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Jamil Chade

EUA querem liderar reforma na OMS com Brasil como aliado e irritam europeus

O presidente dos EUA, Donald Trump, cumprimenta o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, na Casa Branca - Reprodução/Twitter
O presidente dos EUA, Donald Trump, cumprimenta o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, na Casa Branca Imagem: Reprodução/Twitter

Colunista do UOL

23/08/2020 04h01

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O governo dos Estados Unidos quer o apoio do Brasil para reformar a OMS (Organização Mundial de Saúde) e blindar a entidade da influência da China no futuro. A coluna apurou que Washington já enviou a Brasília seu projeto com princípios sobre como recriar as estruturas da agência.

O documento submetido pelo governo americano apresenta um conjunto de propostas para redefinir o papel da OMS. Mas o projeto, elaborado nos últimos meses, abriu uma crise. Os governos de França e Alemanha abandonaram provisoriamente uma negociação no início de agosto diante da insistência de Washington em estabelecer a agenda da reforma e os princípios da nova entidade.

A irritação dos europeus ocorre diante do fato de os EUA estarem adotando uma postura dupla: de um lado, anunciam sua saída da organização e o fim do repasse de recursos. Mas, ao mesmo tempo, querem comandar a reforma da instituição.

A estratégia dos EUA é aprovar seu plano no G7 (grupo das sete maiores economias do mundo) que, neste semestre, é presidido por Donald Trump.

O passo seguinte seria levar a questão ao G-20 e, nesse fórum, os americanos precisariam do apoio de seus aliados para conseguir que sua visão de uma nova OMS seja aprovada. O Brasil, segundo negociadores estrangeiros, seria fundamental para essa etapa. Diplomatas no Itamaraty confirmaram que o documento da proposta americana com princípios foi circulado ao país.

A esperança dos americanos era de que um projeto chancelado pelo G7 e G20 não poderia ser ignorado pela OMS. Ainda que a entidade conte com mais de 190 membros, um pacote proposto pelas maiores economias do mundo teria uma influência decisiva.

Diante da pandemia da covid-19 e da crise mundial, a OMS passou ao centro do debate. A entidade foi acusada de ter demorado para dar uma resposta e de ter sido complacente com a China, até agora apontada como ponto de origem do novo coronavírus. Mas a entidade justifica sua postura diante da dependência que hoje tem de receber a autorização de governos para que possa visitar locais e apurar a existência de surtos.

Além disso, a OMS insiste que, quando declarou emergência internacional no dia 31 de janeiro, menos de cem casos confirmados existiam fora da China.

Europeus temem intenção eleitoreira de Trump

Ainda assim, a agência passou a ser alvo de duros ataques, enquanto o governo de Donald Trump anunciou o fim dos repasses financeiros e sua saída do organismo internacional. Dentro do governo brasileiro, a primeira reação de uma parcela do Itamaraty foi a de rejeitar qualquer papel mais preponderante da OMS numa coordenação internacional diante da pandemia, enquanto o presidente Jair Bolsonaro deixou claro que não seguiria as recomendações da organização.

À medida que a crise se agravou, o Brasil acenou com a possibilidade de fazer parte dos projetos da instituição, inclusive no que se refere a uma vacina contra a covid-19.

Os planos de Trump, porém, podem ser duramente afetados pela ruptura com os europeus. Berlim, que lidera a União Europeia, quer evitar um apoio ao projeto americano, visto como excessivamente crítico à OMS e que poderia apenas servir de plataforma eleitoral ao americano.

No restante dos países do G7, um consenso foi formado de que a pandemia revelou a necessidade de que a OMS passe por uma reforma. Mas, no lugar de esvaziar a agência, isolar a China e criticá-la, a proposta sobre a mesa vai no sentido de fortalecer a agência.

Se Trump escolheu a via da confrontação e com um texto duro de críticas contra a China e a OMS, a França e a Alemanha optam por um outro caminho. Paris e Berlim apresentaram sua ideia de reforma e querem dar maiores poderes, mais dinheiro e independência para a OMS, inclusive para que a entidade possa fazer vistorias e investigar surtos em diferentes países do mundo com maior autonomia.

A percepção é de que, com um orçamento de US$ 2 bilhões, inferior a um grande hospital americano, a agência não tem condições de cumprir sua missão de prevenir uma eventual nova pandemia.