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Jamil Chade

"Vacina é poder": OMS se espanta com Brasil e teme politização da pandemia

Agenda política misturada ao combate à pandemia formam cenário ruim na avaliação da cúpula da OMS. Bolsonaro festejou a irregularidade apontada na vacina produzida no estado de SP, governado pelo rival João Do - ALAN SANTOS/PR
Agenda política misturada ao combate à pandemia formam cenário ruim na avaliação da cúpula da OMS. Bolsonaro festejou a irregularidade apontada na vacina produzida no estado de SP, governado pelo rival João Do Imagem: ALAN SANTOS/PR

Colunista do UOL

10/11/2020 15h04

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Choque, fúria e preocupação. Foi assim que diferentes departamentos da OMS (Organização Mundial da Saúde) que lidam com a pandemia da covid-19 receberam as notícias sobre a polêmica aberta pelo governo do Brasil sobre a vacina da Sinovac e a reação do presidente Jair Bolsonaro.

Os especialistas temem, acima de tudo, que disputas políticas acabarão afetando a operação de imunização da população do país a partir de 2021.

Para os técnicos da agência, um país das dimensões do Brasil precisará de mais de uma vacina para garantir uma imunização em massa. Além disso, a politização é vista com um dos principais ingredientes para minar a confiança da população sobre uma vacina, justamente num período de incertezas e dúvidas legítimas.

Na noite de segunda-feira, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) determinou a interrupção do estudo clínico da vacina Coronavac, após o registro de um "evento adverso grave". Horas depois, foi revelado que a causa da morte teria sido suicídio, sem qualquer relação com a vacina.

Oficialmente e antes de qualquer informação sobre a causa da morte, a OMS se limitou a declarar que suspensões de testes clínicos são "rotineiras" no desenvolvimento de uma vacina.

Falando de uma maneira geral, a porta-voz da agência, Fadela Chaib, indicou que a segurança é prioridade nessa fase do desenvolvimento de um novo produto.

Comemoração de Bolsonaro pegou mal

Mas, nos bastidores, a reação política do caso da suspensão da Anvisa foi recebida com preocupação na agência internacional, principalmente depois de revelada a causa da morte. Temendo pressões por parte do governo brasileiro, os técnicos nos diferentes postos da OMS pediram que suas identidades não fossem reveladas ao descrever como o fato foi recebido.

Ainda que a suspensão de testes clínicos seja uma prática regular e que a OMS defenda que todas as cautelas sejam tomadas, o que chamou a atenção da agência foi o contorno partidário que o assunto ganhou, os comentários do presidente Jair Bolsonaro de comemoração e a falta de transparência na divulgação da informação.

Circulou ainda com preocupação entre membros da OMS a mensagem de Bolsonaro que, nas redes sociais, declarou uma suposta vitória contra seu rival político, o governador de São Paulo, João Doria.

"Sputnik"

Entre membros de certos departamentos ligados à OMS, a reação foi de choque. Mas, acima de tudo, uma preocupação sobre o que tal postura significaria para a implementação de campanhas de vacinação.

Nos últimos dez meses, a OMS tem alertado sobre a politização do debate sobre a cloroquina, sobre o uso de máscara, sobre o comércio de respiradores e sobre a própria origem do vírus. Mas a entidade sabe que o debate da vacina pode ganhar contornos ainda mais dramáticos, principalmente diante da influência política, econômica e científica que um país poderá obter caso seja o detentor da vacina.

"Não é por acaso que os russos chamaram a vacina de Sputnik", disse um dirigente de alto escalão na OMS.

"A vacina é poder", constatou. "Mas o problema é que é um poder imoral, diante das mortes que se somam a cada dia, pela doença e pela pobreza que assola muitas regiões", disse.

A cúpula da OMS também indicou que não recebeu nenhuma queixa até agora relativa à vacina desenvolvida pela Sinovac, empresa com a qual a agência internacional vem mantendo contato para permitir que um eventual reconhecimento ocorra com base em critérios que são válidos para todas as candidatas à vacina no mundo.