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Leonardo Sakamoto

Mais pobres têm o dobro do risco de se infectarem com coronavírus no Brasil

Passageiros enfrentam ônibus lotados no Grande Recife durante a pandemia do coronavírus                              - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Passageiros enfrentam ônibus lotados no Grande Recife durante a pandemia do coronavírus Imagem: BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Colunista do UOL

08/07/2020 19h19

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Por Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas e coordenador da maior pesquisa epidemiológica de covid no país (EPICOVID19), especial para a coluna

O EPICOVID19, projeto que mapeia a epidemiologia do novo coronavírus no Brasil, deixará um legado. Poucas vezes uma pesquisa científica chegou tão perto das pessoas no país. Os resultados são divulgados quase em tempo real, a cobertura da mídia tem sido incrível e os resultados publicados nas melhores revistas científicas.

O estudo nacional, conduzido em 133 cidades de todos os estados da federação, traz resultados que merecem destaque. A pandemia se comporta de forma muito distinta entre as regiões do Brasil: no Norte, cerca de 10% da população tem ou já teve coronavírus. No Sul, esse percentual ainda é abaixo de 1%.

A palavra desigualdade também salta aos olhos sob os pontos de vista socioeconômicos e étnico-raciais. Em todas as fases da pesquisa, as pessoas mais pobres apresentaram o dobro do risco de infecção em comparação às mais ricas. Além disso, indígenas apresentam um risco cinco vezes maior do que os brancos.

A EPICOVID19 mostrou ainda que as crianças têm a mesma chance dos adultos de contraírem o vírus. E que quase 89% das pessoas infectadas apresentam algum sintoma, divergindo do entendimento corrente de que a maioria das infecções é assintomática. O sintoma de perda de olfato ou paladar foi relatado por quase 60% das pessoas infectadas.

A pesquisa estimou que, de cada 100 infectados pelo coronavírus, um vai a óbito. E que, havendo um morador infectado na casa, a chance de os outros moradores também serem infectados é de 40%.

Confirmando a teoria do iceberg, que inspira o logotipo do projeto, o estudo mostra que o número real de pessoas com anticorpos é pelo menos seis vezes maior do que o número de casos que aparece nas estatísticas oficiais.

O questionamento agora é sobre o futuro do EPICOVID19. Como sempre acontece na ciência brasileira, o financiamento parece ser o maior desafio. Mesmo com o amplo apelo popular pela continuação da pesquisa, não há ainda garantias de que isso vá ocorrer. Os pesquisadores continuam aguardando posição do Ministério da Saúde sobre o tema.

Muito se tem discutido sobre ciência no Brasil. Infelizmente, na maioria das vezes o tema surge após recorrentes anúncios de redução dos investimentos em ciência e tecnologia, como cortes de bolsas de pós-graduação e bloqueios orçamentários nas universidades. Mais recentemente ele estava em evidência em decorrência do discurso anti-ciência, que chega a questionar se a Terra é plana e a eficácia de campanhas de vacinação.

Hoje, 8 de julho, Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador, é um momento oportuno para o debate, e este texto integra a campanha #CientistaTrabalhando, que celebra a data e ocupa espaços com Ciência ao longo do mês.

Apesar dessas tormentas recentes, com a chegada da pandemia, a ciência brasileira vem dando um exemplo de resiliência e resistência que merece ser destacado. Mesmo subfinanciada e desacreditada, está de pé, especialmente quando a população brasileira mais precisa dela.