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Jamil Chade

Brasil se firma como pária ambiental; Xi, Biden e líderes anunciam metas

24.set.2019 - Bolsonaro na ONU - REUTERS/Lucas Jackson
24.set.2019 - Bolsonaro na ONU Imagem: REUTERS/Lucas Jackson

Colunista do UOL

12/12/2020 16h53

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Resumo da notícia

  • Cúpula do Clima organizada neste sábado não contou com a participação de Bolsonaro, barrado pelos organizadores por não apresentar um plano ambicioso
  • Esforço do Itamaraty para reverter exclusão se transformou em um dos maiores fiascos diplomáticos do atual governo
  • Biden, apesar de não poder ainda fazer parte da reunião oficial, aproveitou a data para anunciar nas redes que recolocará os EUA no Acordo de Paris
  • Adesão americana ocorrerá no primeiro dia de seu governo e prevê metas até 2050
  • Evento foi marcado por anúncios de novos compromissos climáticos, inclusive por parte da China.

Num evento para marcar os cinco anos do Acordo de Paris sobre o Clima e sem a presença do Brasil, líderes de todo o mundo tomaram a palavra neste sábado para anunciar metas ambiciosas de redução de CO2 e de emissões de gases de efeito estufa, além de compromissos para frear o desmatamento ou aumentar o financiamento a projetos de mitigação. Mas numa cúpula em que o tema ambiental estava no centro e que reuniu 77 chefes de estado e governo, um dos resultados indiretos foi o de consolidar a desconfiança da comunidade internacional sobre as intenções do governo de Jair Bolsonaro.

Enquanto alguns dos principais líderes mundiais se reuniam oficialmente, o presidente eleito dos EUA, Joe Biden, aproveitou o encontro para anunciar nas redes sociais que irá aderir ao Acordo de Paris no primeiro dia de seu mandato, em 2021. "Começarei imediatamente a trabalhar com meus homólogos em todo o mundo para fazer tudo o que pudermos, inclusive convocando os líderes das principais economias para uma cúpula climática dentro dos meus primeiros 100 dias no cargo", declarou Biden.

Por não ter assumido o poder ainda, ele não poderia participar da cúpula. Mas, ainda assim, indicou a meta de reduzir as emissões americanas a um patamar de neutralidade "o mais tardar em 2050".

O Brasil, que está no centro das atenções internacionais, teve sua participação no evento recusada por não ter apresentado um projeto de redução de emissões suficientemente ambicioso. Para negociadores na ONU, a decisão de barrar o país não foi simples e foi permeada por um intenso debate político. Mas o gesto confirmou um status de pária ambiental.

Pelas regras da cúpula, só ganhariam a palavra países que tivessem um plano ambicioso a ser apresentado. O Itamaraty, nos bastidores, lutou até o último minuto para ser um incluído.

No "programa final" do evento enviado pela ONU à coluna, o esforço não deu resultado e Bolsonaro não aparecia na lista. Nem o Palácio do Planalto e nem o Itamaraty responderam neste sábado se o presidente participaria. Em sua agenda oficial, não constava um discurso no evento internacional.

Nesta semana, o governo brasileiro submeteu à ONU seu plano de redução de emissões. Mas o projeto foi rejeitado pelos técnicos do organismo internacional. O plano mantem a meta de cortar as emissões em 43% durante a próxima década, em comparação com os níveis de 2005, e visará o zero líquido até 2060 - muito mais tarde do que a maioria dos outros países.

Depois de passar horas em absoluto silêncio e sem explicar sua ausência, o Itamaraty se limitou a publicar na noite do sábado uma carta que recebeu da Secretária-Executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima (UNFCCC), Patrícia Espinosa, um dia antes do evento.

Nela, a representante diz que os esforços do Brasil "durante este momento desafiador, ocasionado pela pandemia de COVID-19, são dignos de nota". "O compromisso do Brasil em reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% em 2030, em comparação com o ano-base de 2005, é louvável, assim como o é a inclusão de uma meta indicativa de longo-prazo de atingir a neutralidade climática em 2060", indicou.

Ainda assim, a opção dos organizadores foi a de manter o Brasil fora da cúpula. No governo, a decisão foi considerada como injustificada, já que a decisão se uma proposta é suficiente ou não deveria ser feita a partir de uma avaliação coletiva.

No sábado, Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, fez questão ainda de citar os compromissos assumidos pela Argentina e outros países e não mencionar o Brasil. Num comunicado de imprensa também publicado no sábado, a ONU tampouco mencionou o país entre os vários casos que cita de avanço na questão ambiental.

O objetivo da ONU é a de garantir uma coalizão para promover uma neutralidade de carbono até meados do século. Mas, para isso, Guterres sugere cortes significativos para reduzir as emissões globais em 45 por cento até 2030 em comparação com os níveis de 2010.

