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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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Escobar brasileiro lava dinheiro do tráfico com material de combate à covid

O ex-policial militar Sérgio Roberto de Carvalho, 62, conhecido como Major Carvalho - Reprodução/Ministério da Segurança Pública
O ex-policial militar Sérgio Roberto de Carvalho, 62, conhecido como Major Carvalho Imagem: Reprodução/Ministério da Segurança Pública

Colunista do UOL

13/01/2022 04h00

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O Boeing 747-400F, um cargueiro de 400 toneladas, pousou no aeroporto internacional de Florianópolis em 11 de junho de 2020, proveniente da China. Havia 25 anos que uma aeronave desse porte não aterrissava na capital catarinense.

O avião estava carregado com 10 milhões de máscaras de proteção contra o coronavírus e materiais hospitalares também chamados de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual). As informações eram de que os produtos tinham sido adquiridos por um importador privado.

Mas, segundo a Polícia Federal, a importação foi feita por uma empresa investigada por suspeita de ligação com a organização criminosa liderada pelo ex-major da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, Sérgio Roberto de Carvalho, o Major Carvalho, um dos maiores narcotraficantes do mundo, procurado nos cinco continentes.

Na Europa, o foragido é chamado de "Escobar brasileiro", em referência ao narcotraficante colombiano Pablo Escobar. A PF diz que entre os anos de 2018 e 2019, o Major Carvalho movimentou R$ 2,25 bilhões exportando 45 toneladas de cocaína para Portugal, Espanha, Itália, França, Bélgica, Holanda e Alemanha.

De acordo com a Polícia Federal, o "Escobar brasileiro" se utilizou da pandemia para lavar dinheiro, importando da China insumos para combate à covid-19, como máscaras de proteção, equipamentos de testes para a detecção de coronavírus e termômetros infravermelhos.

A descoberta aconteceu após a deflagração da Operação Enterprise, desencadeada pela Polícia Federal em 23 de novembro de 2020 para combater a lavagem de dinheiro com o tráfico internacional de drogas. Foram cumpridos 66 mandados de prisão.

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Avião usado no esquema de lavagem de dinheiro com EPIs
Imagem: Reprodução

Telefone apreendido

A irmã do Major Carvalho, Lucimara de Carvalho, 56, era uma das pessoas presas. Agentes federais apreenderam o telefone celular dela. As investigações da PF apontam que ela e o irmão trocaram várias mensagens pelo aplicativo WhatsApp.

Os agentes apuraram que o "Escobar brasileiro" usou uma linha telefônica de Portugal para se comunicar com a irmã sobre uso de aeronaves, pagamentos de fretes marítimos para importação de roupas da China e realização de depósitos em dólares em contas bancárias chinesas.

Em uma das mensagens, o Major Carvalho pede para a irmã fazer contato na China com uma mulher chamada Kelly. A PF suspeita que seja o apelido de uma chinesa. Em outra mensagem, as duas tratam da importação de milhares de equipamentos de testes para covid-19, máscaras de proteção e termômetros.

A mensagem de 2 de junho de 2020 confirma a importação. As investigações da PF concluíram que a operação foi comandada pelo Major Carvalho.

No período de 6 a 13 de junho de 2020, Lucimara e Kelly continuam com as trocas de mensagens.

As comunicações entre as duas confirmam a decolagem de uma aeronave da China transportando para o Brasil os equipamentos de testes para covid-19 e máscaras de proteção, utilizando a logística da empresa suspeita de ligação com a organização liderada pelo Major Carvalho.

Fotos do avião no celular

Lucimara e Kelly tratam ainda de importação de termômetros infravermelhos e também falam sobre o fretamento de mais uma aeronave. Ainda segundo a Polícia Federal, no celular de Lucimara foram encontradas imagens dos produtos hospitalares financiados na China.

Havia ainda no celular filmagens do Boeing 747 taxiando em um aeroporto da China antes de decolar rumo ao Brasil. Em outras mensagens, Major Carvalho revela à irmã que contraiu coronavírus e comenta sobre a intenção de importar produtos hospitalares da China para os Estados Unidos.

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Ex-major Sergio Roberto de Carvalho
Imagem: Reprodução

A Polícia Federal encontrou armazenado no celular de Lucimara prints e documentos judiciais sobre "uma ação contra o estado de São Paulo referente ao aparente cancelamento de uma nota de empenho de R$ 104,4 milhões para compra de 36 milhões de máscaras de proteção.

Para a PF, a documentação armazenada no celular deixa claro que a organização do Major Carvalho tentou vender para o Estado de São Paulo as máscaras importadas da China, financiadas com dinheiro do tráfico internacional de drogas obtido com a exportação de cocaína para a Europa via portos brasileiros.

Um relatório da Polícia Federal ao qual a reportagem teve acesso diz que "aparentemente o negócio não foi concluído por causa da rescisão do contrato pelo Estado de São Paulo devido ao atraso na entrega dos produtos".

Prisão domiciliar

A reportagem entrou em contado com o escritório dos advogados Thiago Quintas Gomes e Herculano Xavier de Oliveira, defensores de Lucimara de Carvalho. Um funcionário informou que ambos estão em férias, viajando, e pediram para não serem importunados.

Lucimara é acusada pela PF de integrar o núcleo financeiro da organização criminosa do Major Carvalho, cuidando da contabilidade, das empresas de fachada e da lavagem de ativos para o grupo, inclusive utilizando documento falso obtido no estado do Paraná.

A irmã do Major Carvalho foi indiciada por lavagem de dinheiro mas, segundo informações da Secretaria Estadual da Administração Penitenciária, também responde por associação ao tráfico de drogas e organização criminosa. Ela ficou recolhida na Penitenciária Feminina da Capital, no Carandiru, zona norte de São Paulo, até 9 de julho de 2021, quando foi beneficiada com prisão domiciliar.

Os advogados de Lucimara alegam em petições judiciais que não existe qualquer indício que possa vinculá-la ao tráfico de drogas e lavagem de dinheiro e que também não há nenhuma descrição de conduta ilícita praticada por ela.

Segundo os defensores, Lucimara tem bons antecedentes é primária e sempre exerceu ocupação lícita, com rendimentos compatíveis aos ganhos obtidos legalmente ao longo da vida, através do trabalho exercido e por herança recebida.

Os advogados afirmam nas petições que Lucimara é irmã de uma delegada da Polícia Civil, aposentada após longos anos de uma carreira pautada pela ética, dedicação e sem qualquer falta funcional.

Nas petições, os advogados pediram a prisão domiciliar para Lucimara, por razões humanitárias, já que ela é portadora de bronquite crônica, obesidade mórbida, problemas psiquiátricos, além de transtornos ansioso e depressivo.