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Leonardo Sakamoto

Da PF à PGR: Bolsonaro tenta devorar instituições por seu projeto de poder

Há quem veja em disputa sobre pasta neste início de 2020 um sinal de uma disputa que pode se configurar em 2022 entre Bolsonaro e Moro: as eleições presidenciais - Adriano Machado/Reuters
Há quem veja em disputa sobre pasta neste início de 2020 um sinal de uma disputa que pode se configurar em 2022 entre Bolsonaro e Moro: as eleições presidenciais Imagem: Adriano Machado/Reuters

Colunista do UOL

23/04/2020 17h13

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Polícia Federal, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Receita Federal, Procuradoria-Geral da República. Jair Bolsonaro, desde que assumiu o cargo, vem atuando para engolir instituições de monitoramento e controle em nome de seu projeto de poder. A disputa com o ministro da Justiça, Sergio Moro, para além de suas dimensões psiquiátrica e eleitoral, se insere nesse processo.

O presidente sabe que não consegue controlar a base da Polícia Federal, mas se daria por satisfeito com um superintendente mais simpático a ele no Rio de Janeiro, seu berço político, e acesso a informações que possam garantir a seu clã vantagem política sobre os adversários.

A família Bolsonaro afirma que governa com base no "desejo popular", contanto, claro, que eles definam o que seria isso. Diz que combate a corrupção, mas tenta nublar qualquer investigação que analise evidências de práticas irregulares por parte deles, como, por exemplo, as rachadinhas do senador Flávio Bolsonaro, quando ainda era deputado estadual.

O projeto de país do clã é um governo populista autoritário apoiado por setores da extrema-direita da população e parte do empresariado. Nesse plano, as instituições que não podem ser domesticadas, são consideradas inimigas: Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal vêm sendo alvo de pedidos de fechamento por parte de seguidores fanáticos do presidente desde o ano passado. Bolsonaro chegou ao despautério de discursar em um ato que exigia um novo Ato Institucional número 5 e um golpe militar no domingo (19).

Ao mesmo tempo, a consequência da subordinação de outras instituições pelo Poder Executivo ficam claras. O procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado pelo presidente fora da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República, após muita pressão, resolveu investigar a manifestação contra a democracia citada acima. Mas deixou Bolsonaro de fora.

Com 36% de aprovação, segundo o último Datafolha, Jair Bolsonaro não consegue nem protagonizar um autogolpe, nem ser alvo de um processo de impeachment com chance de sucesso. Esse impasse pode mudar, claro. Nada impede que ele, por exemplo, daqui a dois anos, diga que não admite um resultado diferente que o de sua reeleição - como já disse sobre sua eleição, em 2018.

Há um componente revolucionário no bolsonarismo, que vai derrubando barreiras e avançando aos poucos sobre as instituições. Bolsonaro percebeu que pode fazer muita coisa, pois está defendendo os interesses estratégicos de uma parte da elite (que aceita o diabo com Covid-19, mas não a volta de Lula), mas que era incapaz de vencer o PT nas urnas. Parte da sociedade gosta do autoengano de que ele está sendo totalmente contido pelos freios e contrapesos da República. Está mesmo? Jura?

O presidente também percebeu que - até agora - houve menos danos à sua imagem pela saída de Luiz Henrique Mandetta, do Ministério da Saúde, do que o alardeado. Também verificou que o ministro da Economia, Paulo Guedes, com seu fundamentalismo pró-mercado, é a pessoa errada para a reconstrução econômica - que vai demandar doses cavalares de Estado na veia.

Junte tudo isso a um governante com sérios problemas de insegurança - que precisa repetir toda semana que o presidente, o timoneiro, o capitão é ele - e paranoico a ponto de acreditar que subordinados mais populares querem, a todo momento, roubar seu cargo.

Em outubro do ano passado, foi postado o já icônico vídeo que compara Bolsonaro a um leão sendo encurralado por hienas que representariam o Supremo Tribunal Federal, partidos políticos, a OAB, a CNBB, a imprensa, entre outras instituições. O presidente se desculpou (o que é inútil, pois a peça já tinha cumprido sua função), mas seus assessores seguiram bombando a ideia. Até que, um grupo de manifestantes cercou o carro do presidente do Supremo, Dias Toffoli, bateu na lataria e estendeu uma faixa "Hienas do STF".

O mais preocupante é que, enquanto Bolsonaro devora instituições, temos um Supremo e um Congresso com muitos membros que se movem segundo seus próprios interesses. Ou seja, as instituições que deveriam proteger a democracia frente aos ataques perpetrados não só por ele, mas por toda família, resumem suas ações a comentários e notas indignadas. Ou parecem temer que os 36% de ótimo e bom somados aos 23% de regular reajam em nome do presidente.

As instituições vão vendo, dessa forma, outras instituições sendo dobradas às necessidades de uma família e seus aliados. E serão cúmplices disso.