OMS voltou a reforçar a ideia de que, por enquanto, a agência mundial não conta com informação adequada para chancelar o produto russo. "Não temos informação suficiente para fazer um julgamento e estamos em contato para entender e ver quais são os próximos passos", disse Aylward.

No total, o mapeamento da OMS aponta que 26 vacinas estão em fase de testes clínicos. Mas, no momento do anúncio do Kremlin no início da semana, a agência internacional indicava que o produto russo estava ainda na fase 1 de testes, de um total de três.

Moscou surpreendeu o mundo ao anunciar o registro do que o presidente Vladimir Putin chamou de a primeira vacina comprovada. Mas a comunidade científica internacional reagiu com hesitação diante da falta de informações e de transparência no processo de pesquisa.

A OMS ainda alertou que a decisão de alguns governos de apostar numa só vacina pode ser arriscada e apela para que seu projeto global de acelerar pesquisas e produção seja financiado. Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, acredita que o mundo precisará de 100 bilhões de dólares para desenvolver e produzir vacinas, tratamentos e diagnósticos.

A coluna revelou na semana passada com exclusividade que o projeto da OMS está sob ameaça, diante da falta de recursos. Apenas num primeiro momento, a agência indica que precisa de 31 bilhões de dólares. Mas conta com apenas 3,8 bilhões. Esses recursos, porém, serviriam apenas para o curto prazo e, no total, o volume exigido poderia chegar a três vezes mais.

Para Tedros, a aliança global é o único instrumento que permitirá que o risco de um fracasso de uma vacina seja mitigado. A lógica é de que, com os custos divididos, a falta de resultados de uma das apostas seria compensada por outra vacina com resultados positivos. "Muitos produtos fracassam. O mundo precisa de muitos candidatos", alertou.

Segundo ele, ainda que o projeto tenha um custo elevado, os 100 bilhões de dólares são muito inferiores aos custos de 375 bilhões de dólares que a pandemia representa para a economia global a cada mês. Para o FMI, a perda acumulada será de 12 trilhões em dois anos. Além disso, Tedros destaca como o G-20 já mobilizou mais de 10 trilhões de dólares para mitigar o impacto da crise.

Para ele, a aliança entre os governos é "o maior estímulo econômico" que pode existir e apelou para que não haja um "nacionalismo de vacinas".


Apostas

A brasileira Mariângela Simão, vice-diretora da OMS e coordenadora da iniciativa sobre vacinas, destacou nesta quinta-feira que, apesar dos acordos bilaterais entre empresas e governos, países terão maiores garantias de acesso à imunização se se somarem ao projeto global. Hoje, já são 166 países na iniciativa.

Para Aylward, é "natural" que cada país queira buscar uma solução para sua população. Mas acabar com a pandemia só vai ocorrer se a distribuição da vacina for global e se houver uma estratégia de imunização.

Caso contrário, o risco é de certos países vacinarem mais de 80% de sua população, contra um número baixo em outros locais. "Há um reconhecimento cada vez maior de que não será suficiente vacinar todas as pessoas num só país", disse.

?"As economias estão interligadas. Não vai funcionar se não houver uma solução global", defendeu.

Outro elemento do projeto é o de começar a conscientizar populações sobre a necessidade de uma vacina. Nos últimos anos, a OMS tem se deparado com a resistência de grupos dentro de uma sociedade que se recusam a receber doses.

Para a agência, isso é um reflexo da desconfiança na ciência, nos governos ou nas instituições. "Isso é algo que teremos de reforçar", admitiu a brasileira.

Mike Ryan, diretor de operações da OMS, alerta que o vírus "tem um longo caminho a queimar, se deixarmos", numa referência ao impacto e disseminação que ele terá.

"Um número muito pequeno de pessoas foi contaminado. A maioria das pessoas continua suscetível", disse. "Temos que fazer escolhas: aglomerações ou escolas? O desafio agora vai ser fazer as boas escolhas", alertou.

Para ele, mesmo em países com números baixos, a vigilância é necessária. "Águas calmas não significam que a tempestade acabou", completou.