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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com R$ 250 de auxílio, governo não vai matar fome, nem convencer eleitor

SERGIO LIMA/AFP
Imagem: SERGIO LIMA/AFP

Colunista do UOL

14/02/2021 11h31

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O retorno do auxílio emergencial deixou de ser visto como coisa de "comunista irresponsável" - sim, muitos tripudiaram quando foi dado o alerta de que a segunda onda de mortes de covid também traria fome se o benefício não fosse estendido - e se tornou questão humanitária urgente.

Mas o governo federal continua regateando o valor e prazo no momento em que chegamos a quase 1500 mortes registradas em um único dia. Se o benefício já estivesse entrando nas contas de desempregados, a pressão para irem à rua buscar sustento seria menor. E a mortalidade deles também.

Se o valor for muito menor do que o anteriormente pago, não vai resolver a vida de milhões de trabalhadores informais. Pois a lógica do auxílio emergencial é diferente daquela do Bolsa Família - que transfere, em média, R$ 190 por mês. Trata-se, de outro grupo social, com outras demandas, que vai continuar procurando complemento de renda se o valor fosse esse.

Inicialmente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, colocou R$ 200 como o limite, mas já está falando em R$ 250 após os presidentes da Câmara e do Senado relatarem a ele as pressões de parlamentares.

De acordo com levantamento mensal do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), os 250 mangos representariam 39,6% da cesta básica em São Paulo. Cesta de verdade, com carne e alimentos frescos, não aquelas caixas vendidas pela internet que não garantem uma dieta suficiente e balanceada.

O Congresso, por isso, deve aumentar o valor, repetindo o que fez no início da pandemia, quando o governo sugeriu R$ 200 de auxílio. E, novamente, o efeito colateral será apropriado por Bolsonaro. Pois R$ 250 também não resolvem a vida do presidente.

A sua popularidade sangrou quando o auxílio caiu de R$ 600 para R$ 300 e, depois, entrou em convulsão com o fim das parcelas, em dezembro passado. O discurso de responsabilidade fiscal que está proferindo serve apenas para enganar a ala do mercado financeiro que curte um auto-engano.

Jair torce para que deputados e senadores passem por cima de Guedes e entreguem um benefício mais parrudo a fim de continuar pavimentando sua estrada para outubro do ano que vem. O (ex-)Posto Ipiranga sabe disso e cumpre seu papel nesse teatro, tentando resistir para pregar a tal responsabilidade irresponsável, condicionando o auxílio a um ajuste fiscal.

É debate corrente na oposição ao governo no Congresso que quanto maior o auxílio, mais Bolsonaro se cacifará entre brasileiros que ganham até três salários mínimos - grupo que segurou sua aprovação quando parte da elite e da classe média o abandonou diante do negacionismo e da necropolítica durante a pandemia.

Mesmo assim, a oposição segue tentando aprovar o retorno do auxílio com valores entres R$ 500 e R$ 600 mensais. Um senador e um deputado federal trouxeram à coluna praticamente a mesma justificativa: a esquerda no parlamento não vai rifar a população pobre em nome de uma estratégia eleitoral.

Até porque se ela não fizer isso, será duramente criticada por suas bases e pela própria sociedade civil por abandonar sua pauta histórica de distribuição de renda, o que também traria danos eleitorais. Dessa forma, assume-se que o "dano colateral" de que a garantia de um mínimo de dignidade aos trabalhadores informais será dar a Bolsonaro um caminho mais suave em direção a 2022.

Para alguns, isso é uma escolha difícil, pois defendem a lógica de "sacrificar peões" para ganhar o jogo de xadrez e tirar o "mal maior". Não são muito diferentes de quem, do outro lado, não consegue ver biografias, mas células com números, em uma gigantesca planilha de Excel.