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Leonardo Sakamoto

De Nhonho a Noronha: Era Bolsonaro celebra a terceirização da culpa

O senador Flávio Bolsonaro, em sessão de 2019  - Pedro França/Agência Senado
O senador Flávio Bolsonaro, em sessão de 2019 Imagem: Pedro França/Agência Senado

Colunista do UOL

01/11/2020 13h39

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"Não posso ser responsabilizado por atos que desconheço." A declaração do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) serve para o caso revelado pelo portal Metrópoles, de que ele viajou para descansar em Fernando de Noronha e mandou a conta para os cofres públicos. Ou seja, se tudo ficasse na penumbra, acabaríamos pagando o vinagrete de polvo do senador.

Descoberto, o primogênito do presidente da República prometeu que vai bancar as próprias despesas. Segundo nota divulgada por sua assessoria, ocorreu um erro de sua equipe, que pediu o reembolso pela passagem aérea, além do pagamento de diárias de viagem pelo tempo em que ele permanecerá no arquipélago.

Mas a frase que abre este texto foi empregada por ele, em 22 de janeiro de 2019, quando responsabilizou seu ex-assessor, Fabrício Queiroz, pela contratação de familiares de Adriano da Nóbrega, então chefe do Escritório do Crime, para trabalharem em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio.

O Ministério Público investigou a ex-esposa e a filha de Nóbrega e defende que faziam parte de um esquema de desvio de recursos públicos que teria o, hoje, senador como chefe. O miliciano, condecorado duas vezes por Flávio Bolsonaro e seu ex-instrutor de tiro, foi morto em fevereiro.

"Continuo a ser vítima de uma campanha difamatória com objetivo de atingir o governo de Jair Bolsonaro. A funcionária que aparece no relatório do Coaf foi contratada por indicação do ex-assessor Fabrício Queiroz, que era quem supervisionava seu trabalho", disse na época, jogando a batata quente para o colo do Queiroz.

Na pior das hipóteses, o senador terceirizou a culpa por seus erros aos seus subordinados para se safar. Na melhor, não tem gestão alguma sobre sua equipe, que faz o que quer.

Isso vai ao encontro do comportamento de seu pai, que terceiriza a responsabilidade pelos problemas que ele ajuda a causar. Nos discursos de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, tanto no deste ano quanto no de 2019, Bolsonaro culpou indígenas por incêndios na floresta amazônica. Nada falou sobre a responsabilidade por parte de seu governo, que entregou um salvo-conduto a madeireiros, garimpeiros, grileiros e pecuaristas ilegais desde que assumiu.

Com a mesma desenvoltura, propagou aos quatro ventos que o Supremo Tribunal Federal cravou que prefeitos e governadores são os responsáveis pelas políticas de combate ao coronavírus, e que isso o impediu de agir. O que o STF disse é que Estados e municípios também deveriam participar da elaboração da política contra a pandemia. Ou seja, lembrou que somos uma federação que deve ser gerida com base no diálogo entre União, Estados e municípios.

O padrão se estende por todo o governo e até ofensas são terceirizadas. Por exemplo, em visita ao mesmo arquipélago de Fernando de Noronha, a conta no Twitter do ministro das Queimadas e do Desmatamento, Ricardo Salles, chamou o presidente da Câmara dos Deputados de "Nhonho" no dia 28 de outubro. Depois, afirmou que "alguém se utilizou indevidamente" de sua rede social.

Coragem para assumir erros, falhas e problemas sob sua responsabilidade é uma das características que separam adultos de crianças pequenas e também atributo fundamental de uma liderança pública. Pena que esse tipo está em falta nos altos estratos da República. Estamos acostumados a comparar o governo com os primeiros anos do ensino fundamental, dada a falta de maturidade. Discordo, nem a quinta série age assim diante de flagrantes tão gritantes.