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Jamil Chade

Itamaraty sinaliza apoio à cúpula da OEA que derrubou brasileiro

19.mar.2019 - Presidente Jair Bolsonaro durante encontro com o Secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) em Washington - Alan Santos/PR
19.mar.2019 - Presidente Jair Bolsonaro durante encontro com o Secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) em Washington Imagem: Alan Santos/PR

Colunista do UOL

27/08/2020 19h15

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Resumo da notícia

  • Paulo Abrão foi vetado para o cargo de secretário-geral da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, abrindo crise inédita na entidade
  • Argentina, México, mais de 70 parlamentares e 130 entidades declararam preocupação com veto ao brasileiro

O governo brasileiro sinaliza que considerada que a decisão da cúpula da OEA de vetar o brasileiro Paulo Abrão para o cargo de secretário-geral da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) tem base legal. Abrão foi derrubado do posto por uma decisão do secretário-geral da OEA, Luis Almagro, dirigente máximo da entidade e que foi apoiado há poucos meses pelo Brasil, Colômbia e EUA.

O comportamento do governo brasileiro representa um racha dentro do Mercosul. O governo da Argentina emitiu um comunicado em que se nega a aceitar a ingerência da cúpula da OEA na Comissão, que é o principal órgão de direitos humanos nas Américas. Ainda que vinculada à OEA, ela tem uma ação autônoma.

Abrão foi escolhido para o cargo em 2016 e, neste mês, teria seu mandato renovado. Por unanimidade, a Comissão Interamericana aprovou em janeiro o nome do brasileiro para o período até 2024. Mas, para a surpresa do órgão, o nome do jurista acabou sendo bloqueado pelo Almagro.

Oficialmente, o veto ocorreu por conta de "denúncias administrativas" contra o brasileiro. Almagro insiste que existem diversos queixas contra o brasileiro e que, portanto, sua decisão foi simplesmente a de impedir que ele continue no cargo.

A coluna apurou que, entre alguns os governos, a acusação é de que a questão administrativa foi apenas um pretexto e que a meta era a de enfraquecer o trabalho da Comissão em sua apuração de abusos de direitos humanos.

Dois dias depois de ser consultado pela coluna, o Ministério das Relações Exteriores se pronunciou nesta noite pela primeira vez sobre o caso. "O governo brasileiro considera que a decisão é prerrogativa estrita do Secretário-Geral da OEA", declarou o Itamaraty. A frase foi interpretada por membros da CIDH como uma sinalização de que o governo não fará esforços para manter Abrão no cargo e que considera que Almagro está em seu direito de veta-lo.

"Conforme o artigo 21, inciso 3 do estatuto da CIDH, "o Secretário Executivo será designado pelo Secretário-Geral da Organização em consulta com a Comissão", explica o Itamaraty.

Em sua resposta à coluna, o Itamaraty ainda indicou que o "governo brasileiro tem mantido diálogo institucional com a Secretaria Executiva, respeitando a autonomia e independência da CIDH e suas competências estatutárias convencionais".

"Junto com outros países, o Brasil tem buscado, ademais, atuar para o aperfeiçoamento constante da Comissão", afirmou.

Em 2019, de fato, o Itamaraty assinou uma carta para alertar Abrão a respeitar a autonomia dos estados. O recado foi interpretado como um sinal de o governo Bolsonaro não aceitaria críticas por parte do órgão.

O próprio Almagro foi reeleito neste ano e foi apoiado por Brasil e Colômbia diante de seu papel contra o regime de Nicolas Maduro. Mas, segundo fontes de alto escalão dentro da entidade, foi pressionado a não renovar o mandato do brasileiro, que tinha a função de apurar violações de direitos humanos pelo continente.

O posicionamento do Brasil vai no sentido contrário à postura adotada por México ou pela Argentina. Ambos indicaram que a decisão de Almagro era "inaceitável" e que estava minando o sistema de direitos humanos da região.

Nesta quinta-feira, foi a Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU Michelle Bachelet quem pressionou e pediu que OEA tome "medidas imediatas para acabar com seu impasse com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre a liderança executiva da Comissão". Ela enfatizou a importância de garantir que a "independência, autonomia e eficácia bem estabelecidas da CIDH não sejam minadas".

Bachelet instou o Secretário Geral da OEA, Luis Almagro, e a Comissão Interamericana a agir de acordo com suas ofertas declaradas para resolver o problema através do diálogo, diz um comunicado.

"A Comissão Interamericana é um órgão imparcial mais eficaz e amplamente confiável, cujo trabalho é tido em maior consideração", disse Bachelet. "Ela tem proporcionado um recurso vital para as vítimas de violações dos direitos humanos nas Américas, e tem desempenhado um papel importante na defesa dos direitos dos grupos vulneráveis", afirmou.

"Seu papel robusto, e o da Corte Interamericana de Direitos Humanos, tornou ambos impopulares junto a certos governos em vários momentos de sua história", acrescentou a Alta Comissária. "Isto é até certo ponto inevitável se eles levarem a sério seu papel e permanecerem verdadeiramente independentes e autônomos, inclusive da própria OEA - como mandado pelo status da Comissão sob a Carta da OEA, a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Estatuto da Comissão Interamericana", disse.

A ex-presidente do Chile indicou que essa "é uma situação muito prejudicial que corre o risco de minar a independência e a eficácia comprovada da CIDH". "Ela também está causando danos à reputação da OEA, portanto espero que possa ser resolvida em breve", completou.

"Isto não deveria ser sobre reputações pessoais, ou lealdades políticas, ou perda de prestígio - deveria ser sobre trabalhar para proteger os direitos humanos de centenas de milhões de pessoas em todas as Américas durante uma época de crise maciça", disse.

No Brasil, mais de 130 entidades brasileiras se mobilizam para protestar contra a decisão da OEA, alertando para o risco de um enfraquecimento do sistema de direitos humanos na região, num momento de ameaças à democracia em diversos locais, inclusive no Brasil. Além das entidades, mais de 70 parlamentares brasileiros também já protestaram.