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Leonardo Sakamoto

Oposição prioriza taxar super-ricos e teme Reforma Tributária esvaziada

O ministro da Economia, Paulo Guedes - Mauro Pimentel/AFP
O ministro da Economia, Paulo Guedes Imagem: Mauro Pimentel/AFP

Colunista do UOL

05/02/2020 01h43

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Uma Reforma Tributária que não se resuma à simplificação de impostos, mas garanta que super-ricos paguem bem mais e os pobres e a classe média, bem menos. Até que isso aconteça, nada de discutir Reforma Administrativa. Essa é a posição de lideranças da oposição na Câmara dos Deputados ouvidas no ano legislativo, que começou nesta segunda (3).

"Vamos insistir para que seja votada a proposta de Reforma Tributária que apresentamos porque além de simplificar a tributação, ela redistribui o peso dos impostos entre as classes sociais. Ou seja, promove justiça fiscal", afirma o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição.

Paulo Pimenta, titular do Partido dos Trabalhadores na Comissão da Reforma Tributária, destaca que PT, PC do B, PSOL, PDT, PSB e Rede elaboraram a proposta alternativa que eleva a tributação sobre renda e patrimônio e reduz sobre consumo e folha de pagamento. Afirma que ela preserva as fontes de financiamento da educação e da Seguridade Social, que estariam ameaçadas em outras propostas.

"Não é verdade que o Brasil tem a maior carga tributária do mundo. Mas somos campeões na tributação sobre o consumo, que representa quase 50% do total arrecadado, enquanto, nos Estados Unidos, é 17%. Isso penaliza o pobre, que consome tudo o que ganha", diz.

O problema é que há tantos setores e atores preocupados em não pagar mais ou não arrecadar menos na reforma, que dificulta o trâmite de uma proposta mais ousada que altere o sistema tributário. Isso está dando força ao discurso de que a melhor reforma é a reforma possível de ser aprovada.

Ivan Valente (PSOL-SP), vice-líder do partido, acredita que a equipe econômica ficaria satisfeita apenas com uma simplificação, através da redução no número de impostos e contribuições federais. E, como nas outras esferas da administração pública, há o temor de perda de arrecadação, haveria apoio para isso. "Com a quebradeira nos Estados e municípios, ninguém quer sair perdendo", afirma.

Teste de fogo

De acordo com Valente, a oposição está fechada na defesa da taxação de dividendos, grandes fortunas e grandes heranças, em acabar com desonerações e reforçar a máquina arrecadadora para combater a sonegação. Mas reconhece que é difícil esse pacote passar com a composição atual do Congresso Nacional.

"Vai ser um teste de fogo. Nós estamos vivendo um momento do Brasil em que todos dizem ser contra a profunda e imoral desigualdade. Vamos ver quem de fato é contra, votando uma Reforma Tributária que mude isso", complementa Alessandro Molon.

A Câmara tem discutido a possibilidade de fatiamento do projeto, o que poderia deixar mudanças que aumentariam a progressividade do sistema, com os mais ricos pagando, propocionalmente, bem mais do que os mais pobres, por último. A oposição exige que seja votado tudo junto. "Porque, se for separar, conhecemos como funciona a cabeça dos que defendem os super-ricos", explica Molon.

O Brasil é o sétimo país mais desigual e tem a segunda maior concentração de renda de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Perde em desigualdade apenas para África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto e Moçambique. E se for considerada apenas a concentração de renda, fica apenas atrás do Catar.

O rendimento dos 10% mais ricos foi 13 vezes maior que o dos 40% mais pobres, de acordo com dados do IBGE, divulgados no início de novembro. Até 2015, o naco do andar de baixo estava crescendo mais por conta de medidas com o aumento real do salário mínimo, mas "entre 2017 e 2018, o rendimento dos 10% dos mais ricos teve alta de 4,1%, enquanto o dos 40% mais pobres sofreram queda de 0,8%". Ou seja, enquanto os ricos passaram relativamente incólumes pela crise e até fizeram dinheiro, os pobres passaram por dificuldade.

A líder da Minoria, Jandira Feghali (PC do B-RJ), afirma que, além da Reforma Tributária, a oposição terá que se esforçar para passar a renovação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que ajuda a financiar a área em Estados e municípios. Ele se encerra este ano e o ministro da Educação Abraham Weintraub quer recomeçar o debate que vem sendo travado no Congresso, o que pode inviabilizar o fundo.

Feghali também ressalta a rediscussão da emenda do Teto dos Gastos, que atrelou os gastos públicos ao aumento da inflação, entre as prioridades, aprovada durante o governo Michel Temer. Vale lembrar que o governo Bolsonaro, apesar de defender a medida, "pedalou" R$ 55 bilhões acima do teto constitucional no ano passado.

Reforma Administrativa

Todos os ouvidos afirmam que não é possível discutir a Reforma Administrativa sem que antes seja aprovada a Reforma Tributária e que, por isso, não há uma proposta alternativa sobre o tema. Contudo, demonstram que o que vem sendo sinalizado pelo governo e por setores do Congresso Nacional não vão contar com apoio da oposição.

Para reduzir investimentos e gastos com servidores públicos, o governo federal diz que essas mudanças valeriam apenas para os novos contratados ou concursados, incluindo restrições à estabilidade. O entendimento pode ser mudado pelo Congresso Nacional, que já discute formas de atrelar os aumentos salariais e promoções dos atuais servidores apenas ao desempenho, ignorando tempo de serviço.

"Ainda não sabemos qual a proposta final do governo. Mas em se tratando de Jair Bolsonaro, podemos prever que será uma maneira de enfraquecer o Estado, diminuindo serviços essenciais em áreas, como saúde e educação, para agradar ao grande capital, em especial o sistema financeiro", explica Paulo Pimenta.

Ivan Valente vai na linha do colega e afirma que essa reforma significará "a degradação do serviço e do atendimento públicos, atingindo diretamente os mais pobres". Diz que, no longo prazo, essa degradação levará a propostas como trocar escolas e hospitais do Estado pela distribuição de "vouchers" para o pagamento de serviços privados de saúde e de educação de baixa qualidade.

Vale lembrar que estamos em ano eleitoral e poucos candidatos às prefeituras vão bater de frente com funcionários públicos. Nem o próprio presidente Bolsonaro se mostra empolgado com essa reforma em 2020, apesar do interesse da equipe econômica e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Para Jandira Feghali (PC do B-RJ), o processo de ataque a direitos de servidores já começou com a PEC Emergencial, apresentadas em novembro do ano passado. A proposta de emenda à Constituição quer a possibilidade de acionamento de gatilhos em crises fiscais, reduzindo jornada e remuneração de funcionários públicos e a proibição de reajustes e concursos por dois anos.

Por fim, ela alerta para o fato que, enquanto as propostas econômicas vão se sucedendo no Congresso Nacional, o governo vai mantendo, paralelamente, sua guerra cultural. E que há duas linhas de ação, a econômica, mas a que trata de outros direitos também. "Temos que confrontar essas posições. O Brasil exige da oposição uma atitude inflexível frente a elas."