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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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PMs da Rota são suspeitos de forjar flagrante e Justiça solta preso do PCC

Imagens de câmera de segurança mostram momento em que Márcio Alario Esteves, o Turim, apontado como integrante do PCC, é presoem 11 de setembro de 2020 por PMs da Rota sob a acusação de tráfico de drogas - Reprodução/SSP
Imagens de câmera de segurança mostram momento em que Márcio Alario Esteves, o Turim, apontado como integrante do PCC, é presoem 11 de setembro de 2020 por PMs da Rota sob a acusação de tráfico de drogas Imagem: Reprodução/SSP

Colunista do UOL

22/04/2021 04h00Atualizada em 22/04/2021 11h28

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O Tribunal de Justiça de São Paulo mandou soltar em fevereiro Márcio Alario Esteves, 39, o Turim, apontado como integrante do PCC (Primeiro Comando da Capital), preso em 11 de setembro de 2020 por PMs da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) sob a acusação de tráfico de drogas.

O desembargador Ivo de Almeida, da 1ª Câmara de Direito Criminal, concedeu habeas corpus em favor de Turim e suspendeu a ação penal até que seja concluída uma perícia complementar que possa esclarecer a dinâmica da abordagem e a apreensão de quatro quilos de cocaína que os PMs disseram ter encontrado no veículo ocupado pelo acusado.

As circunstâncias sobre a prisão de Turim deixaram uma série de dúvidas em relação à dinâmica da prisão e à apreensão da droga. Peritos forenses e a defesa do preso não descartam as hipóteses de que a droga encontrada no carro foi "intrujada" pelos PMs e de que o flagrante de tráfico tenha sido forjado.

Uma das perguntas feitas aos PMs quando eles apresentaram a ocorrência no 5º Distrito Policial (Aclimação), foi se eles usavam câmeras no uniforme. Os militares responderam que não porque o Batalhão Tobias de Aguiar (Rota) não disponibiliza o aparelho.

As versões sobre a prisão de Turim são contraditórias. Os PMs alegaram na delegacia que faziam diligências na Bela Vista quando avistaram um Tiguan branco com vidros escuros e por isso fizeram abordagem de rotina. Segundo os PMs, no carro havia quatro tijolos de cocaína sob o banco traseiro.

Turim disse que conversava ao celular com sua mulher, Sarah Pinheiro Santana, quando conduzia o veículo na rua Maestro Cardim e notou que era seguido por uma viatura da Rota. Ele alertou a mulher que iria parar em um lugar movimentado, pois estava com medo ser morto pelos policiais.

Em depoimento, Sarah confirmou a versão do marido e contou que ouviu pelo telefone parte da conversa dos PMs durante a abordagem: "Perdeu, Turim. A primeira opção era te matar, mas você sabe né, tem droga no carro".

Segundo Sarah, Turim respondeu aos policiais que não havia droga no veículo e um dos PMs retrucou: "Mas vai ter". De acordo com a mulher de Turim, a ligação telefônica caiu em seguida.

Sarah acrescentou que Turim havia emprestado o carro de um amigo e saiu de casa para levar exames ao consultório médico na rua Capitão Mor Roque Barreto, 69, e marcar a cirurgia bariátrica. O sistema Detecta, que mostra com horário exato a movimentação de veículos, e o médico que consultou Turim comprovaram a versão da mulher do preso.

No 5º DP, os PMs não mencionaram ter chamado uma testemunha para mostrar um pacote com cocaína supostamente encontrado no carro. Isso só foi descoberto porque a delegada Najeth Caroline Bachour pediu para uma equipe de investigadores ir ao local da abordagem à procura de eventuais câmeras de monitoramento. E foi exatamente o que aconteceu.

Imagens de câmera de segurança mostram momento em que testemunha é chamada por policiais  - Reprodução/SSP - Reprodução/SSP
Imagens de câmera de segurança mostram momento em que testemunha é chamada por policiais
Imagem: Reprodução/SSP

As gravações de vídeo e fotos de um circuito de segurança da região mostram desde a abordagem feita pelos PMs até o momento em que Turim é algemado e levado para o compartimento de presos da viatura da Rota. Só depois disso, passados uns 20 minutos, é que os policiais foram atrás de uma testemunha para mostrar a droga que estaria no veículo.

