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Trump pode perder eleição, mas trumpismo deve durar muito tempo nos EUA

Amy Coney Barrett, indicada de Trump, consolidará maioria conservadora na Suprema Corte se aprovada pelo Senado - MATT CASHORE/NOTRE DAME UNIVERSITY/HANDOUT VIA RE
Amy Coney Barrett, indicada de Trump, consolidará maioria conservadora na Suprema Corte se aprovada pelo Senado Imagem: MATT CASHORE/NOTRE DAME UNIVERSITY/HANDOUT VIA RE

Colunista do UOL

26/09/2020 18h06

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Donald Trump poderá perder a eleição de 3 de novembro, mas o trumpismo deverá sobreviver na sociedade americana para além do mandato do atual presidente.

Ao escolher a juíza federal Amy Coney Barrett para substituir Ruth Bader Ginsburg na Suprema Corte, Trump consolida uma maioria conservadora na cúpula do Judiciário dos EUA. É um legado que deverá durar décadas até que haja um reequilíbrio entre conservadores e liberais na mais alta corte de Justiça do país.

A 38 dias das eleições, Trump anunciou neste sábado à tarde na Casa Branca a sua opção por Amy Coney Barrett, que deverá ser aprovada pelo Senado, onde o Partido Republicano tem maioria. Dos 9 ministros da Suprema Corte, 6 terão posições conservadoras contra 3 de inclinação liberal.

Até a morte da progressista Ruth Bader Ginsburg, a correlação de forças interna tinha mais equilíbrio na Suprema Corte. Apesar da vantagem de 5 a 4 para conservadores, o presidente da corte, John Roberts, costumava ter decisões mais equilibradas, ora votando mais à direita, ora mais à esquerda. A posição moderada e decisiva de Roberts perderá força com o ingresso de Amy Coney Barret, claramente uma juíza de direita.

Barrett apoia leis para restrição do aborto e para manter a ampla liberdade para compra de armas prevista na Segunda Emenda da Constituição. Tem posição conservadora em relação à área de saúde pública, o que deve ter impacto num julgamento previsto para acontecer na Suprema Corte ainda neste ano a respeito do Obamacare, um seguro de saúde com maior cobertura de doenças preexistentes do que a prevista pelos planos tradicionais e caros dos EUA.

Muito religiosa e católica, ela é professora de direito da Universidade Notre Dame e juíza federal da 7ª corte de apelações, com sede em Chicago (Illinois). Essa corte julga casos dos estados de Illinois, Indiana e Wisconsin. A indicação é um aceno para a base de eleitores branca e conservadora que Trump quer manter unida para tentar virar o jogo contra Biden, que lidera as pesquisas presidenciais.

Nos seus quatro anos, Trump adotou estratégia de indicar juízes conservadores os tribunais federais. Só para a Suprema Corte, terá indicado três, todos na faixa dos 50 anos de idade, o que deve assegurar uma permanência longa da maioria conservadora no tribunal. Barrett tem apenas 48 anos.

Ao contrário do Brasil, onde um ministro do Supremo Tribunal Federal se aposenta obrigatoriamente aos 75 anos, o cargo é vitalício nos Estados Unidos. Ruth Bader Ginsburg morreu aos 87 anos no exercício da função.

A pressa de Trump para indicar e aprovar logo Barret tem a ver com a sua estratégia reeleitoral. Ele pretende questionar na Justiça votos pelo correio, imaginando que, dessa forma, possa reverter uma derrota para o democrata Joe Biden. Ele entrevistou Barrett pessoalmente na última semana e disse que deseja ter 9 ministros na Suprema Corte porque haverá uma batalha jurídica pelo resultado da presidencial.

Nesta semana, Trump disse três vezes que uma transição pacífica de poder para Biden dependeria de a eleição não ser roubada pelos democratas. Ele afirmou que a única possibilidade de ser derrota é haver uma fraude em massa nos votos via correio.

O presidente alimenta uma teoria conspiratória sobre a segurança dos votos postais, mas essa modalidade tem histórico de confiabilidade nos EUA. Trump sabe que vai perder no voto popular e aposta numa manobra jurídica para invalidar votos via correio em alguns estados e assim obter novamente maioria no Colégio Eleitoral.

Nos EUA, não basta ganhar no voto popular. Hillary Clinton venceu Trump em 2016 por diferença de quase três milhões de votos. Mas o republicano ganhou no Colégio Eleitoral, onde é preciso obter, no mínimo, maioria absoluta (270) dos 538 delegados. Nas últimas sete eleições, desde 1992, os republicanos só ganharam no voto popular com George W. Bush, em 2004, que se fortalecera com o sentimento de união nacional pós-11 de Setembro.

Trump tem dinamitado cotidianamente a credibilidade do sistema eleitoral, o que enfraquece a democracia americana. Ele tem tido sucesso na sua cruzada autoritária e obscurantista. Nesta semana, a rede de TV CNN exibiu uma reportagem que ilustra esse estrago institucional.

Um repórter apresentava a eleitores republicanos provas que mostravam serem falsos um vídeo levado ao ar contra Biden. Mesmo diante das evidências, eles preferiam acreditar na notícia falsa. Ao longo de quatro anos, Trump contou 18 mil mentiras, segundo a imprensa americana.

Trump transformou o Partido Republicano numa legenda à mercê do seu personalismo. Criou uma disfuncionalidade na democracia dos EUA, estimulando desconfianças e divisões na população que serão o seu principal legado, cuja cereja do bolo é uma Suprema Corte mais conservadora do que a média da sociedade americana. Mesmo que perca a eleição, ele deixará uma herança política negativa de longa duração.