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Escolhemos o lado errado, alerta embaixador sobre elo de Bolsonaro e Trump

Sérgio Amaral foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre setembro de 2016 e junho de 2019 - Marlene Bergamo/Folhapress
Sérgio Amaral foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre setembro de 2016 e junho de 2019 Imagem: Marlene Bergamo/Folhapress

Colunista do UOL

08/01/2021 04h03Atualizada em 08/01/2021 19h59

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Donald Trump foi pela segunda vez derrotado e o Brasil, ao optar estar ao seu lado, aprofundou seu isolamento no mundo. O alerta é do embaixador Sérgio Amaral, que ocupou justamente o posto de representante do Brasil nos Estados Unidos (EUA) entre setembro de 2016 e junho de 2019.

Antes, ele já havia sido ministro da Indústria, Comércio Exterior entre 2001 e 2002 e é considerado como um dos diplomatas de maior experiência dentro do Itamaraty.

Em entrevista à coluna, o embaixador acredita que os atos em Washington nesta semana representam a derrota de Trump e uma vitória da democracia. Eis os principais trechos da entrevista:

UOL - Diante do que vimos nos EUA nos últimos dias e da reação internacional de condenação, a democracia sai enfraquecida ou com um maior sentimento de compromisso por sua preservação?

Sérgio Amaral - A avaliação dos acontecimentos de quarta-feira é difícil, pois são desenvolvimentos ainda muito recentes e que vamos ter de ter um tempo para que amadureçam e produzam seus resultados. Mas, à primeira vista e ao contrário do que pode parecer, acho que a democracia sai muito fortalecida.

De que forma?

Trump sai derrotado pela segunda vez. A primeira foi na eleição de 3 de novembro e que poderiam ter encerrado um ciclo político. Mas não foi o que ocorreu. Ao se recusar a reconhecer as eleições, Trump iniciou um novo capítulo do seu ciclo político, que foi o negacionismo. Negou as eleições e buscou deslegitimar as eleições e a própria democracia. E em seu estilo: dobrar a aposta para ver como fica. Mas o resultado foi uma segunda derrota. E essa segunda derrota é ainda mais importante, pois entregou aos Democratas o controle do Senado.

Isso fortalece muito a eleição de Biden. Não apenas no plano interno, que ele trabalha pela união do país, mas ganha também na política internacional. Biden deu um passo importante para a volta da democracia, da volta da política e seu projeto internacional.

Qual é esse projeto?

Ele é substancialmente diferente da política externa de Trump. Enquanto Trump aposta na decisão unilateral, nas formas de represália, Biden vai buscar a reconciliação e refazer as alianças políticas, além de reforçar o multilateralismo. Começando pela sua ideia de convocar uma Cúpula da Democracia, que é de certa forma o ponto de partida da reconstrução da ordem internacional.

De que forma essa cúpula seria um esboço para reconstruir a ordem internacional?

A proposta de política externa é a revisão da diplomacia de Trump. Onde Trump refutava o meio ambiente, Biden colocará o assunto no eixo de sua aliança com a Europa. Essa cúpula, no fundo, é o encontro do Biden com países que trabalham com mesmos valores e que têm o mesmo compromisso com a democracia.

Interessante que, enquanto Bretton Woods e a Conferência de São Francisco (anos 40) foram alianças sobretudo com a Europa, agora também vai ser. Mas ela não será sobre instituições.

Será sobre quais bases?

O desenho da nova ordem será menos sobre instituições. E mais sobre países que têm um ponto de partida igual: a afirmação da democracia. O compromisso ambiental, o compromisso com o multilateralismo e a busca de sedimentação de alianças.

Eles não vão negociar novas instituições multilaterais. Mas vão negociar coisas diferentes, que dizem mais respeito à prática da economia, como regular as novas plataformas digitais, a inteligência artificial, como estabelecer uma postura comum no que se refere ao governo chinês.

Não será necessariamente um cerco, com caráter impositivo e sanções, como Trump estava fazendo. Mas uma aliança de países para negociar novas regras do jogo, inclusive sobre as grandes empresas de tecnologia. O que me preocupa é que, nessas reuniões e soluções desses países, não temos as grandes empresas de tecnologia no Brasil. Serão acordos ou entendimentos sobre a China dos quais nós não fazemos parte deles.

Na atual crise, houve uma avalanche de condenações contra os atos em Washington. E, uma vez mais, o governo Bolsonaro se posicionou de uma outra forma. Seremos convidados para essa cúpula?

Será que nós seremos atores relevantes desse novo processo, e será que nós seremos convidados a sentar à mesa de negociações principais, como aquelas que poderão ser negociadas nessa cúpula? Nesse isolamento, mais do que vítimas, somos atores desse isolamento. Nós preferimos nos colocar na posição de isolamento.

Ficaremos ainda mais isolados depois dessa invasão ao Congresso?

Acredito que sim. Nós somos um dos últimos países a se afastar de Trump, e, hoje, ele está no mais completo isolamento. Nós escolhamos estar ao seu lado.

E qual a consequência disso?

Uma delas é de curto prazo. A grande aliança EUA-Europa se faz por convergência na agenda ambiental. Ela pode reunir movimentos politicos com grande determinação na agenda ambiental.

Precisamos entender que a questão ambiental não é uma decisão de países. Mas uma determinação de sociedades. Escolhemos ficar do lado errado.

Que recado o Brasil manda ao mundo ao agir dessa forma?

O mundo passa por um momento de transição, pela globalização, pela ressaca da globalização, crise econômica, Trump e pandemia. Isso tudo vai mudar o cenário internacional. Só a emergência da China provoca deslocamentos tectônicos no cenário internacional. Diante dessas mudanças, não existem condições de a política externa brasileira não se ajustar a esse novo momento. O mundo mudou. A política externa vai ter de mudar também.