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Josias de Souza

No colo do centrão, Bolsonaro se escora no grupo que derrubou Dilma

31.mai.2020 - O presidente Jair Bolsonaro em cavalo em frente ao Palácio do Planalto durante manifestação a favor do seu governo em Brasília - Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo
31.mai.2020 - O presidente Jair Bolsonaro em cavalo em frente ao Palácio do Planalto durante manifestação a favor do seu governo em Brasília Imagem: Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

01/06/2020 14h53

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"Estarei onde o povo estiver", disse Jair Bolsonaro neste domingo (31), em vídeo postado nas redes sociais após vistoriar a cavalo apologistas do governo que se reuniram na Praça dos Três Poderes. Horas antes, o presidente enviara ao Diário Oficial da União uma nomeação que distancia seu governo da praça, acomodando-o definitivamente no colo do centrão, um aglomerado de partidos fisiológicos.

Bolsonaro nomeou para a presidência do estratégico Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (BNDES) Marcelo Lopes Ponte. Trata-se do chefe de gabinete do presidente do PP, senador Ciro Nogueira, um cliente de caderneta da Lava Jato. Vem aí a nomeação para a presidência do Banco do Nordeste de Alexandre Borges Cabral, apadrinhado do proprietário do PL, Valdemar Costa Neto, um ex-presidiário condenado no escândalo do mensalão.

Na campanha presidencial, Bolsonaro tratara a política como se fosse a segunda profissão mais antiga do mundo. Na Presidência, se esforça para demonstrar que ela se parece muito com a primeira. Candidato, Bolsonaro vendeu-se como opção antissistema. Presidente, acerta-se com o centrão, um aglomerado sistêmico que se caracteriza por ser a favor de tudo ou absolutamente contra qualquer outra coisa, desde que suas pulsões vitais (cargos e verbas) sejam atendidas.

A serventia do centrão para o governo está associada mais à sobrevivência política do que à articulação de reformas modernizantes.

Num instante em que o desalinho de Bolsonaro faz soar nos subterrâneos do Congresso uma pergunta incômoda —"Será que ele termina o mandato?"—, a ala arcaica do Legislativo fornece ao presidente algo como duas centenas de votos —o suficiente para barrar a tramitação de eventuais pedidos de impeachment e denúncias criminais.

A preocupação com o centrão não é banal. Foi sobretudo graças à junção dos interesses desse grupo com os do MDB de Michel Temer que Dilma Rousseff foi mandada para casa mais cedo. Convertidos por Bolsonaro em heróis da resistência, personagens como Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto são chamados por Dilma de "traidores".

Previdente, Bolsonaro achegou-se ao MDB antes mesmo de se acertar com o centrão. No ano passado, em meio ao arranca-rabo que o levou a deixar o PSL, o presidente destituiu a ex-amiga Joice Hasselmann do posto de líder do governo no Congresso. Substituiu-a pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO). Esse novo preposto do presidente no Legislativo passou a fazer dobradinha com o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado.

Eduardo Gomes é vinculado a um personagem notório: o multi-investigado Renan Calheiros (MDB-AL), adepto da operação Abafa a Jato, antigo entusiasta do "Lula Livre". Fernando Bezerra, egresso do Partido Socialista Brasileiro (PSB), é outro velho apoiador de Lula. Serviu ao governo de Dilma Rousseff como ministro da Integração Nacional.

Bezerra tem algo em comum com a turma do centrão: o prontuário. É outro cliente da Lava Jato. Sob a gestão de Sergio Moro no Ministério da Justiça, o senador recebeu a visita dos rapazes da Polícia Federal, numa batida de busca e apreensão que recolheu material para processo em que é acusado de desviar R$ 5,4 milhões na época em que era ministro de Dilma.

A exemplo do sapo de Guimarães Rosa, não é por boniteza, mas por precisão que Bolsonaro encosta sua "nova política" no centrão e no MDB.

Embora sua reprovação tenha batido em 43%, o presidente conserva o apoio de 33% dos brasileiros. Contidas pelo coronavírus, as ruas não roncam pelo impeachment. Entretanto, com a pandemia em alta e a economia em queda livre, Bolsonaro toma suas precauções.

Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, cuja gravação ganhou as manchetes por ordem do Supremo, o ministro Abraham Weintraub disse que Brasília é "uma porcaria". Classificou a Capital como "um cancro de corrupção, de privilégio". Agora, como comandante da pasta da Educação, o ministro mais ideológico de Bolsonaro tem o privilégio de recepcionar no FNDE, principal órgão sob seu comando, a turma do "cancro".

Weintraub ainda não realizou o sonho de prender os "vagabundos do STF". E está às voltas com a necessidade de cuidar para não realizar o pesadelo de virar parte da "porcaria" em que se transformam todos os governos que se instalam em Brasília prometendo o novo e deslizam para a vala comum do centrão.

No gogó, Bolsonaro diz "estarei onde o povo estiver." Na prática, não poderia estar mais distante do eleitorado. De acordo com o Datafolha, 67% dos brasileiros rejeitam o acerto do governo com o centrão.