Essa versão dos PMs também é contraditória. Os policiais afirmaram que havia quatro pacotes com cocaína escondidos sob o banco traseiro do automóvel. A testemunha contou que viu apenas um pacote e ainda sob o banco dianteiro do passageiro.

Fotos dos quatro pacotes apresentados pelos PMs na delegacia foram exibidas à testemunha, mas ela afirmou que não podia reconhecê-las, porque só viu um pacote dentro do carro.

Quatro quilos de cocaina que policiais da Rota afirmam ter apreendido no carro do suspeito Márcio Alario Esteves, o Turim - Reprodução/SSP - Reprodução/SSP
Quatro quilos de cocaina que policiais da Rota afirmam ter apreendido no carro do suspeito Márcio Alario Esteves, o Turim
Imagem: Reprodução/SSP

O advogado de Turim, Amaury Teixeira, contratou o Laboratório de Perícias Doutor Ricardo Molina de Figueiredo para analisar as imagens das câmeras de segurança. "Nós queremos a verdade", afirmou o defensor ao UOL.

O laudo tem 19 páginas e a conclusão é a de que os PMs da Rota colocaram a droga no carro ocupado por Turim. A perícia particular fez uma simulação e concluiu que não há espaço suficiente para esconder quatro pacotes de cocaína debaixo do banco traseiro do Tiguan.

O laudo do laboratório afirma ainda que uma das imagens analisadas mostra que o PM que revistou o carro apresentava um volume debaixo do colete à prova de bala, provavelmente o pacote com a droga, e depois que ele saiu do veículo, o volume desaparece.

Ainda segundo a perícia particular, de acordo com o procedimento padrão da Polícia Militar, o condutor do carro abordado deveria acompanhar de perto as buscas feitas pelos PMs e isso não aconteceu porque um policial se posicionou à frente de Turim, impedindo a visão dele. Para a perícia, as imagens confirmam que nada foi encontrado sob o banco traseiro do carro.

Para a delegada que registrou o caso, as imagens das câmeras de segurança são inconclusivas. No entendimento da promotora de Justiça Ana Maria Aiello Demadis e da juíza Daniela Martins de Castro Mariani Cavallanti, da 2ª Vara Criminal da Capital, o flagrante foi legal e há provas de materialidade de infração penal, bem como indícios suficientes de autoria.

Turim disse em depoimento que não portava drogas no carro e contou que assim que chegou à delegacia surgiram outras viaturas da Rota e um PM superior hierárquico aos policiais que o abordaram — segundo ele de prenome Miguel — reclamou aos subordinados que era para ter matado ele.

Há suspeita também de que os PMs não faziam diligências na Bela Vista, mas já monitoravam Turim e o seguiam por causa de seus antecedentes criminais, tanto que pronunciaram o apelido dele antes da abordagem.

Segundo a defesa do acusado, essa hipótese tem lógica porque enquanto a ocorrência era registrada na delegacia, duas viaturas da Rota chegavam a outro endereço ligado a Turim, mas em um condomínio em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, distante 67 km do 5º DP, na Aclimação.

Turim estava em liberdade havia três anos. Ele cumpriu pena na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, ao lado de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como líder máximo do PCC. Ambos responderam ao mesmo processo por formação de quadrilha.

Ao conceder habeas corpus em favor de Turim, até que seja realizada uma perícia oficial pelo Instituto de Criminalística de São Paulo, o desembargador Ivo de Almeida fez a seguinte observação".

"Não se ignoram os antecedentes do paciente e seu possível envolvimento com atividades criminosas estruturadas, embora não tenha cometido qualquer outro delito desde que foi colocado em liberdade, há quase três anos".

O UOL enviou e-mail à Polícia Miliar na tarde terça-feira (20), indagando se os PMs da Rota realizavam patrulhamento de rotina na Bela Vista ou se já monitoravam o preso; se a abordagem foi feita dentro dos padrões determinados pela corporação e se a prisão ocorreu de forma legal. Até a conclusão desta reportagem, a PM não havia se manifestado.