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Jamil Chade

Luzes do gabinete de Azevêdo se apagam. E OMC tem futuro incerto

Retrato de Roberto Azevedo de costas - AFP via BBC
Retrato de Roberto Azevedo de costas Imagem: AFP via BBC

Colunista do UOL

31/08/2020 09h21

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Resumo da notícia

  • Sem comando e nem definição, OMC da adeus a diplomata Roberto Azevedo
  • Brasileiro assumirá vice-presidência da PepsiCo
  • Diplomata deixa o cargo na OMC um ano antes de vencer seu mandato

Num cenário político já turbulento, a Organização Mundial do Comércio (OMC) navegará sem destino certo a partir de amanhã. Nesta segunda-feira, o brasileiro Roberto Azevêdo deixa a entidade, um ano antes de terminar seu mandato. Ele assumirá a vice-presidência da PepsiCo, num gesto que deixou embaixadores e negociadores surpresos.

O brasileiro, considerado como um dos maiores especialistas em comércio internacional e que subiu na carreira dentro do Itamaraty defendendo o Brasil em disputas contra americanos e europeus, explicou que antecipou sua saída para ajudar os governos a escolher o novo nome que irá liderar a entidade. Segundo ele, sua iniciativa impediria que houvesse uma coincidência entre a escolha do novo comando em 2021 e decisões importantes que deveriam ser tomadas na instituição sobre sua reforma.

Mas, pelo menos por enquanto, o que sua saída fez foi a de aprofundar a incerteza. Enquanto as luzes do gabinete de Azevedo se apagam, dúvidas se proliferaram sobre a capacidade de a entidade se refazer e voltar a ser relevante no cenário internacional.

Entre os quatro vice-diretores, a ideia era de que um deles assumiria o trabalho de gestão da entidade até que uma nova escolha de diretor seja realizada, em novembro. Mas a ideia de uma transição suave foi desfeita depois que o governo americano insistiu que seria o seu vice-diretor quem assumiria a organização até a nova eleição. Os demais governos não aceitaram e o impasse obrigará todos os quatro vice-diretores a coordenar suas posições, algo considerado como inviável.

Para novembro, as incertezas também reinam. São oito candidatos e, pelas regras, um nome de consenso precisa ser encontrado. Há exatos 20 anos, a OMC também vivia sua primeira crise e tal situação foi traduzida em um impasse na escolha do novo diretor. O resultado foi um período de quatro meses sem um comando, o que representou um abalo para a credibilidade da organização.

Se não bastasse, a escolha do novo diretor está marcada para ocorrer apenas quatro dias depois das eleições nos EUA, o que amplia a incerteza.

Em 25 anos de história, não restam dúvidas de que essa é a maior crise entre tantas crises na OMC. Por uma manobra americana, a entidade está hoje sem o Órgão de Apelação, uma espécie de tribunal máximo do comércio no mundo.

O governo americano já deu indicações de que o orçamento também seria um problema e, para 2021, o temor é de que haja um veto no capítulo financeiro da entidade.

A crise coincide com uma onda de nacionalismos, de enfrentamento entre potências, de guerra comercial e de uma crise econômica sem precedentes. Para muitos, esse era justamente o momento que o mundo mais precisava de uma OMC robusta. Mas o que se vive é uma realidade exatamente oposta.

Desde que assumiu a Casa Branca, Donald Trump deixou claro que um dos seus focos era desmontar a OMC, tal qual o mundo a conhecia. Seu argumento era de que as regras do comércio favoreciam a China.

Quatro anos depois, ele em parte atingiu seu objetivo. Hoje, a capacidade de a OMC de julgar casos é mínima, enquanto seu poder negociador desapareceu.

O governo americano, enquanto isso, já apresentou seu projeto de reforma. Washington quer o fim da divisão do mundo em países desenvolvidos e países em desenvolvimento e que grandes economias emergentes aceitem ser tratadas com as mesmas regras que valem para Japão, Alemanha ou EUA.

Pelas regras, China, Brasil, Índia ou Argentina contam com normas que permitem ainda tarifas mais elevadas e um maior tempo para promover atos de liberalização. O objetivo é o de permitir que essas economias garantam o desenvolvimento de seu setor interno.

Para os americanos, tal condição não faz mais sentido no século 21. Aliado do governo americano, o Brasil já aceitou abrir mão de sua condição e está disposto a fazer parte da reforma da organização.

Mas, num portão da OMC que por anos foi marcado por protestos e agitação de negociadores, a partida de Azevedo é vista por experientes negociadores como o início de um período longo e perigoso de redefinição e sobrevivência do sistema multilateral.