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2020 será 3º ano mais quente; ONU diz que mundo caminha para "suicídio"

Pedestres enfrentam forte calor na Avenida Paulista, na região central de São Paulo - Fábio Vieira/Fotorua/Estadão Conteúdo
Pedestres enfrentam forte calor na Avenida Paulista, na região central de São Paulo Imagem: Fábio Vieira/Fotorua/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

02/12/2020 10h04

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O ano de 2020 caminha para ser o terceiro mais quente desde que cientistas iniciaram uma avaliação global das temperaturas, em 1850, com um impacto devastador para milhões de pessoas pelo planeta e inclusive no Brasil. Dados divulgados nesta quarta-feira pela Organização Meteorológica Mundial revelam ainda que os anos entre 2011 e 2020 entrarão para a história como a década com as temperaturas mais elevadas.

A constatação ocorre no momento em que a ONU (Organização das Nações Unidas) alerta que o mundo precisa mudar de rota, sob o risco real de viver uma situação de não-retorno. Para a entidade, mudanças climáticas e a ação do homem estão na explicação de mais um ano de temperaturas elevadas.

Numa crítica direta a governos que se recusam a reconhecer a ciência ou que não assumem compromissos climático, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, aproveitou o lançamento dos dados para alertar que o mundo está num caminho "suicida".

"O planeta está quebrado", declarou nesta quarta-feira. "A humanidade está em guerra contra a natureza e isso é suicida. A natureza sempre responde e está fazendo isso com fúria", alertou.

Para ele, o mundo precisa de um socorro e governos terão de se comprometer a garantir uma neutralidade de missões em três décadas.

Pandemia e incêndios "apocalípticos"

Em um discurso em Nova York, nesta quarta-feira, ele apontou como ecossistemas estão desaparecendo, como a biodiversidade está "em colapso" e alerta para a perda de 10 milhões de hectares de florestas por ano.

Para ele, há um maior risco de pandemias como resultado dessa ação e incêndios "apocalípticos" estão ocorrendo.

Na avaliação da ONU, desastres custaram US$ 150 bilhões por ano, cinco vezes mais o que a entidade pede para vacinar a população mundial.

"Vamos ser claros: as atividades humanas estão na raiz dessa nossa descida ao caos", declarou Guterres, numa tentativa de dissipar qualquer avaliação negacionista por parte de governos como o de Jair Bolsonaro ou Donald Trump.

Últimos seis anos foram os mais quentes da história

De acordo com os cientistas, todos os seis anos mais quentes da história foram registrados desde 2015, enquanto as temperaturas do oceano bateram recorde e sofreram ampla repercussão para seus ecossistemas marinhos. Já os três anos mais quentes - 2016, 2019 e 2020 - registram diferenças mínimas entre suas médias.

Apesar dos confinamentos gerados pela covid-19, a OMM indica que as concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa continuaram a aumentar, "comprometendo o planeta a um aquecimento ainda maior por muitas gerações por causa da longa vida útil do CO2 na atmosfera".

"A temperatura média global em 2020 está cerca de 1,2 °C acima do nível pré-industrial (1850-1900) e. há pelo menos 20% de chance de exceder temporariamente 1,5 °C até 2024", disse o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas.

Ele lembra que os anos de calor recorde geralmente coincidiram com o fenômeno do El Niño, como foi o caso em 2016. "Mas estamos vivendo agora um La Niña, que tem um efeito de resfriamento sobre as temperaturas globais, mas não tem sido suficiente para frear o calor deste ano", alertou.

Quase 40º C no Ártico

A temperatura mais notável foi observada em todo o norte da Ásia, particularmente no Ártico siberiano, onde os termômetros estavam mais de 5 °C acima da média. O calor siberiano culminou no final de junho, quando atingiu 38°C em Verkhoyansk. Se confirmada, essa será a temperatura mais alta conhecida em qualquer lugar ao norte do Círculo Polar Ártico.

