O racismo não dá folga e trabalha todos os dias com a ajuda da indiferença
Dias atrás, um homem negro ficou na mira de uma arma sob o olhar complacente e indiferente de uma policial fardada. Ao ser questionada por que não agiu ao ver um homem segurando uma arma em público, com crianças ao redor, a policial respondeu que estava de folga e que o procedimento era chamar reforço. Coisa que ela também não fez. Ficou de braços cruzados olhando a cena como se tudo aquilo fosse normal, além de chutar o rapaz negro quando este foi pedir ajuda.
Há ainda os que, nesta situação, defendem o homem armado - que aliás é um policial civil - porque o rapaz negro teria cometido um assalto. A questão é que, sendo assaltante ou não, não é trabalho de um policial civil sacar uma arma e pôr a vida de outras pessoas em risco. Além disso, o corpo negro geralmente é colocado nesse lugar onde tudo vale. Um corpo descartável em que todas as violências são permitidas.
Há um consenso perverso de que este rapaz negro deve ser preso, julgado e, muitas vezes, punido com a morte. Mas tudo isso decido por cidadãos de bem que se colocam no lugar da Justiça e determinam suas próprias leis como se o ato de portar uma arma lhes desse carta branca para fazer o que quiser (o uso da expressão "carta branca" foi proposital).
Obviamente que ninguém aqui está defendendo infratores. A questão não é essa. Criminosos devem ser presos, julgados e punidos dentro da lei. A questão é a mentalidade de que vidas negras não valem nada ou quase nada, isto é, a mentalidade de que não merecem passar pelos devidos processos jurídicos resguardados pela Constituição.
A imagem de uma mulher branca, com traços asiáticos, se colocando na frente do homem negro para que o homem branco não atirasse é bastante simbólica porque mostra a complexidade do racismo no Brasil. Pois sabemos que asiáticos também são, muitas vezes, vítimas de preconceito.
A diferença é a de que eles não são mortos em abordagens policiais, por exemplo. Ou seja, embora asiáticos, a pele clara (amarela) concede a eles um privilégio herdado da branquitude. Talvez se uma mulher negra se colocasse naquela mesma situação o desfecho poderia ter sido trágico.
A atitude da policial reflete, na verdade, a falência da segurança pública. Digo falência porque todos sofrem com a precariedade dos serviços. Policiais também morrem, também são assolados pela violência, também sofrem a pressão de condições insalubres para exercer seu trabalho.
Entretanto, é preciso entender que a polícia exerce uma atividade essencial na sociedade. Estar de folga é um direito trabalhista, entretanto, assim como um médico que vê alguém passando mal e se recusa a ajudar com o argumento de que está de folga, não intervir como policial em momentos como esses é uma atitude antiética e desumana.
A indiferença diante da dor dos outros é o combustível para a manutenção das desigualdades. Entramos no mês de novembro, mês da consciência negra, e a cada ano que passa percebemos a importância de repensar nossas atitudes diante do racismo. Por outro lado, a cada ano que passa sinto menos esperança de que teremos uma sociedade livre de preconceitos.
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