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Jamil Chade

Em críticas veladas contra Trump, OMS ataca nacionalismo e celebra Biden

Diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante entrevista coletiva em Genebra -
Diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante entrevista coletiva em Genebra

Colunista do UOL

09/11/2020 07h55

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Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), usou seu discurso de abertura da Assembleia Mundial da Saúde nesta segunda-feira para lançar um duro ataque contra governos "nacionalistas e isolacionistas" e celebra a vitória de Joe Biden, nos Estados Unidos (EUA).

Nos últimos meses, Donald Trump deixou a OMS, retirou dinheiro da organização e fez questão de minar sua credibilidade. Ainda que os europeus tenham críticas sobre o papel da OMS na pandemia, a opção de Berlim e Paris foi a de reforçar a agência, e não a de esvaziá-la.

Para Tedros, a comunidade internacional precisa recuperar seu "sentimento de objetivo comum". Sem fazer qualquer referência direta a Donald Trump, o chefe da OMS lançou críticas ao seu comportamento.

"Podemos estar cansados da covid-19. Mas ela não está cansada de nós", disse. "Ela se alimenta dos que estão de saúde mais fraca. Mas também se alimenta de outras fraquezas: desigualdade, divisão, negação, pensamento ilusório e ignorância voluntária", alertou o diretor-geral.

"Não podemos negociar com ela, nem fechar os olhos e esperar que ela desapareça. Ela não dá atenção à retórica política ou às teorias da conspiração", insistiu. "Nossa única esperança é a ciência, as soluções e a solidariedade", defendeu.

"A onda do nacionalismo e do isolacionismo mal orientado corroeram esse senso de propósito comum", criticou.

"Nesse espírito, parabenizamos o presidente eleito Joe Biden e a vice-presidente eleita Kamala Harris e estamos ansiosos para trabalhar com sua administração de forma muito próxima", afirmou Tedros.

"Precisamos voltar a imaginar a liderança, construída sobre confiança mútua e responsabilidade mútua - para acabar com a pandemia e enfrentar as desigualdades fundamentais que estão na raiz de tantos dos problemas do mundo", afirmou.

"E precisamos voltar a imaginar a parceria e ver nossos próprios esforços como conectados a algo maior", disse. ""É hora de o mundo se curar - da devastação desta pandemia e das divisões geopolíticas que só nos levam mais longe no abismo de um futuro mais insalubre, mais desleal e mais injusto", completou.

"Precisamos de vacina de forma urgente para frear a pandemia. Mas ela não resolve a falta de investimentos e as falhas no sistema internacional. Não há vacina para desigualdade, fome, pobreza ou mudanças climáticas", disse. Para dar uma resposta a esses problemas, ele aponta que existe apenas o caminho da cooperação.

A equipe de Joe Biden já circulou entre a cúpula da agência um plano ambicioso para liderar o que seria uma resposta ampla à pandemia no mundo. O objetivo: "aliar o mundo para confrontar a crise, enquanto se estabelece uma fundação para o futuro".

Ou seja, superar diferenças políticas imediatas e criar condições para que uma nova pandemia não pegue o mundo de surpresa, inclusive com mais dinheiro para a OMS.

O projeto é visto dentro da agência como um resgate crítico, justamente no momento em que a pandemia volta a ganhar força e ameaça recolocar a economia global de joelhos. "Finalmente teremos um plano mundial contra o vírus", comemora um dos principais operadores da OMS na pandemia, na condição de anonimato.

A ação de Biden não ocorre apenas por solidariedade internacional. A percepção é de que a liderança americana apenas pode ser reconstruída no mundo se o país voltar a se engajar em temas globais.

Ajuda aos países mais pobres

No plano de Biden, há um capítulo explícito sobre a necessidade de que a pandemia seja tratada em todos os locais do planeta, com uma ajuda especial para os países mais pobres. A ação há muitos meses vinha sendo solicitada pelas entidades internacionais, sem uma resposta clara por parte dos governos mais ricos.

Na estratégia do presidente eleito dos EUA, fica claro que o conceito de ampliar a ajuda para além das fronteiras americanas serve justamente para proteger o país.

A meta, portanto, é de acionar as grandes agências americanas e mesmo o Departamento de Estado para "mobilizar uma resposta internacional que ajude as nações vulneráveis a detectar, tratar e minimizar a propagação da covid-19". Isso inclui o envio de missões americanas a esses países.

Um dos focos é a de voltar a dar à diplomacia americana um papel central nas "decisões globais sobre o surto". "Ficar à margem ou empurrar (a crise) para outras nações acaba por nos tornar menos seguros e protegidos", aponta documento obtido pela coluna.

Criação de novo órgão global

O plano de Biden ainda prevê a "criação imediata" de um Conselho Global de Emergência para harmonizar a resposta à crise. O conselho seria liderado pelos EUA, por parceiros do G7 e de outros grupos para dar "apoio à OMS". A meta é a de "assegurar uma resposta coordenada em saúde e economia mundial, especialmente com respeito aos países vulneráveis".

O grupo envolveria especialistas da OMS, dos centros de controle de doenças da África e de outras regiões do mundo, assim como instituições financeiras internacionais, empresas e ongs. Uma de suas propostas é de que tal organismo fosse acionado sempre que a OMS declare uma emergência sanitária global. Desde 2009, essa é a quinta emergência declarada no mundo.

Mais dinheiro para a OMS

No plano Biden, não existem dúvidas de que o governo americano voltaria a pagar suas contribuições para a OMS. Entre as propostas, sua equipe defende que "a OMS disponha de recursos completos, especialmente seu Fundo de Contingência para Emergências".

Seu programa defende que os EUA "voltem a abraçar o envolvimento internacional, incluindo a priorização de financiamento sustentado para a segurança sanitária global - acima e além das dotações de emergência - para fortalecer a capacidade permanente conjunta de vigilância biológica e resposta a emergências sanitárias".

O envolvimento da ONU também é sugerido e Biden pedirá a criação de uma espécie de Facilitador Permanente dentro do Escritório do Secretário Geral das Nações Unidas para Resposta a Eventos Biológicos. O objetivo seria o de " facilitar a coordenação de crises entre organizações de saúde, segurança e humanitárias".