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Jamil Chade

Em Davos, Mourão camufla desmatamento e omite covid-19 ao debater Amazônia

Mourão havia testado negativo em maio - Bruno Batista/VPR
Mourão havia testado negativo em maio Imagem: Bruno Batista/VPR

Colunista do UOL

27/01/2021 11h41

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Em participação hoje no Fórum Econômico Mundial, o vice-presidente Hamilton Mourão vendeu uma imagem da Amazônia distante da realidade que hoje a região vive. Em debate sobre a preservação e desenvolvimento dos estados do Norte, Mourão insistiu que as operações lideradas pelo governo estavam dando resultado. Sobre a avalanche de mortes em Manaus, por conta da covid-19, nenhuma só palavra.

Em sua fala, o vice-presidente afirmou que houve uma queda de 17% no desmatamento no segundo semestre de 2020. Os dados de diferentes organizações, porém, revelam um salto sem precedentes no avanço das atividades ilegais.

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a área desmatada chegou ao nível anual mais alto desde 2008 — um total de 11.088 km² entre agosto de 2019 e julho de 2020.

Mourão repetiu em diferentes momentos que o governo está "comprometido em trazer um futuro sustentável" para a Amazônia. "2020 foi o ano mais desafiador na história recente. Não apenas para nossas populações e economia, mas também para o meio ambiente", justificou.

"Apesar da disponibilidade limitada de recursos por conta da pandemia, o Brasil trabalhou sem parar para limitar incêndios ilegais e o desmatamento", disse.

Mourão lembrou que, em dezembro, anunciou que a meta do governo de atingir uma neutralidade de emissões de CO2 até 2060. Mas omitiu o fato de que a ONU (Organização das Nações Unidas) não considerou o gesto como suficiente. Nesta semana, o secretário-geral, Antonio Guterres, listou países de grande porte que tinham apresentado planos ambiciosos e não citou o Brasil.

Segundo Mourão, o governo tenta promover o desenvolvimento e impedir ilegalidades ambientais. Mas tampouco citou que as multas do Ibama caíram em 20% no último ano.

Covid-19 no Amazonas

Marisol Argueta de Barillas, chefe do Fórum para a América Latina e que mediou o debate, fez questão de apontar ao iniciar o evento para o impacto da pandemia na Amazônia. Segundo ela, isso era uma "ilustração da necessidade de falar de acesso a serviços" para a população local.

Em nenhum momento de suas duas intervenções, porém, Mourão citou as dificuldades que vive a população por conta da covid-19 e nem o colapso do sistema público de saúde.

Davos sem Bolsonaro

Sua intervenção ocorre um dia depois que ele disse, em entrevista exclusiva à CNN, sentir falta de ter diálogo mais frequente com o presidente Jair Bolsonaro. "Não há conversas seguidas entre nós. As conversas são bem esporádicas", afirmou o general. Indagado se sente falta de mais diálogo, respondeu: "Faz falta, sim. Faz falta até para eu entender em determinados momentos o que eu preciso fazer".

Davos havia convidado Bolsonaro para seu evento anual, que ocorre neste ano de forma virtual. O presidente brasileiro não atendeu ao pedido e, em seu lugar, designou Mourão. O vice-presidente falou em um debate que também contou com o vice-presidente da Colômbia, Ivan Duque, Maria Alexandra Moreira López, secretária-geral da Organização do Tratado para a Cooperação Amazônica, e Mauricio Claver-Carone, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Do lado brasileiro, o debate também contou com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, o CEO da Vale, Eduardo de Salles Bartolomeo, e o CEO do Itaú Unibanco, Candido Botelho Bracher.

Brasil tem série de episódios internacionais que pressionam sobre meio ambiente

Em 2019, na única participação de Bolsonaro em Davos, o presidente foi flagrado em uma conversa com o ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore. Ao ser questionado pelo americano sobre a questão do desmatamento na Amazônia, Bolsonaro afirmou que estava interessado em "explorar" o local, junto com o governo americano. Confuso diante da resposta, Gore admitiu que não entendeu o que aquilo significava. O vídeo viralizou.

O governo brasileiro vem sendo alvo de uma forte pressão internacional também nos meios diplomáticos e econômicos por conta da situação do desmatamento que, em 2020, atingiu patamares elevados. Na Europa, parlamentos nacionais e regionais têm aprovado moções para impedir que o bloco feche um acordo comercial com o Mercosul.

Às vésperas da participação de Mourão em Davos, ex-ministros brasileiros se uniram para enviar uma carta aos governos europeus pedindo ajuda no que se refere ao desmatamento. No fim de semana, caciques brasileiros submeteram ao Tribunal Penal Internacional uma queixa contra Bolsonaro, por conta da situação dos indígenas e do desmatamento.

Nesta semana, a Comissão Europeia voltou a anunciar que vai estabelecer leis que impedirão empresas de importar commodities ou insumos se não provarem que os produtos são sustentáveis.

Já o presidente Emmanuel Macron, da França, deixou claro que seu governo não ratificaria o tratado com o Mercosul nas atuais condições do desmatamento no Brasil e iniciou uma política para reduzir a compra da soja brasileira. O Itamaraty considera que Paris usa a agenda ambiental para camuflar uma política protecionista.