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Ausência de plano nacional causa mais sofrimento a EUA e Brasil na pandemia

26.jun.2020 - O presidente dos EUA, Donald Trump, em Washington - Carlos Barria/Reuters
26.jun.2020 - O presidente dos EUA, Donald Trump, em Washington Imagem: Carlos Barria/Reuters

Colunista do UOL

02/07/2020 16h49Atualizada em 28/07/2020 12h18

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A falta de uma resposta federal coordenada com os estados é a principal causa do recrudescimento da epidemia de covid-19 nos EUA. Desde o início da crise, o presidente Donald Trump optou por uma abordagem que mistura omissão, desprezo e incompetência ao lidar com o coronavírus.

Enquanto pôde, Trump fingiu não ver o problema. Quando começou a enfrentá-lo, minimizou a doença e contradisse cientistas da força-tarefa que criou.

Na quarentena, foi a primeira autoridade a pressionar os estados a reabrir a economia sem que atendessem aos critérios sanitários do próprio governo federal — como contabilizar queda de casos em duas semanas.

Atitude prematura, a reabertura da economia fracassou e já levou 23 estados americanos a rever seus planos. Alguns governadores suspenderam, por exemplo, as permissões dadas recentemente para o funcionamento de bares, restaurantes e academias de ginástica. Praias ficarão fechadas no feriado de 4 de Julho, o Dia da Independência.

A epidemia de coronavírus cresce em 37 dos 50 estados, sobretudo no sul e na Costa Oeste. Nesta quarta-feira (1º), foram registrados quase 50 mil novos casos de covid-19 no país. Flórida, Texas, Arizona, Califórnia, Tennessee e Carolina do Norte apresentam números alarmantes.

Estados que controlaram com eficiência a pandemia (Nova York, Nova Jersey e Connecticut) temem que seus esforços caiam por terra com o crescimento da doença em outros pontos do país. A resposta conjunta de estados do nordeste foi fundamental para baixar as taxas de infecção, "achatando a curva".

Há diferenças em número de casos nas cidades e regiões. Centros urbanos com maior densidade demográfica são presas mais fáceis para o vírus. A onda forte bateu antes em alguns estados do que noutros.

Tudo isso é verdade e deve ser levado em conta na elaboração de uma resposta nacional coordenada. No entanto, há prova inegável de que a estratégia de cada estado por si dificulta o controle da pandemia. Trump é o grande responsável por essa descoordenação.

Na hora do jogo pesado, jogou o abacaxi para os governadores. Quando a curva de casos caiu, declarou que seu governo havia feito um "grande trabalho". Com o repique assustador da doença no verão do Hemisfério Norte, o presidente americano vive em estado de negação. Afirmou nesta quinta que situação está sendo bem manejada e que alguns focos de incêndio estão sendo apagados.

A situação não está sob controle. Tampouco há apenas focos de incêndio. Quase todo o país pega fogo. A criação de 4,8 milhões de empregos em junho pode ser um soluço de recuperação econômica. Se a pandemia continuar a piorar, parte dessas vagas poderá desaparecer novamente.

Para dar um toque de surrealismo à situação, o uso da máscara foi politizado pelo presidente. Uma forma eficaz de prevenção virou um debate a respeito de direitos e garantias individuais, como se cobrir o rosto fosse uma questão de liberdade de expressão e não um ato de respeito à saúde alheia.

O presidente não usa máscara em público e se recusa a assinar uma ordem executiva para tornar o expediente obrigatório nacionalmente, como pedem especialistas e políticos democratas.

A piora da situação nos Estados Unidos é resultado direto do modo como Trump decidiu enfrentar a crise. Não é mera coincidência a semelhança com o que acontece no Brasil.

Trump e o presidente Jair Bolsonaro agravam os efeitos das tragédias em seus países. São diretamente responsáveis por casos, internações e mortes que poderiam ter sido evitadas com o mínimo de responsabilidade sanitária e política. O Brasil não tem nem ministro da Saúde de verdade, mas um interino que desconhece a área.

Sem estabelecer uma estratégia nacional coerente e eficaz, Estados Unidos e Brasil continuarão a dinamitar o controle da pandemia e a impor sofrimento desnecessário aos seus cidadãos. O pior parece estar por vir.