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Jamil Chade

Com Amazônia e pandemia, Bolsonaro viverá pressão na cúpula do G-20

O presidente da França, Emmanuel Macron, e Jair Bolsonaro durante o encontro do G20, em Osaka (Japão) - JACQUES WITT/AFP
O presidente da França, Emmanuel Macron, e Jair Bolsonaro durante o encontro do G20, em Osaka (Japão) Imagem: JACQUES WITT/AFP

Colunista do UOL

20/11/2020 09h01

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Sem contar com a mesma influência do governo de Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro deve ser alvo de pressões na reunião de cúpula do G-20, neste fim de semana. Temas como o fortalecimento de entidades internacionais, a covid-19 e um compromisso ambicioso sobre meio ambiente estarão no centro do debate. A Europa, por exemplo, indicou que quer critérios ambientais em todos os acordos comerciais a partir de agora, inclusive na OMC.

A reunião dos líderes ocorre neste sábado, de forma virtual e organizada pelos sauditas. O evento marca o fim do governo Trump, enquanto líderes internacionais já usam a ocasião para mandar recados positivos ao presidente eleito Joe Biden e convida-lo para que trabalhem juntos.

Nesta sexta-feira, numa coletiva de imprensa, a Europa antecipou alguns dos principais pontos da agenda da reunião e deixou claro que vai pressionar por maior ambição em temas ambientais e da pandemia.

Ambos são assuntos que geram mal-estar entre o Brasil e alguns dos principais parceiros. Mas, até agora, o país era em parte blindado pela recusa de Trump em aceitar que os temas ganhassem força na agenda internacional.

A Casa Branca ainda participará da cúpula. Mas, entre os diplomatas estrangeiros, a percepção é de que os demais países terão maiores liberdades de traçar objetivos para 2021. "De uma certa maneira, estaremos preparando o mundo pós-pandemia", explicou Charles Michel, presidente do Conselho da UE.

O Itamaraty, por exemplo, tem resistido dar qualquer tipo de posição central para uma coordenação da OMS ou seguir recomendações internacionais.

Com a Itália assumindo a presidência do G-20 em 2021, a União Europeia indicou que vai apresentar uma proposta de criação de um tratado internacional sobre pandemias, o que implicaria em um compromisso global entre governos sobre como responder a uma crise e uma aceitação de recomendações de especialistas.

O projeto ainda prevê garantir que a OMS seja instalada de forma permanente como "o centro" da resposta às emergências sanitárias globais.

Nesta semana, Bolsonaro usou a reunião dos Brics para criticar a agência e dizer que foram países - e não a entidade internacional - quem deram uma resposta à pandemia. Uma postura soberanista contra um maior papel das agências da ONU também vem sendo aplicada pela chancelaria brasileira.

Desconectar crescimento e exploração de recursos

Outro tema delicado para o Brasil será a questão climática. Antecipando uma crítica, Bolsonaro também usou a reunião dos Brics para fazer ameaças veladas aos governos europeus, no que se refere à compra de madeira ilegal. Numa live promovida na noite de quinta-feira, o presidente voltou a criticar a França, argumentando que existem motivos comerciais para que Paris adote uma postura contrária ao Brasil.

Mas, nesta sexta-feira, Ursula van der Leyen, presidente da Comissão Europeia, acenou que vai usar o fim do governo Trump para reforçar o tema ambiental e as cobranças durante o encontro. "Lidar de forma eficaz das mudanças climáticas vai exigir desconectar o crescimento económicos da exploraram de recursos naturas limitados", defendeu.

Um dos temas principais do governo brasileiro ao se defender das críticas é justamente sobre a necessidade de promover o desenvolvimento e crescimento de sua economia.

A presidente ainda criticou nesta sexta-feira a "perda alarmante" de biodiversidade, indicando que vai tratar do tema na cúpula. "O clima exige uma atenção urgente", insistiu.

"Vou pedir que os parceiros do G-20 se comprometam com a implementação efetiva e completa do Acordo de Paris", disse a presidente da comissão. Na Europa, o temor é de que o compromisso do Brasil não seja seguido.

Segundo ela, países como África do Sul, China, Coreia do Sul e Japão já se comprometeram uma neutralidade em emissões. Para a presidente, a chegada de Biden pode dar um impulso nos compromissos das maiores economias.

Acordo comercial só com exigência ambiental

Já Charles Michel indicou que o bloco não estaria disposto a aceitar a importação de produtos que possam representar danos ao planeta e apontou que todos os acordos comerciais devem contar, a partir de agora, com exigências ambientais. Para ele, o Acordo de Paris deve fazer "parte essencial" de qualquer tratado de livre comércio e mesmo a OMC deve passar por uma reforma para garantir que "o comércio seja mais verde".

"Não vamos aceitar que regras abaixo do padrão (ambiental) concorram de forma injusta com os produtos europeus e danifiquem o planeta", disse.

Michel indicou que a Europa avalia criar uma espécie de classificação de emissões de CO2 que deverão ser seguidas por exportadores.

A UE ainda indicou que a perda florestal poderia inclusive aumentar as chances de novas doenças que, por sua vez, poderiam se transformar em pandemias.

As lideranças europeias não disfarçaram a satisfação com o fim do governo Trump. De acordo com Ursula van der Leyen, foi a Casa Branca quem impediu, em 2019, que a cúpula do G-20 pudesse ter feito uma declaração conjunta de compromisso por metas ambientais. Hoje, segundo ela, metade dos países do G-20 já assumiram compromissos de neutralidade de emissões até 2050.

Ela ainda acenou para o fato de que, com a chegada de Biden no cenário internacional e o retorno dos EUA ao Acordo de Paris, o ambiente estaria mais propício para que o debate sobre o clima e desmatamento ganhe força e ambição.

Novos amigos "machos"

Se a pressão europeia deve ocorrer e se a relação entre Brasil e China não é hoje das melhores, a esperança do governo de Bolsonaro é a de contar com o apoio de países como Rússia e Arábia Saudita durante o debate.

Nesta semana, o presidente russo, Vladimir Putin, causou satisfação no Palácio do Planalto ao elogiar a postura de Bolsonaro na defesa de seus interesses nacionais. Para Moscou, o brasileiro mostrou suas qualidades "masculinas".

Outro apoio pode vir dos sauditas, um regime acusado de matar jornalistas, reprimir o direitos das mulheres e censurar a oposição. Com o príncipe herdeiro Mohamed Bin Salman, Bolsonaro mantém uma aproximação. Em 2019, o brasileiro disse que se sentia "quase irmão" do saudita