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Leonardo Sakamoto

"Não dá mais para o Congresso passar a mão na cabeça de Bolsonaro"

Jair Bolsonaro - DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO
Jair Bolsonaro Imagem: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

26/02/2020 12h07

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"O Congresso Nacional tem sido tímido nas reações a ataques do presidente da República, mas não é mais possível adiar uma ação enérgica do parlamento em defesa da democracia. Se o Congresso não reagir agora a Bolsonaro, será tarde demais mais para frente."

A avaliação foi feita à coluna por Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Câmara dos Deputados, após Jair Bolsonaro ter encaminhado a amigos vídeos que convocam a população para ir às ruas defendê-lo. A Folha de S.Paulo confirmou o envio com o ex-deputado federal Alberto Fraga, próximo ao presidente. A informação sobre esses envios foi trazida, inicialmente, por Vera Magalhães, de O Estado de S.Paulo.

A convocação para as manifestações de apoio ao governo, marcadas para 15 de março (data do quinto aniversário do primeiro grande protesto pelo impeachment de Dilma Rousseff), traz pautas como o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal e a cassação ou prisão de suas lideranças. Ambos os poderes têm servido como freios e contrapesos a ações radicais e inconstitucionais de Bolsonaro.

Militantes pró-governo agitam a bandeira do "foda-se" hasteada pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno - que pediu ao presidente manifestações de rua contra o que ele chamou de tentativa do Poder Legislativo de "chantagear" o Executivo.

"É um comportamento reiterado, não é a primeira vez. O ministro do GSI disse que era necessário colocar o povo na rua contra o parlamento. Depois, isso partiu do próprio presidente", afirma Molon.

Bolsonaro vem, sucessivamente, testando seus limites e a capacidade de resposta das instituições e da sociedade. Por exemplo, no dia 28 de outubro do ano passado, um vídeo postado nas redes sociais do presidente o comparou a um leão acossado cercado de hienas (animais carniceiros e que comem cocô), causando repúdio. Elas representavam o STF, os partidos políticos, os advogados da OAB, os bispos católicos da CNBB, a imprensa, entre outros. O leão era salvo por um outro, identificado como "conservador patriota" e, depois, trocavam afagos.

Ministros do Supremo reagiram com irritação. No dia seguinte, Bolsonaro pediu desculpas, afirmando que o vídeo foi publicado por terceiros. Seu filho, Carlos Bolsonaro, retrucou - segundo ele, havia sido o próprio presidente. Como consequência, um grupo de manifestantes cercou o carro do ministro Dias Toffoli, dois dias depois, bateu na lataria e estendeu uma faixa "Hienas do STF".

Alessandro Molon disse à coluna que conversou com lideranças de partidos do centro e da direita, que também consideraram um absurdo o comportamento de Bolsonaro. Segundo ele, mesmo líderes que apoiam a pauta econômica do governo perceberam que chegou-se a um limite. "Não há clima para ignorar o que está acontecendo. Não dá mais para o Congresso passar a mão na cabeça de alguém que ocupa um cargo dessa importância, mas não age à altura", afirma.

A declaração vai ao encontro do que disse o ministro do STF Celso de Mello. À coluna de Monica Bergamo, na Folha de S.Paulo, afirmou que isso mostra "a face sombria de um presidente da República que desconhece o valor da ordem constitucional, que ignora o sentido fundamental da separação de Poderes, que demonstra uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo".

O líder da oposição solicitou ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e ao presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), uma reunião dos colégios de líderes para dar uma resposta a Bolsonaro.

"É preciso avaliar com o conjunto das forças democráticas no Congresso Nacional. É algo muito grave uma denúncia de que o presidente tenha convocado para um ato cujo mote é atacar os poderes Legislativo e Judiciário", analisa. "Quem deseja um modelo sem esses dois poderes independentes quer uma ditadura."

Em resposta às críticas de que usou seu celular para encaminhar vídeos chamando para a manifestação, Bolsonaro postou, na manhã desta quarta (26), uma mensagem dizendo que tem 35 milhões de seguidores em suas redes sociais, mas no WhatsApp conta com "algumas poucas dezenas de amigos onde, de forma reservada, trocamos mensagens de cunho pessoal". Afirmou que "qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República".

Mas não negou que tenha compartilhado o material.

O artigo 85 da Constituição Federal aponta que são crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição e, especialmente, contra "o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da federação" (inciso II).

Democracia

"Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos... e se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes!" A declaração de Carlos Bolsonaro, postada em seu Twitter, em setembro do ano passado, foi prontamente rechaçada por políticos de vários matizes ideológicos e pela OAB.

Essa e tantas outras declarações do clã Bolsonaro, como a de seu outro filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, defendendo um novo AI-5, não causariam tanto arrepio se o governo de seu pai não tivesse comportamentos autoritários e manifestasse desprezo por instituições democráticas.

Para Paulo Arantes, um dos mais importantes pensadores brasileiros, que formou décadas de filósofos na Universidade de São Paulo, em conversa com este blog no final do ano passado, no limite, Bolsonaro vai tornar as instituições flexíveis às necessidades de acúmulo de seu poder. E já teria feito isso com a Receita Federal, o Coaf, a Procuradoria-geral da República, a Polícia Federal.

Questionado se o presidente odeia a democracia, Arantes cravou: "Odiar a democracia pressupõe que ele tem um conhecimento a respeito da natureza intrínseca daquilo que está enfrentando. Ele não está nem aí, isso não existe para ele. Para ele, isso é alguma idiossincrasia vocabular de jornalista, mais nada".