Novos compromissos até 2030, inclusive da China

A cúpula serviu como plataforma para que os projetos de redução de emissões fossem anunciados. O Reino Unido se comprometeu a um corte de 68% até 2030, em comparação com 1990. Boris Johnson, primeiro-ministro britânico, defendeu a ciência para proteger o planeta e alertou que o desafio climático é "mais destruidor que a covid-19".

Já a União Europeia concordou em reduzir suas emissões em pelo menos 55 por cento em 2030 em relação a 1990. "O Green Deal existe", disse Emmanuel Macron, presidente da França.

Mas o principal anúncio veio da China. O país, que é o maior emissor do mundo, surpreendeu o mundo em setembro ao anunciar uma meta de neutralidade em 2060, com um pico de emissões até 2030.

Neste sábado, Xi Jinping anunciou um corte de emissões per capita de 65% até 2030 em comparação a 2005, além de aumentar a cobertura florestal e incrementar o uso de energias renováveis para 25% de sei consumo. A China ainda defendeu o multilateralismo e alertou que o "unilateralismo não vai nos levar a nenhum lugar".

Um dos convidados foi o papa Francisco, que insistiu que a proteção ambiental "é uma questão ética". Ele ainda se comprometeu em colocar a educação ecológica em todos os estabelecimentos católicos. "Chegou a hora de mudar de rota", disse, prometendo neutralidade de emissões também na Cidade do Vaticano.

Entre os países que aumentaram compromissos estão Argentina, Barbados, Canadá, Colômbia, Islândia e Peru. Na cúpula de hoje, 24 países anunciaram novos compromissos, estratégias ou planos para alcançar a neutralidade de emissões, incluindo Japão, Coreia do Sul, Finlândia e Suécia.

Mas a ONU alerta que os países ricos ainda estão distantes da meta de mobilizar US$ 100 bilhões por ano para ajudar as economias em desenvolvimento para se adaptar às mudanças climáticas.


Alguém ainda pode negar?

Diante dos compromissos anunciados, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, comemorou. Mas alertou que ainda não é suficiente. "Precisamos incluir ainda outros países", disse, sem citar nomes. "Esse vai ser um teste de credibilidade", afirmou.

Num discurso, ele ainda fez um apelo: "precisamos parar o ataque sobre o planeta". A cúpula, organizada de forma virtual, também se transformou em um recado aos governos que, como o Brasil, não mostram compromissos claros com o meio ambiente. "Este é um momento de verdade", alertou Guterres. Segundo ele, já há uma mudança real nas consciências de governos, empresários e jovens. Mas há quem resista ainda.

"A ação climática é o barômetro da liderança no mundo de hoje. É o que as pessoas e o planeta precisam neste momento. Mas todos nós precisamos passar um teste de credibilidade", alertou. "Vamos fazer a promessa de um mundo líquido zero uma realidade agora", disse.

"Se não mudarmos o rumo, podemos estar nos encaminhando para um aumento catastrófico da temperatura de mais de 3 graus neste século", disse. "Alguém ainda pode negar que estamos diante de uma emergência dramática?" questionou. A pergunta foi interpretada como uma provocação a líderes como Bolsonaro e Trump que se recusam a aceitar a ideia de que o impacto das mudanças climáticas é real.

Guterres sugere que governos declararem um "Estado de Emergência Climática" em todos os países, até que a neutralidade de carbono seja alcançada. "Cerca de 38 países já o fizeram, reconhecendo a urgência e o risco. Exorto todos os outros a seguirem", pediu.

Emmanuel Macron, presidente da França, também mandou seu recado e pediu "credibilidade" na ação dos governos. Ele ainda alertou que está comprometido em colocar critérios ambientais no comércio, uma mensagem clara de que tratados como o que existe entre o Mercosul e a UE podem jamais se ratificados enquanto a questão ambiental não for solucionada.

A pressão também veio de representantes da sociedade civil. Archana Soreng, da comunidade indígena da Índia, criticou governos que ainda permitem projetos extrativistas e pediu que grupos indígenas tenham suas terras protegidas e que façam parte da tomada de decisão.

Líderes da América do Sul?

Entre os sul-americanos, quem tomou a liderança ambiental foi o Chile e a Colômbia. O presidente chileno, Sebatián Pinera, alertou que o mundo precisa de "vontade política" para lidar com a realidade. "O tempo do diagnóstico já passou. É o tempo de ação", disse. O chileno, aliado de Bolsonaro, foi o único a citar o compromisso brasileiro até 2060.

Quem garantiu redução de desmatamento foi a Colômbia. Seu presidente, Ivan Duque, disse que quer ser o novo "líder regional e mundial" em questões ambientais e anunciou novos compromissos, como a redução de emissões em 51% até 2030. "Não é questão ideológica", completou. Uruguai, Peru e Equador também fizeram suas promessas.