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Leonardo Sakamoto

Trumpistas tentam terceirizar invasão do Congresso e culpam antifascistas

Leah Millis/Reuters
Imagem: Leah Millis/Reuters

Colunista do UOL

07/01/2021 10h16

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Após a tentativa de golpe fomentada por Donald Trump, que empurrou milhares de seus seguidores contra o Congresso dos Estados Unidos no momento em que deputados e senadores debatiam a ratificação da eleição de Joe Biden, sugiram aliados tentando convencer que a invasão foi puxada por militantes antifascistas infiltrados. Tanto aqui quanto lá, a terceirização de responsabilidades é um instrumento político cínico e recorrente.

O ato, que terminou com uma mulher morta nas dependências do parlamento e, ao menos, outras três vítimas fatais ao redor dele, além de policiais feridos, entre eles, um em estado grave, fez com que parte dos republicanos defensores de Trump o abandonasse. Além de levar políticos e empresários a pedirem intervenção do presidente ou o seu impeachment, fazer com que o Twitter bloqueasse a conta de chefe da nação e tornar os Estados Unidos uma piada entre regimes autoritários ao redor do mundo.

Os golpistas, neste caso, são covardes que não assumem o que fazem. Impotentes de lidar com a derrota, tentam subverter as regras do jogo, mas também são incapazes de assumir a responsabilidade pela tentativa de virada a mesa, culpando terceiros quando sua estratégia flopa.

Essa teoria conspiratória defende que o objetivo da "infiltração" seria impedir a contestação dos votos dados a Joe Biden, sendo que o próprio vice-presidente, Mike Pence, e o líder republicano no Senado, Mitch McConnell, haviam deixado claro que não impediriam a ratificação da eleição.

A justificativa que coloca a responsabilidade pelas cenas grotescas na oposição a Trump é ridícula. A 14 dias da entrada de um novo governo, que tem maioria na Câmara e no Senado, e derrotou o presidente por uma margem folgada, ela tentaria provocar um golpe de Estado ou atrapalhar esse restículo de mandato?

Para quem achava que o governo Jair Bolsonaro era campeão inconteste na prática de Arremesso de Responsabilidade à Distância, Donald Trump e seus aliados mostram que não ficam para trás.

Matt Gaetz, deputado republicano pela Flórida, foi um dos que defenderam que invasores "estavam se mascarando como apoiadores de Trump", mas na verdade eram militantes antifascistas infiltrados.

Postagens nas redes sociais e aplicativos de mensagens afirmam, por exemplo, que aquele invasor vestido com peles de animais e pintado para a guerra, que se tornou símbolo da loucura que foi este 6 de janeiro, era um militante antifascista. Jake Angeli, de 32 anos, conhecido como "Q Shaman, é um orgulhoso apoiador radical de Trump e adepto de teorias da conspiração. Trumpistas manipularam uma imagem em que o "chifrudão" protestava contra antisfascistas. Queriam, com isso, dizer que ele era um deles e usar a foto para provar.

A linha de ação, claro, é alinhada com o comportamento do próprio líder. Logo após as cenas de violência na porta do Capitólio, resultado de seus discursos que acusam o sistema eleitoral de fraude, atacam outras instituições e demandando que manifestantes pressionem parlamentares, o presidente norte-americano postou pedindo protestos pacíficos. Depois do estrago feito, tentou tirar o corpo fora.

Por aqui, a terceirização das responsabilidades, usando mentiras e outras formas de desinformação é bem conhecida.

Bolsonaro culpa trabalhadores pelo desemprego ao dizer que "uma parte considerável não está preparada para fazer quase nada", mas não diz que não tem plano para geração de postos de trabalho. Culpa as políticas adotadas por governadores e prefeitos para o isolamento social pela situação econômica na pandemia, mas não diz não tem plano para combate ao coronavírus. Culpa nações estrangeiras e povos indígenas pela alta no desmatamento da Amazônia, mas não diz que seu plano é garantir liberdade de ação a grileiros, madeireiros e garimpeiros.

Assim como os trumpistas, bolsonaristas constroem uma narrativa de que, apesar dos fatos esbofeteando nossa cara, eles não têm responsabilidade por nenhum dos seus atos. E, com isso, vão convencendo uma parcela da população.

Como não tinha apoio das Forças Armadas, nem suporte por parte do empresariado e de policiais ou mesmo da totalidade de seu partido, a tentativa de golpe de Trump flopou.

A questão é se, em 2022, Bolsonaro (que conta com o apoio da base do Exército, das polícias e das milícias) vá precisar culpar terceiros por uma flopada. Ou não será necessário porque a tentativa terá êxito.