Mas tais temperaturas também alimentaram a temporada de incêndios mais ativa em quase duas décadas.

Desde meados dos anos 80, o Ártico tem aquecido pelo menos duas vezes mais rápido do que a média global, reforçando uma longa tendência de queda na extensão de gelo do mar Ártico no verão, que tem repercussões sobre o clima nas regiões de latitude média.

O gelo marinho do Ártico atingiu seu mínimo anual em setembro, no que foi a segunda menor dimensão nos 42 anos de história do satélite que mede tais dados. Já o gelo do mar Ártico para julho e outubro de 2020 foi o mais baixo de todos os recordes. Entre as consequências está o fato de que a rota do Mar do Norte ficou livre de gelo entre julho e outubro de 2020 e, no restante do mundo, um aumento no nível médio global do mar.

Perdas de R$ 3 bilhões no Brasil só em 2020

De acordo com a agência, o ano foi ainda marcado por incêndios que consumiram vastas áreas na Austrália, Sibéria, Costa Oeste dos Estados Unidos e América do Sul, enviando fumaças que deram volta ao mundo. Enquanto isso, foi registrado um número recorde de furacões no Atlântico, incluindo furacões de categoria 4 sem precedentes na América Central, em novembro.

Já na África e Sudeste Asiático, inundações em partes da África e do sudeste asiático levaram ao deslocamento maciço da população e minaram a segurança alimentar de milhões de pessoas.

A OMM também destaca que, "no interior da América do Sul, a grave seca afetou muitas partes em 2020, sendo as áreas mais afetadas o norte da Argentina, o Paraguai e as áreas da fronteira ocidental do Brasil". "As perdas agrícolas estimadas foram de quase US$ 3 bilhões somente no Brasil", informou. "Houve significativa atividade de incêndios florestais em toda a região, a mais severa nas áreas úmidas do Pantanal do oeste do Brasil", constatou.

Já nos EUA, os maiores incêndios já registrados ocorreram no final do verão e no outono." A seca generalizada e o calor extremo contribuíram para os incêndios, e de julho a setembro foram os mais quentes e secos registrados para o sudoeste", disse. "O Vale da Morte na Califórnia atingiu 54,4 °C em 16 de agosto, a temperatura mais alta conhecida no mundo em pelo menos os últimos 80 anos", afirmou.

Os termômetros também bateram recorde em Cuba e na Austrália. No oeste de Sydney, o registrou foi de 48,9 °C em 4 de janeiro.

No Mediterrâneo, recordes históricos foram estabelecidos em Jerusalém (42,7 °C), além de ver o Kuwait atingir 52,1 °C e Bagdá 51,8 °C.

Ciclones tropicais

As elevadas temperaturas em 2020 ainda foram seguidas por um número de ciclones tropicais no mundo acima da média, com 96 casos.

"A região do Atlântico Norte teve uma temporada excepcionalmente ativa, com 30 ciclones tropicais a partir de 17 de novembro de 2019, mais do dobro da média de longo prazo (1981-2010) e quebrando o recorde de uma temporada completa, estabelecido em 2005", afirma a OMM.

"Em uma época em que a temporada normalmente está diminuindo, dois furacões de Categoria 4 causaram a queda de terra na América Central em menos de duas semanas em novembro, resultando em enchentes devastadoras e muitas vítimas", disse.

"O ciclone Amphan, que fez aterros em 20 de maio próximo à fronteira Índia-Bangladesh, foi o ciclone tropical com o impacto mais elevado registrado para o Oceano Índico Norte, com perdas econômicas relatadas na Índia de aproximadamente US$ 14 bilhões", relatou.

Apenas no primeiro semestre, 10 milhões de pessoas tiveram de ser deslocadas por conta de desastres e temporais. "Em 2020, a pandemia da COVID-19 acrescentou uma dimensão adicional às preocupações com a mobilidade humana", lembrou.